Acordos espúrios

ACORDOS ESPÚRIOS

Antônio Mesquita Galvão

Depois que Brizola († 2004) afirmou que para ganhar a presidência da República faria “aliança até com o diabo” a história dos acordos políticos no Brasil parece que jogou a ética e a fidelidade partidária pela janela. O que chocou a opinião pública recentemente foi um acordo entre Lula e Paulo Maluf (PP-SP), para apoiar Fernando Haddad para a Prefeitura de São Paulo. Dirigentes do PP afirmam que o deputado Maluf quer participar da formulação do plano de governo do petista. Maluf e Lula eram inimigos ou adversários até o momento da convergência atual de seus objetivos. A busca do poder não cansa de propugnar esse “vale tudo”.

Esses acordos, ou conchavos políticos não são de hoje. O Partido Social Democrático (PSD) foi um partido político brasileiro fundado em 1945, formado sob os auspícios de Getúlio Vargas de caráter liberal-conservador, reunindo as elites. Getúlio era um latifundiuário. Ideologicamente oposto, surgiu, na mesma época o PTB, também sob a inspiração de Getúlio, seu maior líder e no bojo do queremismo, movimento popular cuja divisa era queremos Getúlio e que propunha uma Assembléia Constituinte com Getúlio na Presidência da República. Se a ideologia do PSD era de apoio ao empresariado e ao latifúndio, o ideário do PTB favorecia o operariado, o homem do campo e os sindicatos.

Durante a ditadura (64-85) os militares inventaram os mandatos “biônicos” (Senadores e Governadores) para obterem poder de governabilidade. Antes disto, a política do café-com-leite foi um acordo firmado entre as oligarquias estaduais e o governo federal durante a “República Velha” (1898-1930) para que os presidentes da República fossem escolhidos entre os políticos, mesmo adversários, de São Paulo (café) e Minas Gerais (leite), alternadamente.

O móvel de tantas alianças está primeiramente na caça aos eleitores. Por mais desacreditado que esteja, no concerto político nacional, o prestígio de Maluf é capaz de canalizar alguns milhares de votos decisivos para Haddad. Depois da eleição só as alianças podem garantir a governabilidade, pois sem maioria no Legislativo ninguém governa.

Nos países adiantados, onde a democracia é fato consumado, depois de corrido o pleito, vencedores e vencidos fecham campanha em favor do país, esquecendo ódios e picuinhas do período eleitoral. No Brasil, com essa pífia vocação que temos para a democracia e um golpismo latente, os perdedores não só torcem como também fazem o possível para que o governo eleito não dê certo, para dar razão aos seus argumentos e preparar um retorno mediato.

Mesmo onde a democracia não é top de linha, se observa esse pragmatismo casuísta. Na China, há algumas décadas, na iminência de um acordo comercial com os Estados Unidos, ao ser cobrado por seus pares, o líder Deng Xiaoping († 1997) teria dito: “Para mim não interessa a cor do gato, mas sim que ele cace ratos”. Nas mesmas águas, escutei em tempos pretéritos, um político nordestino afirmar que sua ética começava pelo princípio “perder é feio”. São fins que justificam os meios.

O autor é Filósofo, Escritor e ex-professor de Ciência Política.