BELÉM, FAVELAS E FAVELADOS
                                                            Sérgio Martins Pandolfo*
 
   As folhas da semana finda trouxeram à baila matéria que a muitos causou estranheza e/ou pasmo: dados apurados pelo Censo Demográfico 2010 do IBGE mostram que a Região Metropolitana de Belém (RMB) já é, em números relativos, a terceira capital brasileira em somatório de favelados, exatamente 1.131.268 pessoas (53,9% da população) vivendo em condições impróprias e insalubres, tecnicamente chamados de subnormais, atrás somente de São Paulo e Rio de Janeiro. E mais: Belém concentra 89% de todos os habitantes de favelas do Estado. Um espanto? Nem tanto.
    Aos desavisados ou menos informados devemos de saída dizer que favelas e favelados são um fenômeno universal, presente em praticamente todos os países do mundo.
    Consoante a agência das Nações Unidas, favela (Brasil), bairro de lata (Portugal) ou musseque (Angola), é uma área degradada de determinada cidade caracterizada por moradias precárias, falta de infraestrutura e sem regularização fundiária; a porcentagem da população urbana que vive nesses guetos  diminuiu de 47%  para 37% no mundo em desenvolvimento, entre 1990 e 2005. Estão elas normalmente associadas a problemas sociais, tais o crime, toxicodependência, alcoolismo, altas taxas de doenças mentais e suicídios. Nos países pobres, apresentam elevadas cifras de doenças devidas às péssimas condições de saneamento, desnutrição e carência de cuidados básicos de saúde.
    Conquanto menos comuns nos ditos países desenvolvidos, as favelas existem  e algumas cidades sofrem com o aparecimento desse tipo de ajuntamento humano. “Cidades-maravilhas” tais Paris, Londres, Madrid também têm suas favelas arrabaldeiras eivadas de privações e tensões.  Em Portugal, os "bairros de lata" são compostos por imigrantes das ex-colônias do Império Português e de países do Leste Europeu. Vimos em Honolulu, capital do Havaí, “objeto de desejo” de turistas de todo o mundo, favelas pobríssimas e catadores de restos alimentares em latas de lixo.
    A história das favelas no Brasil podemos afirmar que se iniciou no Rio de Janeiro logo após a Guerra de Canudos, mas foi no alvorecer do século passado (1904), com a abertura da Av. Central (atual Rio Branco) pelo prefeito Pereira Passos com a demolição de 641 casas,  desalojando quase 3.900 pessoas. Pari passu abriu-se a Av. do Mangue, arrasou-se o Morro do Senado, alargaram-se ruas do Centro, urbanizou-se parte da orla da Baía de Guanabara. Malgrado as melhorias sanitárias e urbanísticas, o plano implicou alto custo social, com mais formações de favelas na “Cidade Maravilhosa”. Em São Paulo por volta da Segunda Guerra Mundial, com o crescimento industrial e a “invasão” de milhares de nordestinos que fugiam da seca e procuravam no eldorado paulista o que fazer.
    Para a formação ou crescimento de um aglomerado favelar apontam-se duas ordens de fatores: migrações e alto crescimento demográfico. A forma mais recente são as invasões coletivas (sem-terras, sem-tetos) de áreas-problemas. A maior ou menor potencialidade atrativa da cidade é que faz com que haja também maior ou menor migração. O Brasil cresce à razão de 3,2 milhões de seres a cada ano, ou seja, a população aumenta tanto quanto um Portugal a cada três anos.  
    Em Belém pode-se afirmar que foram vários os fluxos migratórios que ensejaram a instalação dessas comunidades subnormais. O primeiro deles, aquando da Batalha da Borracha, na 2ª Guerra Mundial, com a vinda de imenso contingente de nordestinos, os chamados arigós, em esforço de guerra para aumentar o aporte de látex na Amazônia; findo o ciclo, muitíssimos tomaram o rumo daqui. O segundo foi certamente a abertura da Belém-Brasília, que carreou pra cá outro grande numeral; a exploração do ouro de Serra Pelada e as obras de construção da UHE de Tucuruí igualmente ensejaram vultosa parcela de nossos atuais favelados. A migração da população rural para as cidades, aliada à histórica dificuldade do poder público em criar políticas habitacionais adequadas, são fatores que têm levado ao crescimento das favelas.

Nota: A fotografia acima é de uma das favelas belenenses. Notar a disposição plana, horizontal e com algum esboço de planificação.
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*Médico e escritor. SOBRAMES/ABRAMES
sergio.serpan@gmail.com - serpan@amazon.com.br www.sergiopandolfo.com

 
 
Sérgio Pandolfo
Enviado por Sérgio Pandolfo em 30/12/2011
Reeditado em 01/01/2012
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