O Big Brother e o leilão do Campo de Libra: o petróleo é mesmo nosso?

A geração de meus avós, após as memoráveis jornadas da campanha “O petróleo é nosso!”, definiram o petróleo como um bem estratégico e criaram uma empresa estatal para explorar esse bem de modo soberano. A geração de meus pais e a minha cresceram com essa realidade e se acostumaram a ver a Petrobrás como um ícone da capacidade e da soberania nacional. Mas a realidade é extremamente dinâmica e as mudanças comerciais e geopolíticas lançaram sobre a geração dos meus filhos desafios impensáveis para a dos meus avós quando criaram a Petrobrás.

Apesar de memorável para a afirmação do povo brasileiro, a criação da Petrobrás não significou muito para o mercado internacional do petróleo. A nova nanica não chegava a incomodar as gigantes americanas, inglesas e francesas, dado a produção nacional ser insignificante. Só que com a passagem do tempo a energia e criatividade da companhia, aliadas às descobertas que mostraram um Brasil de subsolo muito mais rico em petróleo do que imaginava o mais otimista dos especialistas no assunto, mostraram que o mundo do óleo preto havia subestimado o potencial brasileiro. E, usando a máxima “antes tarde que nunca”, os ianques perceberam o engano e iniciaram uma ofensiva para recuperar o terreno perdido.

Já durante o Governo FHC, na década final do século XX e nos anos iniciais deste século, houve uma regulamentação bastante amiga dos mercados internacionais, com a quebra do monopólio na exploração e a instituição de um regime de concessão através de leilões. Inúmeras bacias foram leiloadas sob esse novo regime, que garante à exploradora a “compra” do direito de retirada do petróleo com o pagamento de um valor de concessão mais de Royalties sobre o montante efetivamente explorado. No início de seu governo, Lula questionou esse modelo, suspendeu os leilões e ficou de buscar um novo modelo menos nocivo aos interesses do país. Mas a questão não avanço muito e tudo ficou meio que na intenção. Mas a descoberta do Pré-sal trouxe novamente o assunto à baila e os olhos do mundo cresceram ainda mais sobre o Brasil e as pressões dos lobby’s intensificaram-se, inclusive na mídia, pela necessidade de retomada dos leilões.

O escândalo recente de espionagem de autoridades brasileira e da própria Petrobrás pelos órgãos de inteligência dos Estados Unidos, denunciados do exílio por um antigo agente da NSA, Edward Snowden, mostram a exata dimensão que o mundo dá ao upgrade brasileiro em matéria de petróleo. O repúdio do governo Dilma foi imediato e, na reunião do G-20 em Moscou, a própria mandatária reuniu-se com o presidente americano, Barack Obama, para exigir desculpas formais. Mas tudo não parece mais que jogo de cena, uma vez que a administração federal , que já havia cedido na retomada dos leilões naqueles mesmos formatos da Era FHC, apenas com a diferença de uma regulamentação da destinação dos royalties, mantém o leilão do campo de Libra, na bacia do Rio de janeiro.

O recuo do governo se dá sob o argumento de que a exploração dos poços do pré-sal é muito onerosa e está além da capacidade de investimento da Petrobrás. Vem então a impertinente pergunta: petróleo é perecível? Lógico que não. Se não é possível extraí-lo com os recursos da petrolífera criada para garantir nossa soberania sobre esse bem estratégico e o óleo não vai apodrecer no pré-sal, para que a pressa? De novo o argumento é de que o dinheiro dos royalties é necessário para sanar problemas urgentes nas áreas de saúde e educação, para onde serão destinados e que, portanto, não se pode esperar que a Petrobrás tenha capacidade de investimento para só então começar a se apropriar dessa riqueza.

Também penso que os problemas da educação e da saúde são urgentes e que precisam de uma fonte de investimentos segura para que se possa encará-los de frente. Entretanto, parece caber aqui o alerta da sabedoria popular de que “apressado come cru”, uma vez que, mais que desconsiderar a relação custo-benefício, o leilão da campo de Libra, a pretexto de apressar a extração para viabilizar recursos para a saúde e educação, retoma práticas condenáveis do governo FHC, que fragilizaram a soberania do país na área de petróleo e privatizaram reservas estratégicas. E isto não significa nada senão ceder aos interesses dos grandes grupos petrolíferos, ainda que por caminhos e motivos pretensamente justificáveis.

Como petróleo não apodrece e tende a se tornar cada vez mais um bem estratégico e de valor crescente frente à sua contínua e progressiva escassez, é melhor deixá-lo guardado até podermos extraí-lo que entregá-lo a quem pode arrancá-lo da terra por um centésimo do valor real.

Libra é nosso! O petróleo é nosso!