Quando os melindres atrapalham o debate político


É interessante perceber o quanto as pessoas tidas como eleitores conscientes ficam indignadas com as opiniões contrárias às suas.Fiz uma trégua nos meus escritos despretensiosamente poéticos e, desde que a campanha eleitoral começou, venho me dedicando a postar textos de cunho político.E como já disse algumas vezes, faço isso com muita satisfação, sem nenhum peso ou constrangimento.

Como professora, sempre percebi que um dos entraves por não conseguirmos evoluir numa argumentação de bom nível e nem de atingirmos um quadro de postulantes aos cargos de vereadores, deputados, prefeitos, governadores, senadores e presidente que estivessem realmente gabaritados para um saudável confronto de idéias à ausência de um currículo que contemplasse um trabalho voltado para a política e cidadania.É que a escola desde sempre foi, é e continuará sendo um reduto de pessoas que insistem no conservadorismo, que se orgulham em admitir que são apolíticos, como se fosse possível lidar com o processo educativo sem entender o funcionamento da POLIS em todas as suas instâncias.

Os saudosistas dirão que tempos atrás existiam as disciplinas OSPB e Educação Moral e Cívica.Tudo bem.Alguém se lembra, além da decoreba forçada, o que ficou desses conteúdos? Claro que tais matérias tiveram a sua importância, serviram ao contexto da época.Mas e hoje? O que é feito para inserir os mais jovens nas questões cruciais do país? Então, muito do analfabetismo político que vivenciamos ( e olha que melhoramos consideravelmente) deve-se ao descaso dos “detentores do saber” nas questões políticas.

Assim, por gerações e gerações, vimos as classes mais abastadas saírem das universidades com seus diplomas de doutor ou qualquer outra graduação com um desconhecimento total do seu país e de suas reais necessidades.O poder constituído então era um jogo de cartas marcadas.Mandava quem podia e obedecia quem tinha juízo.Até hoje no Brasil ainda vivemos alguns complexos. O da sinhazinha (mulheres que não conseguem fazer nenhum trabalho doméstico por julgá-lo algo menor), o do sinhozinho (homens que perdem o poder aquisitivo, mas não perdem a pose e continuam mandando e desmandando como se fossem patrões full time ) e a síndrome da escravidão ( pessoas humildes que continuam extremamente subservientes em seu local de trabalho sem nenhum senso crítico), entre outros.

É, a construção do Brasil enquanto nação provocou marcas indeléveis em nosso povo. Esse mesmo povo que tanto serviu de massa de manobra, que sempre serviu de deboche para aqueles que estiveram do lado do poder, do lado da riqueza. Esse mesmo povo sempre ridicularizado pela elite pensante, de uma hora para outra vira uma preciosa moeda de troca.

Quando os que pretendem chegar ao poder se veem numa encruzilhada, ameaçados do distanciamento de Brasília, mudam o discurso, representam maravilhosamente bem, a ponto de convencer os mais incautos. Mas com uma coisa “os sabichões” não contavam. O povão nunca foi analfabeto político, muito pelo contrário.Se os que se consideram intelectuais entendessem a política como deve ser, entenderiam que, quem mata um leão por dia para sobreviver, está fazendo política.Quem não tem pouso certo, nenhuma estabilidade financeira, nem emprego fixo, já nasceu predestinado a ser político, pois enquanto presa/predador da polis, não pode se tornar invisível, tem de se fazer notar nem que seja no grito.

É nessa luta pela sobrevivência que o povo brasileiro forjou a sua história. E isso é respeitado? Claro que não. Até hoje os “conscientes “ da nação não engoliram o sapo barbudo ( ops, digo o nosso ilustre Presidente).

Então, com essas minhas digressões, quero reafirmar a importância de se debater POLÍTICA, assim, com todas as letras em maiúsculo.Sem melindres, sem levar para o lado pessoal, sem se sentir amargurado porque falou o que quis e ouviu o que não quis.Defender qualquer candidato é normal, pois cada um tem as suas experiências, os seus conhecimentos. O que me faz entrar em algumas escrivaninhas não só para elogiar, mas também para me contrapor às idéias defendidas por alguns, é o meu direito de ser político, de cidadã.E aceito que todos façam o mesmo.Mas de vez em quando percebo que alguns recantistas apagam meus comentários, se sentem melindrados. Não é para tanto, mas isso também faz parte do nosso apoliticismo histórico.É mais fácil amar o que é espelho.A diferença entre a discordância e a falta de respeito está na intenção, no propósito.O meu, como o de tantos outros,é participar do processo eleitoral, é esclarecer os fatos, é contribuir para o debate.

Nesse sentido ,tenham certeza, meus caros colegas, jamais escreverei algo a respeito do cidadão Serra ou da cidadã Dilma que não tenha a ver com suas ações políticas. Enquanto pessoas, eles e todos merecem respeito. Daí a não aceitar as charges, as montagens, os textos apócrifos, tudo aquilo que entra na questão pessoal e que só apequena o debate político.Fulano é gay? O que isso tem a ver com o cargo pretendido? Sicrana é lésbica? É separada? E daí? Beltrano é corintiano?Ateu? E eu com isso?

No mais quero dizer que seria de suma importância que todos ( ou uma boa parte) os recantistas deixassem de lado seus textos literários por algum tempo e tentassem contribuir com o seu talento para esse momento de decisão.Uma boa prática política se faz com os bons, com a ternura de cada um e do compromisso de todos com a nação em que vivemos.

Talvez no dia em que todos discutirem os assuntos do país com o mesmo interesse e competência que se discutem os assuntos ligados ao futebol, às artes e às ciências poderemos contar com um povo mais participativo e interessado no bem-comum.

 
amarilia
Enviado por amarilia em 17/10/2010
Reeditado em 10/08/2013
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