As Práticas Coronelísticas no Cenário Nacional

O coronelismo foi uma experiência típica dos primeiros anos da república brasileira, a chamada república velha, embora, o mesmo seja proveniente de um processo de longa duração que envolve aspectos culturais, econômicos, políticos e sociais do Brasil, inclusive, um dos fatos históricos responsável pelo aparecimento do chamado “coronel” é a construção de uma sociedade vinculada com bases na produção agrícola latifundiária, desde os tempos da colônia. O título originou-se, de fato, a partir das Guardas Nacionais, geralmente, o termo era utilizado para designar os fazendeiros ou comerciantes mais ricos da cidade e havia se espalhado por todos os municípios.

... A guarda nacional, pois, no escalonamento de seus postos, a estrutura sócio – econômica das diversas regiões (²). Extinta pouco depois da proclamação da República a guarda nacional, persistiu, no entanto a denominação de “coronel”, outorgada espontaneamente pela população àqueles que pereciam deter entre suas mãos grandes parcelas do poder econômico e político. (QUEIROZ, 1997, p.156)

Durante o Segundo Reinado, a autonomia dos municípios havia sido sufocada pela política centralizadora, mas ela renasceu às vésperas da República, com a proclamação e a adoção do federalismo. A partir desse fato, tem-se o inicio do domínio político por parte dos coronéis, o que veio a ocorrer em todo o país, desenvolvendo-se através da constituição de diversas oligarquias, onde São Paulo, Minas Gerais e o Rio Grande do Sul tinham o domínio do cenário nacional, enquanto as demais regiões do país ficaram submissas a essa cúpula maior, de maneira que o jogo, entre as esferas nacional e estaduais, girava em torno dos municípios, uma vez que os coronéis tinham a capacidade de controlar o maior número de votos, ganhando assim prestígio suficiente para obtenção de benefícios para o município, o que proporcionava condições necessárias à preservação do domínio local através da gratidão da população, que ainda era composta principalmente por pessoas desprovidas de consciência política. Nesse momento, se organizava a chamada política de favores através do voto de cabresto, apadrinhamento, filhotismo, barganha, parentela, violência e diversas outras práticas.

Todo o poder do coronel estava vinculado a terra, ferramenta que ele usava para dominar a população de seu município, por dar emprego a diversas pessoas, as quais teriam que lhe obedecer, pois, as leis da propriedade e do município eram editadas por esse senhor. A vida das pessoas submissas ao poder do coronel era totalmente invadida pelo mesmo, pois ele participava desde a organização dessa família com o apadrinhamento dos filhos, tendo sempre que ser o padrinho de no mínimo um filho do casal, até intervindo, em alguns casos, na realização do casamento dos filhos de seu subordinado. Mesmo havendo todo este tipo de participação na vida das pessoas, elas não viam isso como um meio errado do coronel interagir em suas vidas, e sim uma forma correta pelo fato dele ter ajudado-lhes ofertando emprego e moradia. Por isso, o coronel era visto como um “verdadeiro salvador da pátria” que ajudava a resolver todos os problemas. Esse senhor usava sua influência para dominar todo o seu município, onde ele manipulava desde o gari até o Juiz, portanto, ninguém teria o direito de lhe desafiar, indo contra os seus preceitos. O mesmo utilizava-se, inclusive, de meios violentos para combater qualquer pessoa que interferisse em seu caminho.

... é ele, com efeito, juiz entre questões e disputas humanas na jurisdição de seus domínios, função que quase sempre exerce de maneiras deveras impressionante. Resolve questões de terra, disputas de dinheiro, casos de família; a cata criminoso e mal – feitores, que protege exaltando- lhes a bravura e convertendo – os instrumentos de sua força. (VILAÇA, 2003, p. 58)

Na verdade, toda essa participação que o coronel exercia na vida de seus subordinados possuía um único objetivo, o voto dos mesmos. Como, neste período, o voto não era secreto, o coronel possuía meios para intimidar essas pessoas, pois, no dia da votação elas eram “arrebanhadas” da zona rural até seção eleitoral para votar nos candidatos apontados pelo coronel. Sendo que os jagunços e os cabos eleitorais ficavam encarregados de fiscalizar se esses eleitores não desobedeciam aos seus senhores. Pois, se alguém resolvesse votar em outro candidato sofreria vários tipos de represália através da violência dos jagunços que poderia levar até a morte. Durante a República Velha (1889-1930), percebe - se o coronelismo como limitador da cidadania, pois o poder de mando do coronel influenciava as eleições, fazendo surgir o "voto de cabresto" e o "curral eleitoral", expressões que refletem a postura dócil dos comandados, que votam nos candidatos indicados pelo coronel em troca de favores ou simplesmente por imposição, uma vez que este é quem controla, direta ou indiretamente, a vida das pessoas em sua propriedade ou na região. O coronel é sempre um grande proprietário rural, que, naturalmente, possui o poder econômico e, na prática, o poder político local, o poder de polícia e o poder de justiça. Em outras palavras, prefeitos, delegados e juízes são homens da família do coronel ou seus "protegidos". Além disso, o coronel conta com uma milícia particular, formada pelos jagunços.

No entanto, cumpre não esquercer que a obtenção dos nem sempre se esprimiu pela maneira benigna da barganha, uma vez que se encontrava inserida numa estrutura de dominante e dominado, em que os dominantes detinham várias formas de poder em suas mãos, inclusive e principalmente o economico. A opressão, a violência, a crueldade também foram armas utilizadas pelos coronéis para captarem votos, tão empregados e tão usuais quanto os favores e os benefícios. (QUEIROZ, 1997, p. 160 – 1)

Os republicanos históricos acreditavam que, modificando-se a legislação eleitoral, conseguiriam suprimir o mandonismo local, o que, contudo, não ocorreu, pois com o novo sistema ocorreu um aumento da zona de influência dos mandões locais. Assim, a modificação do sistema eleitoral só veio contribuir para a consolidação do coronelismo, no qual esses senhores locais durante toda a primeira república dominaram as eleições através de diversos tipos de subversão às leis impostas para a realização das eleições dentro do país, mas o mandonismo e as práticas coronelísticas desenvolvidas por estes coronéis para que seus candidatos conseguissem vencer ia desde a falsificação de pessoas para substituir os eleitores, o chamado fósforo, a prática de “ressuscitar eleitores” , até a manipulação do resultado das eleições dentro do seu domínio.

Uma das práticas mais desenvolvida pelos coronéis para a manutenção de seu poder local no período do final do império para o inicio da república era a substituição de eleitores por uma figura chamada de fósforo, pois o mesmo se utilizava dos documentos da verdadeira pessoa e iria lhe substituir na secção eleitoral, mas em alguns casos coincidia de em um mesmo local se encontrar alguém representada por mais de um fósforo, isso era facilmente desvendado e prevalecia aquele que possuísse a melhor prova de que era a pessoa verdadeira, mas em muitos casos isso terminava em verdadeiras confusões por parte dos dois, pois eles representavam em muitos casos dois grupos políticos diferentes. O fósforo tinha por função, muitas vezes, substituir algumas pessoas que tinha deixado o domínio do seu coronel e tinha ido viver em outra localidade muito distante, então o coronel resolvia colocar um de seus cabos eleitorais para substituí-la em vez de ter que arcar com as despesas de trazer um único eleitor para votar. Em outros casos, o coronel se utilizava desta figura tão presente nas práticas coronelísticas para ressuscitar eleitores.

O invisível, o fósforo, representa um papel notável nas nossas eleições, e mais ainda, nas grandes cidades do que nas freguesias rurais. Um bom fósforo vota três, quatro, cinco e mais vezes em várias freguesias quando são próximas. Os cabalistas sabem que F. qualificado morreu, mudou de freguesia, está enfermo; em suma não vai votar: o fósforo se apresenta. É mui vulgar que, não acudindo à chamada um cidadão qualificado, não menos de dois fósforos se apresentem para substituí-lo, cada qual cabe melhores provas de sua identidade, cada qual tem maior partido e vozeria para sustentá-lo em sua pretensão. (NICOLAU 2002, p. 12 – 3)

Apesar de todos os esforços, as fraudes nos processos de qualificações persistiam e eram generalizadas, ocorrendo em todas as fases do processo eleitoral, desde o alistamento e votação, até a apuração dos votos e reconhecimento dos eleitos. Destacam-se o "bico de pena” e a "degola" como principais instrumentos de falsificação eleitoral. Nas palavras de Vitor Nunes Leal, na eleição a "bico de pena" inventavam-se nomes, eram ressuscitados os mortos e os ausentes compareciam; na feitura das atas, a pena todo-poderosa dos mesários realizava milagres portentosos.

Além disso, o coronel se utilizava de pessoas menores de vinte e um anos para votar nas eleições constituindo-se dessa maneira uma verdadeira falsificação de documentos que comprovassem que aquele menor tinha a idade de votar, pois, desta maneira ele aumentava o numero de eleitores a favor de seus candidatos além de se utilizar da chamada "degola". Essa consistia no impedimento da posse dos candidatos indesejáveis através de alegação de fraudes ou irregularidades burocráticas, ou ainda, pela retirada de nomes de deputados das listas para as legislações seguintes.

Todos esses tipos de fraudes desenvolvidos pelo coronel em seu domínio ocorriam em virtude das trocas de favores existentes entre os coronéis locais e os governantes estaduais em que os mesmo tinham ajudado com o beneficiamento de obras e serviço, ampliado prestígio do coronel com a população. Nas eleições, era a vez do chefe local ser capaz de repor essa ajuda de maneira que os candidatos dos governantes locais fossem eleitos, então como estes coronéis eram tidos como “homens de palavra”, tendo que cumprir com seus acordos, no entanto, não importava a forma como ele iria agir para conseguir eleger tais candidatos. Porém, eles se utilizavam das diversas práticas para demonstrar o seu domínio dentro de seu curral e para se manterem no poder a qualquer custo

No desenvolvimento do poder do coronel local, também existia a hereditariedade na qual um grupo político de uma determinada região dava continuidade a um determinado grupo no poder da mesma, sendo que isto ocorria, na maioria dos casos, com casamentos dentro da mesma família para que não houvesse a passagem da riqueza daquela família para outros grupos que viessem a se constituir dentro daquele curral e viessem a medir forças para tomar o poder daquele tradicional.

Como mostra Queiroz, o grupo se voltava em torno de um nome para substituir o coronel e existir a continuidade do mesmo no poder, mas em outros casos os grupos buscavam se fortalecerem politicamente pela união através do casamento entre parentelas, pois desta forma seria também um meio destes grupos se manterem no poder e continuar a utilizarem as mais diversas práticas para dominar o poder que estava diretamente ligado com a riqueza, geralmente a terra.

Os coronéis locais, estaduais e federais serviam-se uns aos outros, ou seja, as oligarquias no período da República Velha dominaram o cenário político brasileiro de maneira que as três esferas dependiam uma da outra, mas de forma que o grupo da esfera municipal conseguia superar as demais em virtude da proximidade com os eleitores, que era o elemento essencial de todas essas trocas de favores.

Referêcia Bibliografica:

NICOLAU, Jairo. História do voto no Brasil (Descobrindo o Brasil). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002

QUEIROZ, Maria Isaura Pereira. O coronelismo em uma Interpretação Sociológica. In ___. FAUSTO. Boris. III - O Brasil Republicano: estrutura de poder e economia (1889 – 1930). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997.

VILAÇA, Marcos Vinícios. Coronel, coronéis: apogeu e declínio do coronelismo no Nordeste. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.

Salvio Garcia Santos
Enviado por Salvio Garcia Santos em 08/05/2011
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