Influência Homérica na República de Platão

A República está classificada como um dos diálogos políticos de Platão, dez livros acerca da justiça, política e da ética. Um dialogo que se inicia a respeito da velhice e da morte, logo evoluindo sobre o conceito de justiça. O orador Trasímaco tem por tese que a injustiça é mais vantajosa que a justiça. A justiça é o interesse do mais forte. Citando exemplos das obras de Homero, Sócrates refuta-o e através da ironia insiste que principalmente no fato de que sem justiça sociedade alguma é possível. (PLATÂO. República. 384a – e).

Sócrates a pedido dos seus discípulos demonstra a origem da justiça e comprova que ela é um bem desejável. Sócrates inicia seu discurso sobre a origem das sociedades e como com o desenvolvimento, elas vão tornando complexas necessitando de guardiões para assegurarem a justiça e defesa da cidade. Sabendo que o homem é imperfeito, a primeira educação é feita através de fábulas. Fábulas com intuito de desmontar a verdade.

Sócrates faz uma detalhada análise nos mitos relacionados com a vida no além, na tentativa de eliminar o temor à morte, mas a conversa transcende até concentrar-se na política. Recorrendo aos mitos Sócrates propõe uma divisão entre os guardiões e auxiliares da cidade perfeita. A autoridade deve se basear na crença de que sua classe pertencer a uma raça superior.

O dialogo platônico na República é uma utopia. O conceito de justiça reside no cumprimento de cada individuo o seu respectivo papel social, Sócrates aponta que a justiça consiste na harmonia das distintas classes, e a injustiça no desacordo entre elas. Sabedoria é o atributo dos guardiões, coragem dos guerreiros, temperança dos artífices, Sócrates recorrendo aos mitos distingue a alma em três partes: cognitiva, irascível e apetitiva, características determinantes para cada individuo na divisão de classes na cidade perfeita de Platão. Está claro que para esse Estado dar certo os filósofos deveriam reinar ou todos os reis tornarem filósofos.O que Platão entende por filósofo, o que têm existência real é a idéia e somente ela deverá ser o objeto da ciência estando ela ligada ao filósofo. Somente o filósofo pode ser rei, legislar, pois têm o conhecimento sobre o belo, justo e bom.

A República além de conter a famosa alegoria da caverna , há uma classificação das formas de Estado em quatro gêneros distintos: a timocracia, oligarquia, democracia e a tirania. A exposição de como essas formas se degeneram com o passar do tempo é um dos temas centrais da República. A degeneração do Estado, todo o gênero de corrupção responde aos inconstantes sentimentos humanos somente o filósofo conhecedor da essência dos homens estaria apto para exercer pleno domínio na polis. Platão crê na imortalidade da alma, a injustiça é uma das maiores moléstias. A República termina com a exposição de novos mitos, mas principalmente com a transmigração das almas.

A República (Politéia), que Platão compôs entre 380 e 370 a.C. Nesta obra ele questiona sobre uma sociedade ideal por meio de diálogos sobre leis.

Orientou-se no sentido de determinar como constituir uma sociedade justa. Como tal não existem na realidade, os participantes se dispõe então a imaginá-la, bem como determinar sua organização, governo e a qualidade dos seus governantes. Para Platão, a Paidéia seria o ponto de partida e principal instrumento de seleção e avaliação das aptidões de cada um. Sendo psique um composto de três partes: o apetite, a coragem e a razão, todos nascem com essa combinação, só que uma delas predomina sobre as demais. Se alguém deixa envolver-se apenas pelas impressões geradas pelas sensações motivadas pelo apetite, termina pertencendo as classes inferiores. Prevalecendo o espírito corajoso e resoluto, seguramente irão fazer parte da classe dos guardiões, dos soldados, responsáveis pela segurança da coletividade e pelas guerras. Porém se deixando o individuo guiar-se pela sabedoria e pela razão é obvio que apresenta as melhores aptidões para integrar-se nos setores administrativos. A Justiça é entendida não como hodiernamente se entende, como uma distribuição equânime da igualdade, mas como a necessidade de que cada um reconheça o seu lugar na sociedade segundo a natureza das coisas e não tente ocupar o espaço que pertence a outrem. Percebe-se que o filosofo não pretendia como muitos interpretes afirmavam abolir as classes sociais, e sim teve ele intenção de reformar o sistema de classes estabelecido pelas diferenças de renda e patrimônio (ricos, pobres e remediados), substituindo-o por outro baseado nas atribuições naturais com que cada um é dotado (Razão, coragem e apetite). Um dos aspectos mais conhecidos e polêmicos da utopia de Platão é o que trata dos governantes, pois para ele a sociedade ideal deveria ser governada pelos filósofos, ou pelo filósofo-rei, porque somente o homem sábio tem a inteira idéia do bem, do belo e da justiça. Consequentemente, ele terá menos inclinação para cometer injustiças ou de praticar o mal, impedindo os governados de se rebelarem contra a ordem social. Platão era adepto da teoria da transmigração ou do eterno retorno das almas. Tudo o que existe aqui no mundo real, em nosso mundo, não passa de uma projeção materializada do mundo das idéias que está bem além da nossa percepção sensitiva, conservando-se nele todas as formas que existem. Nosso corpo, ao morrer, faz com que a alma se desprenda dele e flutue em direção ao lugar celestial onde se encontram as idéias ou formas. A alma dos filósofos, dos homens amantes do saber, é a que mais se aproxima deste mundo, percebendo então na suas plenitudes, mais do que as almas das gentes comuns, as idéias de bondade, beleza e justiça. É exatamente esta qualidade da alma do homem sábio é que o torna mais qualificado para ser o governante da sociedade perfeita.

Na República de Platão podemos notar a preocupação sobre os princípios éticos e morais que serviriam segundo o filósofo, como melhores meios para nortear o mundo social. Nos diversos fragmentos das obras de Homero as expressões de sentimentos e valores são encontradas na Ilíada e Odisséia e citadas por diversas vezes no conteúdo da Republica, desde o primeiro livro ao décimo e ultimo livro que compõe a obra. Algumas citações de Homero na obra de Platão Mostra que o próprio filósofo, em seu diálogo tem como arcabouço Homero na composição ética e moral utópica do seu Idealismo. Podemos comprovar a veracidade nestes seguintes trechos:

— Porventura será diferente da razão, ou qualquer das suas formas, de maneira que haverá na alma, não três, mas dois elementos, o racional e o concupiscível? Ou tal como, na cidade, esta se compunha de três classes: a negociante, a auxiliar e a deliberativa; também na alma a terceira servia este elemento irascível, auxiliar do racional por natureza, quando não foi corrompido por uma má educação? — É forçoso que seja o terceiro.

— Sim — confirmei eu —, se ele se revelar diferente do racional, como já se mostrou distinto do concupiscível.

— Não é difícil que se mostre. Até nas crianças qualquer pessoa pode ver que, mal nascem, são logo cheias de irascibilidade, ao passo que a razão, alguns nunca a alcançam, segundo me parece, e a maioria só tarde.

— Dizes bem, por Zeus! Até nos animais selvagens qualquer pessoa pode ver que é como dizes. Além disso, também é testemunho o verso de Homero que nos referimos acima: batendo no peito, censurou seu coração. É bem claro que Homero imaginou aqui um princípio a repreender o outro: o que raciocinou sobre o que é melhor e o que é pior ao que se irrita sem razão. (PLATÃO, República, 440 a - e, 441 a - e.).

A forma que Platão utiliza as obras homéricas fazendo uma comparação com seu discurso podemos comprovar, no quanto enraizada estavam em seu espírito de valor. Talvez seja Homero a personificação do espírito grego, mas vale lembrar que é no contexto da moral e da ética que Platão expressa de forma positiva seu saudosismo da época áurea da Grécia. Por isso tantas citações de Homero, mais do que qualquer outro poeta, ou mesmo outros filósofos contemporâneos aos socráticos e mesmo os pré-socráticos.

Em Homero o filósofo encontra bases sólidas para expor seu pensamento e consolidar grande parte da sua extensa obra. Platão faz uma interessante citação da Ilíada na República: Flexíveis até os deuses o são com suas preces, por meio de sacrifícios, votos aprazíveis libações, gordura de vitimas, os homens tornamos propícios, quando algum saiu do seu caminho e pecou. (HOMERO. Ilíada IX, 497-501.). Neste seguinte trecho da República no diálogo do filósofo está de forma explicita a presença de Homero citações na maioria das vezes relacionadas com questões morais e éticas:

— Precisava de se habituar, julgo eu, se quisesse ver o mundo superior. Em primeiro lugar, olharia mais facilmente para as sombras, refletidas na água, e, por ultimo, para os próprios objetos. A partir de então, seria capaz de completar o que há no céu, e o próprio céu, durante a noite, olhando para luz das estrelas e da lua, mais facilmente do que se fosse o sol e o seu brilho de dia.

— Pois não!

— Finalmente, julgo eu, seria capaz de olhar para o sol e de o contemplar, não já a sua imagem na água ou em qualquer outra parte, mas a ele mesmo, no seu lugar. — Necessariamente.

— Depois já compreenderia, acerca do sol, que é ele que causa as estações e os anos e que tudo dirige no mundo visível, e que é o responsável por tudo aquilo de que eles viam um arremedo.

— É evidente que depois chegaria a essas conclusões.

— E então? Quando ele se lembrasse da sua primitiva habitação, e do saber que lá possuía, dos seus companheiros de prisão desse tempo, não crês que ele se regozijaria com a mudança e deploraria os outros?

— Com certeza.

— E as honras e elogios, se alguns tinham então entre si, ou prêmios para o que distinguisse com mais agudeza os objetos, que passavam, e se lembrasse melhor quais os que seguiam juntos, e aquele que dentre eles fosse mais hábil em predizer o que ia acontecer.

— Parece-te que ele mais teria saudades ou inveja das honrarias e poder que havia entre eles, ou que experimentaria os mesmos sentimentos que em Homero, e seria seu intenso desejo servir junto de um homem pobre, como servo da gleba e antes sofrer tudo do que regressar aquelas ilusões e viver daquele modo?

— Supondo que seria assim — respondeu —, que ele sofreria tudo, de preferência a viver daquela maneira.

— Imagina ainda o seguinte — prossegui. — Se um homem nessas condições descesse de novo para o seu antigo posto, não teria os olhos cheios de trevas, ao regressar subitamente da luz do sol?

— Com certeza.

Podemos ver a preocupação do filósofo não apenas com questões poéticas, mas também morais e os versos de Homero são ótimos temas para discussão por parte de Platão e outros filósofos socráticos.

Consequentemente toda obra Homérica está obviamente enraizada no espírito dos gregos dificultando mesmo uma tentativa de fazer uma separação do espírito de um grego e as obras de Homero, não deixando sequer uma dúvida ao tamanho de sua importância.