Lições de eleições

Wilson Correia

A celebérrima frase do último ditador do governo militar golpista no Brasil, João Baptista Figueiredo (1979-1985), dando conta de que “Preferia cheiro de cavalo a cheiro de povo” parece ser o lema de certo tipo de político que se serve do voto popular para chegar ao poder, mas que, no cargo, dá um tremendo chute no traseiro do povo.

Esse não é o único tipo de político arrogante, soberbo e insolente. Há aqueles que se esquecem de que, na democracia, o poder é um lugar vazio e se antecipa como detentor deste ou daquele cargo. Isso aconteceu na disputa eleitoral para a Prefeitura de São Paulo, em 1985, quando Fernando Henrique Cardoso, à frente nas pesquisas, não resistiu ao pedido de fotógrafos para sentar na cadeira de prefeito. Sentou. O povo, crítico, captou o desrespeito. Resultado: em uma disputa em que temas como maconha e ateísmo vinham à baila, o gesto de FHC contribuiu, e muito, para que ele caísse nas pesquisas e perdesse a eleição para Jânio Quadros.

Outros modos de o político rechaçar o “cheiro de povo” não faltam. Lembro-me o daquele candidato tocantinense que, vivendo em uma comunidade predominantemente negra, fez piada com a cor da pele de seus concidadãos e levou um baita fora na urna. Branco, ele disse que, se eleito, jogaria luz naquela cidade metida em eterno breu.

A política goiana foi eleita ajudada por um colega do mesmo partido. Porém, na prefeitura, ela o podou o tempo inteiro. Reservou para ele uma salinha nos fundos dos fundos do Palácio Municipal, isolando-o do povo. Sempre que ele era procurado, os funcionários da prefeita eram orientados a dizer que ele estava viajando. Um dia, ele perdeu até a salinha dos fundos dos fundos. Resultado: na eleição seguinte o povo, que a tudo assistiu atentamente, mandou a prefeita e o candidato queridinho dela irem passear.

Um político do interior de São Paulo, quando chegou ao posto de prefeito, isolou-se do povo. Não recebia ninguém. Não saía à rua onde o “cheiro de povo” é sinônimo de liberdade e cidadania. Para falar com ele, só por telefone ou interfone, e olha lá. Só atendia os que eram de sua elite burguesa. Esse também o povo afastou da política.

No Paraná, o velho político apontou o dedo para o afilhado servil, novinho, iniciante, inexperiente e portador de um elenco enorme de projetos inacabados por conta do servilismo ao caudilho, e disse: “Você será prefeito”. Não foi: entre o desejo pessoal do prefeito e a Prefeitura havia, outra vez, o fatídico “cheiro de povo”, seu senso de justiça e seu conhecimento de que, na democracia, o saudável é a rotatividade no poder.

Outra vez em Minas, o prefeito saía à rua com o aparelho celular aberto e pressionado contra o ouvido. Ninguém entendeu aquilo, até que alguém contou o segredo: “Ele faz isso para não ouvir o povo, aparentando estar ocupado para não conversar com ninguém”. Na eleição, o “cheiro de povo” não quis saber de “dialogar” com ele, nem com o seu candidato que, no início da campanha, saiu à rua convidando para a inauguração de seu comitê já se apresentando como prefeito.

Tempos de eleições são propícios à lembrança desses fatos. São lições, das quais nenhum de nós, especialmente o homem público, deveria esquecer.