Federalismo: uma "pseudo" aliança?

FEDERALISMO: UMA “PSEUDO” ALIANÇA?

RESUMO: O presente artigo aborda a questão da forma de governo que se dá atualmente no Brasil, o federalismo. Elencando primordialmente seus aspectos derivados de uma conturbada origem histórica e de uma constante disputa entre poderes superiores e inferiores, para concluir declarando a existência de um federalismo em crise, repleto de lacunas e de vícios trazidos de um passado distante. O Brasil, como um país diverso e rico que é infelizmente teve suas antigas desigualdades e divergências acentuadas por esse modo de governar.

PALAVRAS CHAVE: Federalismo, origem, soberania, disparidades sócio-economicas.

1. Introdução ao Federalismo

A Constituição Brasileira de 1988 prevê em seu artigo primeiro a forma do Estado sob a qual o Brasil está submetido, estando assim disposto que “A República Federativa formada pela união indissolúvel dos Estados, Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de Direito e tem como fundamentos: I- a soberania; II- a cidadania; III- a dignidade da pessoa humana; IV- valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V- o pluralismo político”. Ou seja, atualmente a estrutura e organização do Estado brasileiro possuem como base o sistema federalista.

O federalismo é igualmente protegido na Constituição Brasileira no artigo 60, quando esse trata da elaboração das emendas e afirma que “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I- a forma federativa do Estado; II- o voto direto, secreto, universal e periódico; III- a separação de poderes e IV- os direitos e garantias.” Sendo assim, esses dispositivos são denominados cláusulas pétreas pela doutrina jurídica especializada.

Dalmo Dallari defende que o Federalismo surgiu inicialmente nos Estados Unidos da América do Norte com a elaboração da constituição de 1787, devido a ocorrência da independência das treze colônias que se uniram formando um país unificado. Anteriormente ao sistema federal, os Estados Unidos era uma confederação. Estabelecia no segundo artigo do tratado da confederação que “Cada Estado reterá sua soberania, liberdade e independência, e cada poder, jurisdição e direitos, que não sejam delegados expressamente por essa confederação para os Estados Unidos, reunidos em congresso.” Qualquer dos signatários que desejasse desligar-se da confederação poderia fazê-lo mediante simples renúncia de tratado, o que repercutiu em laços de união frágeis e ineficazes.

A obra “O Federalista”, que reunia artigos escritos por Alexander Hamilton, John Jay e James Madison, com base nos argumentos da separação de poderes de Montesquieu tratou de argumentar sobre o processo de transição da forma de governo de Confederação para Federação nos Estados Unidos, demonstrando a extrema necessidade da revisão do defasado sistema utilizado anteriormente. Esse federalismo originado em 1787 teve como base a descentralização dos estados, sendo, portanto caracterizado como agregador, havendo maior equilíbrio na divisão dos poderes. No Brasil, entretanto, a sua condição de origem deu-se de forma contrária, o que gerou reflexos sentidos até hoje no nosso sistema político.

A federação brasileira não foi lentamente construída como a federação norte-americana e foi instituída a partir de um estado que já era único. Sendo assim, a tradicional política centralizadora brasileira possui raízes históricas vinculadas à forma como esse país foi colonizado pela coroa portuguesa. As constituições brasileiras de 1891, 1937, 1946, 1967 e 1988 afirmavam a república como forma de Estado, o que não significa dizer que a mesma fora implantada simultaneamente com promulgação do texto expresso na lei.

A origem dos municípios brasileiros é proveniente do período colonial em que o Brasil fora dividido em capitanias hereditárias, época em que se verificou a primeira experiência dos poderes locais e regionais. Esses poderes eram exercidos pelas câmaras municipais ou coloniais da época. Notória era a intenção dos colonizadores, que visavam mais a melhor forma de administrar a grandiosidade do território nacional e menos o incentivo à democratização.

As capitanias hereditárias foram transformadas em províncias em 1821 e mantiveram-se com semelhantes poderes após a independência na constituição de 1824. Já em 1831, com a abdicação de D. Pedro I foi elaborada uma emenda que garantiria uma monarquia representativa e responderia mesmo que incapacitadamente aos anseios descentralizadores do povo brasileiro. Houve a Proclamação da República em 1889 sendo assim aplicado o sistema federalista, com a divisão de poderes entre Estados membros e Estado Federal. A constituição de 1891 foi responsável por caracterizar como perpétua e indissolúvel a união dos Estados-membros e determinar a participação dos mesmos com a possibilidade de intervenção por parte da União.

Na década de 30, entretanto, houve a volta da centralização com o governo de Getúlio Vargas, que dissolveu o Congresso Nacional, as Assembleias Legislativas Estaduais e a Câmara Municipal, retirando todo o poder que anteriormente fora dado aos Estados Membros e deixando todas as decisões a serem tomadas nas mãos do Presidente da República. Em 1937 foi elaborada outra constituição que determinava que, comprovada a incapacidade do Estado Membro de se sustentar financeiramente por três anos, seu território poderia se tornar parte da União.

A constituição de 1946 devolveu a autonomia dos Estados Membros que foi novamente retirada com o golpe militar de 1964. A constituição de 1967/1969 garantiu o federalismo apenas formalmente, pois na realidade brasileira a União era detentora de todos os poderes, nada restando aos estados federados.

Apenas na Constituição de 1988 que, finalmente fora restaurado as concepções essenciais do federalismo. Esforçando-se ao máximo para a obtenção do equilíbrio entre os poderes centrais e parciais para a garantia de um convívio harmonioso e descentralizador, que é e sempre será a principal proposta do Federalismo. Pode-se notar, entretanto, que a constante tendência centralizadora da União pertence até os dias de hoje, quando são crescentes as situações controladas por essa e decrescente a participação dos estados federados na elaboração da vontade nacional, que possuem cada vez mais reduzidas a sua autonomia financeira e política e tem suas legislações a ela subordinadas.

3. A questão da soberania ao longo da história.

Na antiguidade clássica, o conceito atual de soberania era inexistente, sendo a figura do Estado autossuficiente em sua tomada de decisões na vida dos cidadãos, era dotado de unidade e não havia disputa internas pelo poder, ou seja, a organização política era dotada de perfeição.

Na Idade Média, surgem os poderes intermediários entre o império e o indivíduo, ficando a ideia do Estado em condição latente diante do surgimento de outros diversos poderes. É durante esse período que a soberania adquire o caráter de essencialidade ao Estado e que seria responsável por garantir a sua supremacia. Podendo ser conceituada como uma capacidade do Estado de autovinculação e autodeterminação jurídica exclusiva Para Bodin, o teórico francês, soberania é algo essencial para a acepção republicana de Estado.

No Estado Moderno, a soberania era adjetivada como absoluta, incontrastável, perpétua e irrevogável e necessitava-se de uma teoria para legitimá-la. Iniciam-se discussões sobre quem seriam os titulares de direitos de soberania. Daí surge duas teorias básicas: teorias teocráticas e teorias democráticas. As primeiras faziam referência a natureza divina dos reis, poder que era dado aos monarcas por Deus. E por último, as teorias democráticas que se subdividiam em: teoria da soberania popular e teoria da soberania nacional.

A doutrina da soberania popular é fragmentada em muitas outras que pertencem a cada indivíduo componente do Estado. Cada membro é detentor de uma parcela de poder e participa da escolha dos governantes. Essa doutrina funda o processo democrático sobre a igualdade política e o sufrágio universal.

Já a doutrina de soberania nacional é estabelecida durante a Revolução Burguesa na França e deixa de pertencer aos indivíduos para pertencer à nação, que a exerce através de seus representantes políticos. Aqui a participação do povo é limitada pela vontade nacional, enquanto na soberania popular era ilimitada já que cada indivíduo tinha seu espaço de atuação na vida estatal.

Atualmente, o conceito de soberania encontra-se em declínio devido a notória aproximação entre os estados, que reduzem a importância da nacionalidade para legitimar o direito internacional, necessário para a vivência harmoniosa entre todos os povos. Apesar disso, a questão da soberania ainda é considerada uma mola movedora de grandes debates, envolvendo como temas inclusive a forma federativa do Estado Brasileiro, tema que será abordado no próximo tópico.

4. Disputa entre poderes

O Estado Federal é conceituado por Jellinek como sendo "Estado soberano, formado por uma pluralidade de Estados, no qual o poder do Estado emana dos Estados-membros, ligados numa unidade estatal." Nota-se na referida conceituação a constante dependência entre os termos soberania e federalismo; e esses últimos se entrelaçam com as leis da autonomia e da participação, que estão presentes no contexto do sistema federado. Além de Estado soberano, o Estado Federal é responsável por garantir a segurança nacional, diplomacia nacional e representação internacional dos demais Estados.

Como anteriormente já foi dito, o federalismo é uma forma de Estado onde há uma dualidade de poderes, que são esses a União e seus respectivos Estados-Membros. Essa distribuição de poder está associada ao fato do federalismo encontrar-se naturalmente próximo da ideia de pluralidade, no sentido de ter como uma de suas principais obrigações o respeito às diferenças de modo geral. Sendo assim uma marcante característica dessa forma de governo é a tensão interna entre os poderes e a sua eterna ideia de incompletude.

A permanente tensão interna é construída com base nos extremos de liberdade e autonomia, independência e dependência, união e separação, etc. Sendo a mesma intensificada em países como o Brasil, no qual as diversidades estão presentes em todos os contextos. Já a incompletude refere-se ao fato de que a forma que o federalismo se organiza não é concreta e inflexível, mas está subordinada a situação em que os Estados-Membros se encontram diante da maior centralização ou descentralização por parte do poder central.

As leis de autonomia e de participação auxiliam para que haja no Estado Federal uma interação harmônica entre os seus membros. Ocorre assim a elaboração de uma vontade política válida para toda a organização federal e de constituições estatais que preservem a autonomia desses Estados-Membros.

E é nesse sentido da elaboração da vontade nacional é que ocorre a aproximação entre as noções de soberania e federalismo. Sabe-se que em um sistema federativo existe a necessidade do estabelecimento da ordem entre os poderes dominantes. A União ou o Estado federal é responsável pela elaboração da constituição sob a qual todos os cidadãos pertencentes aos estados estão submetidos. Apesar de terem que respeitar o poder superior a eles, esses Estados-Membros possuem autonomia para elaborarem suas próprias constituições locais, seus órgãos administrativos, suas leis tributárias, etc. Nota-se que aquilo que se prega não necessariamente é aquilo que acontece na realidade vigente, a descentralização de poderes e a autonomia dos Estados-Membros muitas vezes é esquecida, fazendo com que o federalismo seja vítima de crise devido às más delimitações de fronteiras de soberania.

É evidente que deva existir o Estado Federal como sujeito de direito na ordem internacional, dotados de personalidade jurídica e responsáveis pela manutenção da ordem geral, mas não pode deixar de levar em consideração que a essência dessa forma de Estado é descentralizadora e cada Estado-Membro, cada cidadão componente da comunidade estatal, deverá ter o seu espaço de participação e autonomia garantido pelo sistema. Como evidencia Rousseau, a soberania popular coloca cada cidadão como criador da vontade geral, órgão que exerce o poder soberano.

Quando o federalismo abandona a descentralização e o equilíbrio entre poderes e começa a funcionar como instrumento que garanta autonomias, é perdida a sua essência e ele serve tão somente como estratégia para centralização do poder, garantia da soberania de uma minoria e usurpação da vontade geral, que é a verdadeira vontade do povo.

5. Crise do federalismo

Hoje o federalismo brasileiro pode ser considerado frágil e instável pelos problemas já citados acima; tanto pela sua formação histórica mal planejada (desde o seu nascimento já se deu com problemas sócio-econômicos devido à má administração real), quanto pelas disputas internas pela soberania, enfraquecendo a todos de maneira geral. Como consequência dessas tensões serão enumerados abaixo vários agravantes que contribuem para a sua crise.

Há uma constante dicotomia entre autonomia e a centralização dos Estados Federados. Surgindo novamente a questão da soberania no que diz respeito dos extremos da autonomia (característica essencial da confederação) e centralização (típico do Estado Unitário) devendo-se assim encontrar um ponto central que permita o equilíbrio entre esses poderes.

Pode-se afirmar que hoje o Brasil é palco de uma “guerra fiscal” decorrente das disputas entre os Estados da federação para receberem incentivos fiscais e se desenvolverem economicamente. Os benefícios que são concedidos a esses Estados têm como critério principal as empresas que produzem serviços ou mercadorias que se enquadram devidamente no ICMS. Além do ICMS, existe o IPVA que fica sob a responsabilidade dos Estados e o ISS e IPTU que ficam sob encargo dos municípios. O federalismo aqui existente muita das vezes torna-se predatório, pois os estados brigam por esses incentivos sem se importarem com os prejuízos dos demais entes estaduais.

As empresas que tiverem interesse em investir em determinado Estado receberão benefícios fiscais, de infra-estrutura e financeiros deste. Como já foi dito anteriormente, foi na Constituição Federal 1988 que os Estados ganharam mais autonomia e receberam a permissão para elaborar suas respectivas constituições estaduais e seus sistemas tributários. Assim, os Estados poderiam renunciar parcial ou totalmente ao seu ICMS¹ e financiar investimentos para saírem da condição de subdesenvolvidos.

¹ICMS é a sigla que identifica o Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação. É um imposto que cada um dos Estados e o Distrito Federal podem instituir como determina a Constituição Federal de 1988.

Nessa busca desenfreada pelo crescimento econômico, geram-se prejuízos tanto para a União quanto para os Estados mais “debilitados”.

As regiões por assim dizer, mais debilitadas, são notoriamente a região norte e nordeste. Entretanto, mesmo seus representantes governamentais estando dispostos a incentivar a vinda de empresas que impulsionem um crescimento econômico, sua própria estrutura interna não é capaz de absorver os mesmos incentivos em sua totalidade, devido a mão de obra desqualificada e despreparada para atuar no mercado de trabalho.

Muitas normas apesar de estarem presentes no ordenamento jurídico acontecem na prática de maneira irregular. Um exemplo disso é o que aconteceu no acontecem na prática de maneira irregular. Um exemplo disso é o que aconteceu no Espírito Santo, onde o ICMS o beneficiou de forma irregular ao constituir o Fundap (Fundo de Apoio às Atividades Portuárias). Esse órgão apoiava os incentivos às importações financiando por vinte anos as mercadorias que fossem importadas pelo Porto de Vitória. Além de prejudicar os demais Estados, essas formas de incentivo muitas vezes prejudica o próprio cidadão que habita nesse Estado, que tem seus produtos com impostos ampliados e suas vagas de emprego tomadas pelo mercado externo.

Os estímulos ao desenvolvimento econômico e industrial das regiões devem sim ocorrer, mas cabe ao governo central estabelecê-los. Quando os Estados-Membros resolvem aplicar por si só os seus incentivos fiscais terminam enfraquecendo tanto o ordenamento jurídico quanto a concepção essencial do que seria o federalismo. Essa disputa desregrada entre os Estados contraria o próprio significado da palavra federalismo em latim, foedos, que significa amigos. E se a ideia central desse sistema é justamente o equilíbrio entre os Estados e o equilíbrio desses Estados com o governo central, essas disputas negam a sua natureza.

Essa guerra fiscal contraria a Lei complementar número 24 de 1975, que subordina a ação de incentivo fiscal ao CONFAZ. A responsabilidade do CONFAZ - Conselho Nacional de Política Fazendária - é promover a celebração de convênios, para efeito de concessão ou revogação de isenções, incentivos e benefícios fiscais do imposto. O Conselho é constituído por representante de cada Estado e Distrito Federal e um representante do Governo Federal. Já tendo sido comprovado que seus efeitos positivos são temporários e que os negativos somente tem a função de agravar as desigualdades entre os Estados membros da federação, além de que toda a ideologia pregada pelo federalismo é duramente soterrada. Para Ricardo Varsano, Coordenador Geral dos Estudos Setoriais da Diretoria de Pesquisa do IPEA, essa política de incentivos somente é válida quando beneficia a população como um todo, e visivelmente não é o que está acontecendo atualmente no Brasil.

6. Conclusão

Adriano Moreira apresentando os temas da cidadania trata a questão do poder como sendo objeto de debates acalorados sobre os mais diversos assuntos presentes na comunidade política. A cidadania já era motivo de orgulho para os filósofos da Grécia como Heródoto e Tucídides, estando a mesma intrinsecamente ligada à noção de poder e, portanto ao próprio federalismo.

A cidadania assim seria a noção que limitaria a esfera de coação dos poderes-tanto da União quanto dos seus Estados-Membros- possibilitando aos homens uma esfera reservada de autonomia da qual poderiam participar ativamente. O federalismo mais que uma forma de governar, e, portanto, de exercer o poder, deverá funcionar como uma garantia de que o principal direito dos homens seja assegurado. Garantia de que a cidadania será resguardada de todos os males que a detenção do poder político é capaz de provocar.

mmmalencar
Enviado por mmmalencar em 20/02/2013
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