SOBRE A ELEIÇÃO DE AMANHÃ

Em quase toda a minha vida sempre fui oposição. Hoje estou numa situação... bastante complicada, confesso, e por razões que, sendo políticas, ultrapassam a esfera da política, adentram pelo território individual e ... sentimental.

De todo modo, sei bem o que não quero; já sobre o que quero as certezas oscilam a seu tanto.Bem... saber claramente o que não se quer é caminho válido como outros caminhos, caminho que nos obriga também a uma escolha, ainda que esta escolha fuja ao ideal sonhado, ao ideal aspirado nos tempos em que, ardentemente, se apostava todas as fichas na oposição.

Hoje, a oposição não me sabe nem me cabe, ainda que eu não me caiba com conforto pleno também na situação.

Apesar de tudo devo dizer que, amanhã, não fugirei da cidade, não anularei meu voto, não votarei em branco. Exercerei meu direito e meu dever de cidadã; votarei fiel às minhas raízes,raízes herdadas de meu pai, homem de esquerda sempre, homem a quem jamais o Sistema quebrou, ao contrário de tantos que se deixaram quebrar. Votarei como meu pai votaria, meu pai que nunca foi nem teve a oportunidade de ser situação. Votarei com a consciência que aprendi com ele e com algumas leituras da história do país, consciência da qual não consegui abdicar, apesar dos terríveis e efetivos desencantamentos dos últimos anos.

Apostarei ainda, mais uma vez, na continuidade de um processo que aprofunde os acertos e expurgue os erros, que foram muitos, demasiados. Apostarei ainda, meu pai querido. Apostarei, por minha própria conta e risco; apostarei também por ti que há muito não mais estás entre nós.

Não posso apostar no rosto com o qual a oposição tem se apresentado e naquilo que ela efetivamente é, por trás das aparências. Não o posso, certamente: seria trair-me a mim mesma. Ainda que não reconheça no rosto da situação boa parte dos traços com que a conheci no passado, ainda assim é nela, situação, que apostarei o que restou da minha confiança. O que restou da minha confiança, confiança que afinal ainda tem, apesar de tudo, peso razoável dentro de mim.

Apostemos mais uma vez, e correndo os riscos pessoais que tal escolha implica, principalmente o risco de perder o afeto de pessoas que, por ter se tornado absoluto e sem possibilidade de remissão o seu desencantamento, farão escolha oposta à minha. Tomara que o afeto delas por mim resista (como o meu afeto por elas resiste, sempre) e, quem sabe, até possa ficar, tal nosso mútuo afeto, ainda mais forte do que tem sido até aqui, mais forte ainda, desde o centro de mais uma luta interna e tremenda. Afinal, eu sempre apostei nas utopias, não é agora que vou desistir de talvez ou melhor, de certamente, a utopia mais importante de todas as utopias da minha vida, utopia que não é de natureza política.

Zuleika dos Reis, na noite de 30 de outubro de 2010, véspera de eleições no Brasil.