A Utopia da Segurança Pública

Disparos de artilharia anti-aérea, helicóptero abatido, carros incendiados, balas ao léu, inocentes e culpados, polícia e bandido. As cenas eram dignas de uma filmografia, o estúdio não era “hollywoodiano”, muito menos fictícia, foi real de forma imediata e anunciada. Infelizmente o cenário foi a cidade do Rio de Janeiro, lugar comum das tramas novelescas, que insistem em não mostrar o Rio com as suas mazelas. Aqui cabe um questionamento: O Rio seria somente o Leblon ou a Barra da Tijuca com seu glamour de folhetim?

A violência que paira hoje no Rio é endêmica e não é resultado do acaso. Tanto que as cenas dantescas veiculadas pela grande mídia, que expõe somente os efeitos, mas não esmiúça as causas, poderia infelizmente ser em qualquer uma das grandes cidades brasileiras. Até quando há de se conviver com tamanha negligência estatal? Até quando há de se tratar a segurança pública como mote de campanhas eleitoreiras? Pessoas aterrorizadas, presas em suas “residências” sem o exercício de um simples direito: o de ir e vir. E quando o exerce não sabem se retornarão para os seus lares com a segurança que lhes seriam peculiar no Estado Democrático de Direito.

Muitos filósofos dissertaram sobre a inveja, cobiça e a barbárie que imperava no hipotético estado de natureza. Estado este principalmente para Hobbes, onde o “homem era o lobo do homem” justamente por não conhecer o Estado Social. Essa selvageria que assistimos incólumes seria um regresso ao suposto estado de natureza? Creio que não! Até mesmo porque tais teorias primam por justificar o advento do poder estatal. Mas, sendo assim, o que se passa pela inoperância do Estado no que tange às políticas de segurança pública, não seria a ausência desse Estado justificado para a proteção dos seus entes constitutivos? E aquele sentimento de segurança jurídica tanto enfatizada pela sociologia do direito? O Estado detém o monopólio da violência, mas, o que se percebe é a pura e simples ineficácia deste amplo poder.

Para garantir o cumprimento do direito por ele mesmo criado, ao Estado fica resguardado o monopólio do uso da força, que é o principal instrumento da coação exercida sobre o indivíduo, a fim de que a ordem social e a segurança jurídica possam ser mantidas. Mas, não é isso que ocorre. Indivíduos marginalizados pela falta de políticas sociais que visam garantir os seus direitos fundamentais básicos, se tornam cada vez mais ativos em uma vida cheia de contravenções, onde criam para si e para aquelas comunidades carentes um “estado paralelo”. Dentro de seus domínios exercem um irregular monopólio de violência e coação. De favelas a presídios que deveriam ser de segurança máxima, controlam todas as operações que desencadeiam em uma série de crimes: desde a prostituição infantil a tráficos de drogas e armas. Para se ter uma ideia de dentro de uma penitenciária foi dada a ordem para o ataque que culminou na morte de várias pessoas, e o pitoresco abatimento de um helicóptero da polícia militar do Rio que intervia na guerrilha entre as facções rivais. Pitoresco, porque aquelas armas de grande calibre nem mesmo os policiais têm acesso, uma vez que é de uso exclusivo do exército brasileiro. Como explicar algo quando não há uma explicação plausível? Por que isso acontece sem que nenhuma providência seja tomada?

De acordo com a Revista Veja Edição 1876 de 2004, a resposta deve ser procurada no fato de que, durante os últimos 33 anos, o Rio de Janeiro foi comandado por políticos populistas dependentes do voto dos miseráveis subjugados pela elite do tráfico. Para esses políticos, as favelas não são um problema, são uma solução eleitoral. Não existe uma fórmula para a erradicação da violência, até mesmo porque o homem é gregário por natureza, e dessa “sociabilidade” surge atritos e contradições. Mas, foi para isso que o Estado foi inventado, para intervir, mediar e sanar esses atritos peculiar da soberania imperfeita do estado natural.

A utopia da segurança pública deveria consistir numa idealização da vida do homem em sociedade. Como não existe uma fórmula para a resolução do impasse que é a segurança pública no Brasil, a única hipótese que nos resta é a vontade política, e essa além de não manter um interesse continuado e responsável com políticas serenas, não encontram respaldo com a sociedade justamente por não se mostrar eficiente com relação aos seus anseios básicos. E essa parcela menos favorecida é superlativa em tudo, principalmente em desigualdade.

Falando de utopia faço menção de um princípio da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão que diz: “todo ser humano, como membro da sociedade, tem direito à segurança social... Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”. Relembrando um clássico punk God Save The Queen, vale o trocadilho “God Save The Brazil!”.