REIS E RAINHAS

Com muita euforia alguns órgãos de nossa mídia noticiaram os detalhes do casamento do príncipe William e da plebeia Kate. Pergunto-me, por que este entusiasmo da população brasileira com um casal real de um país estrangeiro? Parece que os brasileiros estão com saudade de um Rei, ou de serem reis. Para alguns psicólogos todos temos um “rei” dentro de nós, gostaríamos de ser reis. Pois o imaginário popular coloca os reis e rainhas acima do bem e do mal. Reis só vivem de festas, não precisam trabalhar, são ricos, vivem em palácios, comem bem, se vestem majestosamente, estão rodeados de súditos bajuladores e de muitas mulheres, princesas e rainhas, não lhes faltam amantes. As rainhas, então, são mulheres que satisfazem todas as vaidades femininas: cabelos maravilhosos, vestidos, sapatos, jóias encantadoras. Aos reis e às rainhas tudo se perdoa. O que seria condenável para qualquer súdito é perdoado aos soberanos reais. Muitos reis, apesar de grandes salafrários, já foram declarados santos. Quase diariamente ouvimos pregadores religiosos na mídia falarem do santo Rei David, do rei Salomão, como agraciados especiais de Deus. Ora, tanto David, como Salomão, foram destacados salafrários, de acordo com os mais rudimentares valores de uma sã filosofia e religiosidade humanitária. Mas, como são reis bíblicos, a linguagem religiosa ingênua e racionalmente acrítica não se escandaliza com sua vida desregrada e abusiva. Pelo contrário, os declara reis escolhidos por Deus, por isto são santos. Aqui vale relembrar uma frase de Voltaire: “não transformemos em heróis depois da morte os salafrários desta vida”. Claro, não estou aqui generalizando. Entre tantos reis na história existiram alguns que foram de fato edificantes. Mas também para os reis valeria o desabafo pessimista do Freud já idoso, de que em sua vida encontrou mais pessoas desonestas do que honestas. Como a sabedoria nos ensina que o poder corrompe, e que o poder absoluto corrompe absolutamente, podemos, com bastante certeza, afirmar que nos absolutismos todos os reis foram corruptos. Por isto, a humanidade civilizada, há muito, extinguiu as monarquias absolutas. Hoje, na maioria absoluta dos 45 países, que ainda reconhecem reis como os dignitários mais elevados de sua organização política, estes reis são propriamente apenas ornamentais. Simbolizam continuidade de tradições culturais, de conservadorismo social, de poder moderador. Talvez até o sustento das casas reais, em sociedades tradicionais bem estruturadas, seja mais barato para a sociedade do que as periódicas campanhas eleitorais para Presidentes em muitos países democráticos.

Mas, enfim, no Brasil há mais de um século já não existem mais imperadores, reis ou rainhas, princesas e príncipes. No entanto, historiadores nos informam que a partida de Dom Pedro II desestruturou muitos de seus súditos. Talvez a importância que parte da mídia dá a casamentos de príncipes e princesas revele uma saudade por um soberano, ou, então, o afloramento do desejo psicológico latente em todos nós de querermos uma vida de “rei”, que imaginamos plena de prazeres, de luxo e sem submissão a restrições morais. Dali as nossas referências populares estarem repletas de reis e rainhas fantoches. Na linguagem do povo há reis e rainhas para tudo: rainha da sucata, rainha do futebol, do carnaval, dos baixinhos, do forró... Da mesma forma existem os imperadores e reis do futebol, do carnaval. Ao Rei do carnaval, inclusive, se entrega a chave da cidade, liberando o povo de suas inibições morais enquanto momo reinar. Que bom que tudo isto seja apenas fantasia popular. Pois a sã filosofia nos ensina que não existe sangue azul, e sangue plebeu entre os homens; raça superior e raça inferior; nem é humano que alguns tenham o direito de serem parasitas, que devam ser sustentados por escravos, servos, proletários ou trabalhadores hierarquicamente inferiores aos sanguessugas da sociedade.

Inácio Strieder é professor de filosofia- Recife- PE