Marx e o materialismo histórico

“Não é a consciência dos homens que determina o seu ser social, mas, ao contrário, é o seu ser social que determina a sua consciência.”

Karl Marx

Por meio da afirmação acima vemos que, para Marx, o individuo é o ser social. Seu pensamento e reflexão sobre os aspectos históricos e socais da humanidade fizeram com que ele se tornasse um dos pensadores de maior influência sobre a filosofia contemporânea. Por que Marx procura apreender a totalidade humana em suas bases mais representativas, a saber: a histórica, política e social. Ele consegue captar o sentido mesmo, e a própria gênese da cultura, da subjetividade e das ações humanas.

Marx vinha de uma família judia, rica e culta. Nos tempos de sua Universidade se interessava muito pelo estudo do direito, filosofia e história. Formado em filosofia no círculo do idealismo alemão, possuía uma vasta cultura e se destacava, desde muito jovem, pela profundidade de suas reflexões. A principio, Marx tentou seguir uma carreira universitária como professor, mas não conseguiu devido a questões políticas, que acabaram em perseguições contra os pensadores da então chamada esquerda hegeliana (corrente filosófica que marcou muitos pensadores alemães entre 1830 e 1840. Seus seguidores defendiam aspectos da filosofia de Hegel, como a dialética, da qual tratarei em ensaio posterior, e rejeitavam outros, como a unidade da religião e da filosofia.)

Marx passa a trabalhar, então, em diversos jornais e se afasta, por um pouco de tempo, da filosofia idealista. Em uma série de escritos, entre 1843 e 1848, Marx realiza uma crítica contundente á filosofia de Hegel, bem como dos chamados jovens hegelianos, elaborando, assim, as bases de seu próprio pensamento.

Tomando conhecimento dos escritos socialistas de sua época, se envolve com a causa socialista, desenvolvendo uma atividade teórica de análise da realidade social, que culminou na elaboração dos fundamentos do socialismo científico, e uma atividade prática de participação da organização dos movimentos dos trabalhadores. Por conta dessas atividades, viveu, juntamente com sua família, longos períodos de exílio e de grandes dificuldades financeiras.

A crítica que Marx fazia ao idealismo hegeliano consiste no fato de que, para ele, Hegel inverte a relação do determinante – a realidade material – e o determinado – as representações e conceitos a cerca dessa realidade. Assim, a filosofia idealista seria um a grande mistificação que pretende entender o mundo real como manifestação de uma Razão absoluta. Marx procurará, portanto, compreender a história real dos homens em sociedade a partir das condições materiais em que eles mesmos vivem. Parte, assim, da realidade social por ele observada: de um lado o avanço técnico, o aumento do poder humano sobre a natureza, o enriquecimento e o progresso; de outro, e contraditoriamente, a escravização crescente da classe operária, cada vez mais pobre. Ele vê então, depois de muitas observações e reflexões, que a realidade das pessoas está atrelada as suas condições sociais dadas por relações determinadas por um modo de produção. Essa visão de história foi chamada posteriormente, por seu companheiro de estudos Friedrich Engels, de materialismo histórico.

Essa visão do materialismo histórico, como pensado por Marx, quer dizer que os homens não podem ser pensados de forma abstrata, como na filosofia de Hegel, nem de forma isolada, como na filosofia de Feuerbach, Proudhon, kierkegaard, Schopenhauer e outros. Para Marx todos os indivíduos são formados no interior das relações sociais. ‘Aquilo que somos é dado pelo conjunto de todas as relações sociais’¹. Isso significa que, a forma como agimos, sentimos e pensamos, está ligada com a forma como se dão as relações sociais. Essas relações sociais, por seu lado, são determinadas pela forma de produção da vida material, ou seja, pela maneira como trabalhamos e produzimos os meios necessários para a sustentação material da sociedade. Em seu livro, Ideologia Alemã, Marx desenvolve essa reflexão dizendo: “O modo pelo qual os homens produzem os seus meios de vida depende inicialmente da constituição mesma dos meios de vida encontrados aí e a ser produzidos. Este modo de produção não deve ser considerado só segundo o aspecto de ser a reprodução da existência física dos indivíduos. Ela já é uma maneira determinada de atividade desses indivíduos, uma maneira determinada de manifestar em sua vida, um modo de vida determinado. Os indivíduos são assim como manifestam a sua vida. O que eles são coincide, portanto, com a sua produção, tanto com o que produzem quanto também com o como produzem. Portanto, o que os indivíduos são depende das condições materiais de sua produção.”

Esse é um ponto fundamental da filosofia de Marx. Quando ele fala da produção material da vida, ele não se refere apenas as inúmeras coisas das quais precisamos para sobreviver. Ele está considerando também o fato de que, ao produzirem todas essas coisas, os homens constroem a si mesmos como indivíduos. Isso é assim porque, segundo ele, ‘o modo de produção da vida material condiciona o processo geral da vida social, política e espiritual’².

Marx reconhece o trabalho como atividade fundamental do ser humano, e analisa os fatores que o tornaram uma atividade massacrante e alienada no capitalismo. Essa demonstração se desenvolve em vários textos seus, mas de forma mais rigorosa em O capital, livro em que expõe a lógica do modo de produção capitalista, onde a força de trabalho é transformada em uma mercadoria com dupla face: por um lado é uma mercadoria como qualquer outra, pois o capitalista paga um salário por ela; por outro lado, é a única mercadoria que produz valor, ou seja, que reproduz o capital.

O desenvolvimento histórico-social também é entendido por Marx como decorrente das transformações ocorridas nos modos de produção ao longo do tempo em diferentes sociedades. Para essa análise ele se vale da dialética que, diferente da concepção dialética de Hegel, vai levar não a uma legitimação da realidade existente mas, antes, a possibilidade de negação de uma dada realidade porque apreende o fluxo transitório das coisas no interior das relações estabelecidas. Com isso, ele quer assimilar a história em seu movimento, em que cada etapa longe de ser algo estático e definitivo, é vista como algo transitório, e passível de ser transformado pela ação das pessoas.

De acordo com Marx, as grandes transformações históricas se deram primeiramente no campo da economia, causadas por contradições geradas no interior do próprio modo de produção. Diferentemente de Hegel, para quem a história guia a si mesma por meio de uma Razão ou um Espírito, para Marx ela é feita pelas pessoas, que interferem no processo histórico e podem, dessa forma, transformar a realidade social, sobretudo se alterarem o seu modo de produção.

Vale lembrar que o modo de produção é a maneira como se organiza a produção material em um determinado estágio de desenvolvimento social. Essa maneira vai depender sempre da existência e do grau de desenvolvimento das forças produtivas (a força de trabalho humano e os meios de produção, como máquinas, ferramentas etc.) e das formas das relações de produção.

A definição desses modos de produção é um aspecto bastante complexo e intrincado na obra de Marx, mas no seu livro 'Ideologia alemã' temos a exposição dos seguintes modos de produção dominantes em cada época: o comunismo primitivo, o escravismo na Antiguidade, o feudalismo na Idade Média e o capitalismo na Idade Moderna.

A passagem de um desses modos de produção para outro se dá quando o nível de desenvolvimento das forças produtivas entra em contradição com as relações sociais de produção, o que ocasiona um sufocamento da produção em função da inadequação das relações nas quais ela se dá. É nesses momentos que surge a possibilidade objetiva de transformação desses modos de produção. Cabe á classe social que possui um caráter revolucionário naquele momento intervir através de ações concretas, práticas, para que essas transformações ocorram.

Marx afirma que a primeira classe realmente revolucionária foi a burguesia, e ele dá o exemplo da passagem do feudalismo ao capitalismo que se deu através não de forças camponesas que se reuniram para derrubar um sistema que os oprimia e empobrecia, mas por meio dos grandes senhores feudais que se “organizaram” para trazer um novo modo de produção. Assim, a luta de classes é o motor da história, porque faz com que a história se mova. No seu livro 'Manifesto Comunista' de 1848, escrito em parceria com Engels, Marx afirma:

“A história de todas as sociedades que existiram até os nossos dias tem sido a história das lutas de classes.

Homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor e servo, mestre de corporação e aprendiz; numa palavra, opressores e oprimidos, em constante oposição, têm vivido uma guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarçada; uma guerra que terminou sempre ou por uma transformação revolucionária da sociedade inteira, ou pela destruição das duas classes em luta”.

De acordo com Marx, o capitalismo também criou uma classe revolucionária que, em virtude de suas condições de existência, deve se organizar para, no momento oportuno, fazer a revolução social rumo ao socialismo. Essa classe revolucionária são os trabalhadores, ou proletariado.

Do meu ponto de vista, é importante procurarmos compreender a filosofia e a análise de Marx da realidade porque ele é um dos poucos pensadores que vai pensar a sociedade humana no seu contexto geral, e não em particularidades como cultura, religião, educação etc. Quando ele procura pensar de uma forma global, e não unilateral como fizeram muitos outros filósofos, ele apreende o ritmo e a essência mesmo de todos os acontecimentos históricos, sociais, políticos e econômicos. Em suas análises da existência humana nas diferentes sociedades nós conseguimos como que vislumbrar as condições das superações humanas e históricas, dado que a história é feita por nós (mas, paradoxalmente, nem sempre para nós), por nossos atos, todos os dias.

Se utilizarmos o método dialético de Marx, ou seja, procurando apreender o movimento e os fluxos das sociedades em sua gênese e degeneração veremos que sempre, nos conflitos, há os que estão a seu favor, os que estão contra, e os que permanecem “neutros” por assim dizer. Enxergarmos nossa realidade histórica, social, econômica e política por essa dialética fará com que assimilemos não apenas a dinâmica do conflito em sua gênese, evolução e degeneração mas, também, todos os atores envolvidos, bem como a possibilidade de intervenção e transformação desses mesmos atores.

Faz mais de 150 anos que temos as obras de Marx a nossa disposição. No entanto, grande parte de seu pensamento ainda não foi completamente compreendida sendo, até o presente, objeto de muitos estudos e discussões.

Nesse tempo todo em que temos conhecimento dos trabalhos de Marx, muitos os utilizaram para promover uma espécie de revisão das teorias de Marx a luz de suas próprias concepções do contexto histórico e de suas evoluções.

O que se depreende disso é uma dificuldade ainda maior de entendermos, em sua totalidade, as reais teorias de Marx.

Partidos políticos, movimentos socais organizados, pensadores e intelectuais, muitas vezes utilizam partes dos trabalhos de Marx para desenvolverem suas próprias teorias de como a sociedade deve ser organizada e no que isso resultará. Assim, muitos vêem os trabalhos de Marx como um atentado a ordem e ao progresso, uma espécie de anarquia; fertilizante de mentes esquerdistas malucas e psicóticas ou ainda, como uma forma intelectualizada e sem maiores implicações de se entender o processo histórico-social em seus desdobramentos.

Seja como for, será inteligente de nossa parte procurar conhecer esse método analítico e prático estabelecido por Marx e tentar aplicá-lo na nossa realidade, no entendimento e resolução de problemas, na fundamentação de nossas práticas enquanto cidadãos e participantes da organização social.

Antes, porém, de acharmos que isso não tem nada que ver conosco, com o nosso dia a dia, ou pior que isto, achar que não temos nada a ver com o que acontece e vemos a nossa volta, deve-se recorrer a tentativa, ao menos, de se entender como um ser social, um agente que pode transformar, junto com outros agentes tudo isso que está aí.

Vale, por fim, a máxima: CONHECER PARA ENTENDER PARA TRANSFORMAR.

¹ Marx, Karl. Teses sobre Feuerbach.

² Marx, Karl. Para a crítica da economia política (Prefácio).

Thais Paloma
Enviado por Thais Paloma em 29/04/2014
Reeditado em 07/07/2019
Código do texto: T4787892
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