Os sofismáticos “galpões” do porto de Belém
                                                     Sérgio Martins Pandolfo*    
  
  Diz cediço ditado lusitano: quem desdenha quer comprar. Nos albores do século XX, Belém mantinha um volume de negócios, assim com o resto do País como com o exterior, que a punha como terceira praça negocial brasileira, especialmente em face do rush gomífero, mas não dispunha de um porto a jeito para tal movimentação, as atracações dos “vapores” fazendo-se por intermédio de “rampas”, sendo a mais famosa a da Sacramenta, correspondente a onde está hoje a praça Pedro Teixeira. Nos finais de 1906, tratativas do governo provincial deram ao magnata americano Percival Farquhar, que já atuava em várias outras unidades brasileiras, máxime na implantação de ferrovias (é exemplo a Madeira-Mamoré in totum), a concessão para a construção do nosso atracadouro com a empresa Port of Pará Co. A empreitada, iniciada em 1907, constituiu-se em obra grandiosa, a maior do País na ocasião, mobilizando operários e materiais (estes provindos em sua maioria da Inglaterra e dos EUA) em números superlativos, e concluiu-se, em 1914, com a falência do megaempresário ianque face ao crack da borracha.

    Nesses sete anos um ciclópico projeto de intervenção urbana, como a cidade nunca houvera visto, mobilizou milhares de homens, valendo-se da mais avançada tecnologia internacional. Foi aterrada grande parte da região das antigas rampas e dragado um canal de 3.300 m de largura em toda a extensão do cais (cerca de 2 km), com mais de 10m de profundidade. A companhia também efetivou a instalação de possantes guindastes, linhas férreas, de iluminação, construiu 15 armazéns da mais subida atualidade para o depósito de mercadorias, adquiriu uma draga que era a mais possante e moderna da época, um ferryboat para operar próximo às margens e em águas rasas, erigiu edifícios para a administração e abriu uma rua paralela ao cais, a Av. Marechal Hermes, separada das instalações portuárias por elegante e igualmente valioso muro com gradil de ferro fundido trabalhado, o que nos colocava como o 3º porto do País, ficando atrás somente do de Santos e do Rio de Janeiro, principalmente devido ao intenso movimento de embarque da borracha. Nós mesmo assistimos, inúmeras vezes, a chegada e saída de grandes “vapores” de cruzeiro, tais os nacionais Anna Nery e Rosa da Fonseca e internacionais (Hillary p.ex.), que ligavam as principais capitais brasileiras, além de enormes cargueiros.
    Com a débâcle da hevea nosso porto perdeu grande parte de sua movimentação entrando em declínio acentuado, pelo que foi federalizado em 1940 sob a denominação de Superintendência de Navegação da Amazônia e de Administração do Porto do Pará – SNAAP, que em uma das primeiras e “obsequiosas” providências transferiu nossa draga para o porto de Santos e nossa balsa para a travessia Santos-Guarujá, em Sampa. No governo militar criou-se a Portobras que encampou o SNAAP criando a CDP e Enasa, ambas hoje sob o guarda-chuva do Ministério dos Transportes (de recentes tristes exemplos), vindo de lá todas as ações administrativas e de planejamento. Agora a CDP nos afronta com um Plano de Zoneamento e Desenvolvimento para “modernização” do Terminal de Contêineres, que inclui o desmantelamento dos “galpões” 11 e 12.
   Nosso “patropi” é mesmo um caleidoscópio de “sui generidades”. Perdão, mas “galpão” uma ova! Tal denominação se dá a construção rústica, com cobertura de palha, zinco ou telha, com um ou todos os lados sem parede, utilizada para depósito e/ou abrigo de produtos agrícolas, mercadorias, maquinaria etc., nada a ver, portanto, com os armazéns de artístico e superior acabamento em ferro fundido, confeccionados por forjas inglesas especializadas. Insistem em chamar os armazéns de “galpões” a fim de minimizar-lhes a importância. Os armazéns ou – vá lá o pejo! – “galpões” estão lá há anos largados à matroca e agora os lançam como elementos de má troca, a fim de aumentar a zona de empilhamento de caixotões. Voltaremos ao tema.

Na foto acima os armazéns da discórdia, o centenário gradil que cerca a área do porto e manifestação popular contra o desmanche dos mesmos.
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*Médico e escritor. ABRAMES/SOBRAMES/IHGP
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Sérgio Pandolfo
Enviado por Sérgio Pandolfo em 23/03/2012
Reeditado em 24/03/2012
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