A antropologia de Marx: a práxis no interior da luta de classes

Quando Marx analisa o ser humano como sendo um ser social ele desenvolve uma nova antropologia, segundo a qual não existe “natureza humana”, que é idêntica em todo o tempo e lugar. Isso porque o existir é produto direto do agir, a pessoa se autoproduz na medida em que transforma a natureza pelo trabalho. Como o trabalho é uma ação coletiva, a condição humana vai depender da sua existência social. Mas o trabalho é também um projeto que vai depender da consciência que antecipa a ação pelo pensamento. Com isso se estabelece à dialética pensar-agir, onde a cão humana é a transformadora da realidade, a isso Marx chama de práxis. A práxis, no entanto, não é só a prática, mas é a união dialética da teoria e da prática. Isto é, ao mesmo tempo em que a consciência é determinada pelo modo como é produzida a existência, também a ação das pessoas é projetada, refletida, consciente.

As relações fundamentais de todas as sociedades humanas são as relações de produção, que revelam a maneira pela qual, a partir das condições naturais, os seres humanos usam as técnicas e se organizam por meio da divisão do trabalho social. Essas relações correspondem a um certo estágio das forças produtivas, que é o conjunto formado pelo clima, água, solo, matérias primas, mão de obra e instrumentos de trabalho. Por exemplo, quando os instrumentos de pedra são substituídos pelos de metal, estamos diante de alterações das forças produtivas que vão provocar mudanças nas formas pelas quais as pessoas se relacionam.

Para lembrar o modo de produção é a maneira pela qual as forças produtivas se organizam em determinadas relações de produção num dado momento histórico.

Por exemplo, no capitalismo as forças produtivas podem ser representadas pelas máquinas do sistema fabril, elas determinam as relações de produção caracterizadas pelo dono do capital e pelo trabalhador assalariado. Mas essas forças produtivas só podem se desenvolver até certo ponto, porque quando atingem um estado muito avançado, entram em contradição com as antigas relações de produção, por terem se tornado inadequadas. É como se as máquinas, num determinado setor evoluíssem tanto que dispensassem a necessidade de mão de obra humana, isso vai gerar, obviamente divergências nas relações de produção, ou seja, entre o dono do capital, os trabalhadores e os meios pelos quais se faz o trabalho. Essas divergências vão, por sua vez, gerar a necessidade de nova divisão se trabalho.

Nas sociedades primitivas, os seres humanos se uniam para enfrentar os desafios da natureza. Os meios de produção, ás áreas de caça, assim como os produtos, pertencem a todos, isto é, são propriedade comum. A base econômica determina certa maneira de pensar em que não há sentimento de posso, pois tudo é de todos.

O modo de produção patriarcal surge com a domesticação de animais e o desenvolvimento da agricultura por meio de instrumentos de metais e da fabricação de vasilhas de barro que permite fazer reservas. Essas modificações das forças produtivas geram uma nova relação de produção e modo de produção, aparece uma forma específica de propriedade (propriedade familiar, num sentido muito amplo); se diferenciam funções de classe (autoridade do patriarca); muda o direito hereditário, ao se substituir a filiação materna pela paterna.

O modo de produção escravista decorre do aumento da produção além do necessário para a subsistência, o que exige o recurso de novas forças de trabalho, conseguidas geralmente entre prisioneiros de guerra, transformados em escravos. Com isso surge à propriedade privada dos meios de produção, e a contradição entre senhores e escravos, como exemplo da primeira forma de exploração humana. Há a separação entre trabalho intelectual e trabalho manual. A ociosidade é um mérito para os indivíduos livres, enquanto o trabalho manual, feito por escravos é desprezado. É importante observar que o modo de produção escravista existe desde a Antiguidade mais remota, mas generalizou-se na Antiguidade grega e romana. A luta dos povos bárbaros, no período final do Império Romano, não é senão a luta contra a escravidão a eles imposta pelos romanos. A contradição instaurada pelo regime escravista exige que, para restaurar a economia, que entrara em crise, haja novas relações de produção na Idade Média.

No modo de produção feudal, a base econômica é a propriedade privada dos meios de produção pelo senhor feudal. O povo trabalha um tempo para si, um tempo para o senhor feudal, o qual além de se apropriar de parte da produção daquele, ainda lhe cobra impostos pelo uso comum do moinho, do lagar etc. Há aí todo o campo para uma nova contradição que interporá os interesses de suas classes, os conflitos resultantes farão surgir uma nova figura que é a do burguês, habitante dos burgos, ou arrebaldes das cidades. Os burgueses surgem não dos trabalhadores da terra, mas entre os que se dedicam ao artesanato e ao comércio, e que conseguem, aos poucos, a liberdade pessoal e das cidades. Essa burguesia vai desenvolver novas formas produtivas que em determinado momento exigirão novas relações de produção.

O modo de produção capitalista é a nova síntese que sai do sistema feudal, ou seja, da contradição entre a tese (senhor feudal) e sua antítese (servo). O movimento dialético, como demonstrado, tem então um motor que é a luta de classes. É o confronto entre duas classes antagônicas que vão lutar, cada qual, por seus interesses de classe. No capitalismo, a relação antitética se faz entre o burguês, que é o detentor do capital, e o trabalhador, que nada possui e que tem que vender a sua força de trabalho para subsistir.

Então a antroplogia de Marx não é a de um ser no centro de tudo, ‘o homem como medida de todas as coisas’, mas sim, as coisas como medida dos homens, de sua forma de sobrevivência. O homem não está no centro, mas é marginalizado pelos processos materiais que o determinam, no entanto, a práxis vem nos mostrar que não só somos determinados como determinantes quando lutamos para superar as condições que nos determinam.

Por isso Marx diz que a classe burguesa é a classe mais revolucionária da história. O burguês vai romper com as amarras do feudalismo e vai exigir o reconhecimento dos seus direitos enquanto classe e, junto com isso, trará uma nova transformação nos modos de produção e nas relações de produção.

No entanto, podemos pensar que se os burgueses foram oriundos daqueles que se dedicavam ao artesanato, ao comércio, portanto tinham alguma instrução, ainda que das mais rudimentares, em relação aqueles trabalhadores da terra, então, concluímos que, para superar um estágio desfavorável aos interesses de classe, é preciso uma certa união, que só pode se dar pela instrução que faz enxergar a vantagem comum de uma atuação conjunta transitória.

Mas não é assim, pois então as sociedades primitivas não se teriam desenvolvido. Resta entender que nessa nova concepção colocada por Marx de o individuo ser um ser produzido a partir de seu meio material, ser, portanto, um ser social, não há o fato de um determinismo cego que favorece a uns e desfavorece a outros. Tudo isso porque a ação humana pode transformar a realidade por que ela pode ser projetada, refletida e consciente. Mas isso não é fácil visto que os que detêm o poder procuram não apenas segregar, mas mistificar o povo no sentido de que eles são não apenas inúteis, mas incapazes em seus esforços de se emancipar dos seus meios materiais de vida. É como o rato preso na bola, ele gira constantemente tentando sair, mas ele não sai, e se não girar tampouco terá esperança de sair.

A práxis, nos dias de hoje, se tornou algo impopular. O determinismo começa não apenas na infra-estrutura, como vimos no ensaio A dialética e o materialismo histórico em Marx, mas é ratificado pela superestrutura que o sustenta e reproduz, em forma de propagandas e ideologias alienantes na mídia e da falta de compromisso geral das pessoas em emancipar-se, em enxergar-se como sujeitos da história que elas mesmas podem escrever ou reescrever.

Thais Paloma
Enviado por Thais Paloma em 29/04/2014
Reeditado em 07/07/2019
Código do texto: T4787870
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