A mídia, a opinião pública e o julgador

A rusga entre os Ministros Marco Aurélio Mello e Luís Fernando Barroso, por ocasião da discussão sobre aceitação ou não dos Embargos Infringentes no julgamento dos réus do chamado “Mensalão”, suscita um debate sobre o que vem a ser “opinião pública”. Na defesa de seu voto de negação dos embargos, quando interpelado pelo Ministro Barroso que afirmava ser indiferente ao que vai sair nos jornais do dia seguinte e atento ao que diz a Constituição, o Ministro Marco Aurélio fala de respeito à opinião pública e de respeito ao que exigem seus semelhantes.

Na fala dos ministros nota-se claramente que ambos concordam na coincidência entre opinião pública e opinião da mídia – dos jornais, como a resume Barroso. Entretanto, divergem frontalmente quanto à representatividade real dessa “opinião pública”. Para Marco Aurélio, ela representa a maioria da sociedade, sendo o espelho do que pensa o brasileiro; para Barroso, muito em contrário, representa a reivindicação apenas de uma parcela da população, sendo um corte, e não a síntese daquilo que pensa o brasileiro.

Mais que o mérito da questão, que é o debate sobre o quanto as pressões populares devem ou não influenciar o trabalho do julgador, as posições dos ministros trazem duas visões do que vem a ser “opinião pública” e de como ela se relaciona com a mídia. Nas entrelinhas não é difícil ler que para Marco Aurélio a imprensa apenas repercute aquilo que pensa o povo, de modo isento, e que o seu brado deve ser ouvido pelo julgador e nortear suas decisões ; já Barroso diz que os “jornais” expressam pressões de grupos e que, tecnicamente, o julgador deve estar imune a esses lobbys .

Por estar ocorrendo na maior corte do país, o fato ganha súbita importância, ainda mais por que grande parte da mídia trata o assunto de modo maniqueísta, como uma batalha entre os paladinos do bem que querem por os vilões do “mensalão” na cadeia e as forças do mau que buscam a todo o custo livrá-los das grades e perpetuar a impunidade no país. Mas a coisa é mais grave que parece. Também nos tribunais de instâncias inferiores, a pressão da mídia parece decisiva quando os casos se tornam emblemáticos. Não tenho dados exatos, porque isto demandaria uma pesquisa completa de todas as condenações acontecidas nos tribunais onde tramitam os casos midiáticos, mas a impressão que fica é que nos casos de maior repercussão as penas aplicadas sempre são mais duras que em casos similares e sem a mesma repercussão.

Entramos então na discussão central a que nos propomos. Até onde a mídia representa a “opinião pública” realmente e até onde é esta segunda a que representa a primeira? Difícil responder conclusivamente a esta questão. Todavia, devido ao alcance e penetração da mídia e considerando-se o seu poder de “pautar o debate”, repercutindo determinados temas e ostracizando outros, sempre a partir de determinado ponto de vista editorial, é quase jocoso considerá-la neutra e inerte. A repetição constante de um tema e a sua popularização a partir de um determinado ângulo forma um juízo de valor sobre o assunto. E esse juízo de valor dissemina-se sobre um recorte tanto maior quanto for o alcance da mídia de onde parte. É a essa convicção de uma parte da sociedade de que os mensaleiros são culpados e de que devem ser punidos, sob pena de aumentar a sensação de impunidade, que o Ministro Marco Aurélio chamou “opinião pública”. Não se sentiu no direito de contrariar essa convicção. Achou por bem contrariar a coerência e o ordenamento jurídico brasileiro que utilizou os Embargos Infringentes em outros casos que por ali tramitaram para garantir o duplo grau de defesa.

Ao se curvar aos ditames da “opinião pública”, como alertou-o Barroso, Marco Aurélio, de boa ou má fé não se pode precisar, incorreu ao menos no erro de absolutizar um elemento tomado por universal, quando na verdade esse elemento é relativo por ser parcial. A dita convicção da “opinião pública” de que os mensaleiros são culpados e precisam apodrecer atrás das grades não é ponto pacífico na sociedade e, o que é mais grave, pode ser apenas reflexo da repercussão de determinado ângulo editorial daquilo que Barroso chamou de “jornais”.

Conclusivamente, fica cada vez mais patente o enfoque político e não jurídico que alguns juízes dão ao julgamento do mensalão. Transparece que é menos importante e fazer justiça que fazer prevalecer uma posição de determinado grupo político sobre outro. E, Como disse Françoise Guizot, “quando a política entra por uma porta do tribunal, a justiça sai pela outra”.