Padre Antônio Vieira Falou
                                                   Sérgio Martins Pandolfo*    
    Num de seus sermões em Lisboa, no segundo quartel do século XVII, Pe. Antônio Vieira recadejava ao rei D. João IV: Perde-se o Brasil porque alguns ministros de Sua Majestade não vêm cá buscar nosso bem. Vêm cá buscar nossos bens".
     O ínclito sacerdote, pela soberba oratória cognominado Imperador da Língua Portuguesa, que tão bem conhecia o Brasil, em especial a Amazônia, onde consta ter pronunciado muitas de suas sacras pregações do púlpito da igreja de S. Francisco Xavier (hoje Santo Alexandre) advertia o monarca luso sobre a corrupção e o descaminho dos recursos em coisas mal ou nem planejadas nas colônias lusíadas dalém-mar. Essa é, portanto, prática cediça que por aqui perdura até os dias correntes.
    No artigo anterior referimos que com a federalização do porto as coisas começaram a feder para os lados deste setentrional estuário do rei dos rios. Foram-se a draga, o ferryboat, alvarengas e não vieram recursos de molde a suprir e atualizar o porto citadino que já fora pujante. Sem draga, a droga do assoreamento se foi impondo, a limitar a entrada e saída de embarcações de grande calado. E calados quedamos... consentimos. Em relatório emitido pela CDP em 1999, o porto belenense estaria na casa do sem-jeito: assoreado, obsoleto, sem infraestrutura e sem vias de acesso/escape de cargas. Já agora, como que por encanto, o porto é viável e até poderá vir a ser a fonte maior de recursos para Belém e para o Estado, questão apenas de seguir a receita de Brasília, elaborada pela Planejamento em Transporte e Consultoria Ltda. (Petcon, Brasília, 2005) autorizada pelo Conselho de Autoridade Portuária – CAP, órgão superior da Administração Pública Federal ligado ao Ministério dos Transportes (DF): implantar o Terminal de Contêineres do Porto de Belém (Tecombel), constante do desmonte dos armazéns 11 e 12; encampação da rua Rui Barata e da parte da Marechal Hermes fronteira aos ditos armazéns; construção de uma ponte sobre o canal da Doca, prolongando a Pedro Álvares Cabral; fechamento da Trav. Rui Barbosa; implementar a abertura da Rua de Belém, ligando a Pedro Álvares à Castilhos França.
   Os executivos da CDP usam o discurso da modernização, o mesmo que foi utilizado para pôr no chão o Grande Hotel, a caixa d’água da Campina, o prédio da Fábrica Palmeira, chalés de ferro e muitos outros imóveis históricos de Belém. Várias instituições de defesa do patrimônio histórico, ao revés, são contra o Tecombel: o MPF e o MPE, o Dphac, a Secult. Desta veio a reação maior: Isso significa a supressão de vias, parcelamento de quadras, mudanças de uso afetando toda a rotina da população. A operação é complexa e precisa ser discutida não apenas pelos órgãos competentes, mas por toda a população, verberou a diretora; o titular da pasta foi mais explícito e tranchã: O Pará é generoso com quem aqui se estabelece, recebe todo o mundo de braços abertos.Depois esses forasteiros têm a coragem de estuprar a vida da sociedade querendo mudar radicalmente o modo como vivemos. Não podemos aceitar.
    O conjunto dos armazéns é tombado pelo Departamento Histórico, Artístico e Cultural do Estado do Pará (Dphac). Derrubar os armazéns do porto é derrubar parte da história, da cultura e do patrimônio de Belém. Modernizar não implica necessariamente destruir o que já existe e é de valor. Antigo e moderno podem conviver em harmônica mutualidade.
   Agora viu-se nas folhas (O Liberal, 21/3/2012) o real motivo da pinima cedepeana, exposto de modo piramidal pela diretora de gestão do órgão: A estruturação aponta para a abertura da gestão dos portos pela iniciativa privada através de concessão pública (...). A previsão é que a trade que venha administrá-lo pague R$84 milhões à Companhia. Tradução: privatizar para faturar. À custa de nossos bens. Vieira tinha razão! Falou e predisse.

Foto: Os históricos armazéns 11 e 12 do cais do porto, que a incúria e a insensibilidade administrativa, no que tange aos bens patrimoniais e de cultura, querem pôr abaixo para, em seus lugares, empilhar contentores para só faturar.
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*Médico e escritor. ABRAMES/SOBRAMES
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Sérgio Pandolfo
Enviado por Sérgio Pandolfo em 30/03/2012
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