Crise Institucional na Romênia

Em 1989, a queda do comunismo no Leste Europeu foi particularmente violenta na Romênia, ao terminar com o fuzilamento do ditador Nicolae Ceausescu e sua esposa na noite de Natal. A democratização do país levou a um sistema misto de governo onde o presidente (chefe de estado) é eleito de maneira direta pelos eleitores e a maioria absoluta do parlamento indica o primeiro-ministro (chefe de governo). Traian Basescu foi eleito presidente em 2004 e reeleito em 2009, para um segundo mandato de 5 anos. Basescu é o terceiro presidente do período democrático, seu segundo mandato termina em 2014.

O país conseguiu dar um grande salto econômico na primeira década do século 21. Embora ainda seja o segundo país mais pobre da União Europeia, houve uma melhora no desenvolvimento humano (IDH), na redução da pobreza e na consolidação da democracia representativa. Entretanto, após a crise econômica de 2008, o país entrou em recessão, houve contração do PIB e o aumento do déficit público. Há problemas em infraestrutura, saúde e educação. Os sindicatos promoveram grandes protestos contra os efeitos da crise econômica e contra a alocação de recursos por parte do governo. O tema da corrupção e o aprofundamento da recessão econômica levaram o país ao confronto político do primeiro-ministro com o presidente que estão num governo de coabitação (o presidente perdeu o apoio da maioria absoluta para governar o país).

No último dia 6 de julho, o presidente Basescu foi afastado do cargo, em processo de impeachment, por 256 contra 116. No dia 29 de julho, houve a votação do referendo sobre o impeachment, quando os eleitores decidiram sobre a destituição do presidente ou sua recondução ao cargo.

Tal medida não era inédita na Romênia. O próprio presidente Basescu enfrentou esta mesma situação em 2007. Naquela ano, em 19 de abril, ele foi afastado do cargo de presidente por 322 contra 108. Após a vitória no referendo de 19 de maio, com 74,48% dos votos, Basescu foi reconduzido ao cargo.

As atuais acusações contra o presidente Basescu são de interferir na autoridade do governo e do parlamento, além de instigar a opinião pública contra o executivo e o legislativo. O governo de coabitação levou o atual primeiro-ministro Victor Ponta ao confronto político com o presidente Basescu.

As medidas de austeridade econômica do presidente Basescu foram exigências do Fundo Monetário Internacional para o empréstimo do equivalente a 24 bilhões de dólares. Dois chefes de governo que eram pró-Basescu caíram e Victor Ponta é o terceiro chefe de governo neste ano de 2012. A Romênia é um dos países que fizeram um dos maiores ajustes fiscais dentro da União Europeia.

O estopim da crise política aconteceu em 20 de junho, quando o ex-primeiro-ministro Adrian Nastase (mentor político de Victor Ponta) foi preso em sua casa para cumprir pena de dois anos por corrupção. Nastase foi primeiro-ministro durante o período 2000-2004, quando Romênia entrou na OTAN e negociou a adesão à União Europeia. No momento de sua prisão, o ex-primeiro-ministro tentou matar-se com um tiro, mas foi impedido por um dos policiais encarregados de efetuar a prisão. Ferido na garganta, Nastase foi transferido para o hospital.

Em 3 de julho, o primeiro-ministro Victor Ponta conseguiu apoio da maioria parlamentar para trocar o Procurador Geral, o presidente da Câmara dos Deputados e o presidente do Senado. Este acusou-o de golpe de Estado, de não respeitar a lei e de estar levando o país para a ditadura. Estas trocas tiveram por objetivo controlar a justiça e impedir qualquer tipo de ação contra o governo. O Tribunal Constitucional acusou o primeiro-ministro de querer modificar a composição da instituição com a troca de juízes. Em decorrência da crise política, o Tribunal Constitucional informou a União Europeia das ameaças contra a sua independência.

A luta pelo poder contra o presidente e contra o Tribunal Constitucional chegou ao limite com a alteração das regras democráticas. No referendo para destituição do presidente em 2007, havia a necessidade de participação mínima de 50% dos eleitores, tendo-se por base o total de eleitores inscritos, para validar o resultado do referendo. Para o referendo do dia 29 de julho, a regra foi alterada por decreto do governo, mas o Tribunal Constitucional manteve a necessidade de participação mínima de 50% dos eleitores para validar o resultado.

O primeiro-ministro Victor Ponta já demonstrou que não se aflige com questões éticas. A Revista Nature acusou-o de plagiar 85 páginas de sua tese de doutorado. Punta rebateu as críticas dizendo que renunciaria ao cargo se isso fosse comprovado. A Comissão de Ética do Ministério da Educação ratificou o plágio, mas quem renunciou foi o próprio presidente da comissão que foi acusado de plagiar artigos científicos.

As novas eleições parlamentares ocorrerão apenas em novembro, mas podem não resolver a atual crise política do governo de coabitação entre o presidente e o primeiro-ministro. Em 2007, Basescu contava com uma alta popularidade para voltar ao cargo de presidente, mas a atual situação de austeridade econômica levou sua popularidade ao nível mais baixo de sua presidência.

O primeiro-ministro Victor Ponta esperava destituir o presidente Basescu e, assim, forçar a antecipação de eleições presidenciais para o mês outubro, antes das eleições parlamentares. Entretanto, apesar de uma ampla maioria ter votado a favor da destituição do presidente, não foi atingido o quórum mínimo de 50% de participação do eleitorado (o comparecimento às urnas foi de 46% do eleitorado). O confronto político entre o presidente Basescu e o primeiro ministro Victor Ponta, em decorrência do governo de coabitação, pode estar longe de ter uma solução e levar a uma crise institucional na Romênia.

Luiz Roberto da Costa Júnior é mestre em Ciência Política e especializado em análise de sistema misto de governo.