Crônicas que completarão quatro anos em maio de 2018 (Parte 2)

Ao apagar das luzes do governo do General Figueiredo a dupla Tancredo-Sarney bateu Maluf no Colégio Eleitoral. Tancredo – ironia do destino – morreu antes da posse, portanto, constitucionalmente não existia vice. Cabia a Ulisses assumir a presidência e convocar novas eleições, agora diretas, como enormes multidões tinham ido às ruas exigir. Mas o medo venceu a esperança. Ulisses preferiu ‘bancar’ Sarney a quem ele pensava poder ‘levar pela coleira’, pois ele o ‘fizera’ presidente fraco, governando com um ministério escolhido pelo presidente morto na véspera. Sarney veste a faixa presidencial em março de 1985. Já se falava em constituinte e numa nova Constituição – a menina dos olhos de Ulisses – a bordo da qual ele achava que iria surfar na sucessão de Sarney. O governo ia de mal a pior, com a inflação fora de controle e os preços sendo remarcados diariamente. Meio mundo da política ficou devendo a Sarney por um evento inusitado e que tomou uma proporção gigantesca. Congelamento de preços, caça aos especuladores. Os fiscais do Sarney se transformaram em uma legião que aumentava a cada dia. Sarney viveu os momentos mais gloriosos de uma popularidade inédita, extraordinária. Mas como nenhuma medida corretiva fora efetivamente tomada, o clima de empolgação – o ‘agora vai, tem que dar certo’ – já dava sinais de esgotamento e, portanto, era preciso mantê-lo artificialmente até as eleições. Esse fenômeno, que ficou conhecido por estelionato eleitoral, garantiu a eleição de uma porção de gente. Sarney ainda levou de lambuja mais um ano de mandato, promulgou a nova Constituição, em 1988, deu a posse a Collor em março de 1990 e tratou de mudar seu domicílio eleitoral para o Amapá para se eleger senador e preservar suas imunidades. Assim, aos trancos e barrancos, consumou-se a transição para a democracia.

O Brasil vive hoje a plenitude do Estado democrático de direito. Situação e oposição disputam nas urnas o voto popular; quem tiver mais votos leva. Não há nenhum general de plantão para cassar mandatos e preencher a vaga com biônicos.

Num rápido exercício futurológico – a menos que sobrevenha um cataclismo político – é bem provável que o PSDB reeleja Geraldo Alckmin para o governo do Estado de São Paulo, onde o partido está consolidado há exatos vinte anos desde a eleição de Mário Covas. E o PT, muito provavelmente também, deverá reeleger Dilma por mais quatro anos.

Então ficamos assim, o PT é uma espécie de PSDB com viés social democrata, coisa que no PSDB é seminal na própria sigla, embora saibamos que sigla partidária é mera figura retórica. Ambos não podem prescindir de alianças, digamos, mais à direita, para assegurarem governabilidade e efetivarem suas políticas de governo. Lembremos que a Constituição de 88 foi imaginada para servir ao parlamentarismo e não ao presidencialismo. É bom que se diga que estar no governo – ser governo – não é o mesmo que estar no poder – ser poder. Isso porque vivemos a hegemonia do sistema capitalista – ou da civilização capitalista, como prefere o professor Fábio Konder Comparato – logo, quem manda mesmo é o poder econômico.

Para se revezarem nos governos, PT e PSDB têm que buscar incessantemente o aperfeiçoamento das instituições democráticas e cuidar para que determinadas conquistas não sejam pulverizadas ou mitigadas. Refiro-me, no plano nacional, à rede de proteção social inaugurada por FHC e mantida e mesmo ampliada por Lula e Dilma, a que genericamente chamam de bolsa. Os resultados são animadores. Segundo dados do PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento edição 2013, o Brasil reduziu a situação de pobreza (pessoas que vivem com até 1,25 dólares/dia) que representava 17,2% da população, para 6,1% e boa parte desse êxito ocorreu já no governo Lula com a agenda de combate à fome. Mas sem os pressupostos macroeconômicos herdados de FHC isso dificilmente teria acontecido. Agora, como o estado de bem estar social ruiu na Europa e está-se degradando nos Estados Unidos, o Brasil começa a ser visto como exemplo de soluções inovadoras. Observadores, tanto de países europeus como dos Estados Unidos, têm sido mandados para cá para “aprender como fazer”. Ainda no plano federal, a política externa independente precisa ser preservada, bem como a manutenção do nível de emprego e o aumento do poder de compra do salário mínimo. São políticas públicas que o governo federal empreende no atacado e que vão repercutir no varejo em estados e municípios. O sistema financeiro carece de correções e as reformas fiscal e política são urgentes, mas é possível que coisas como financiamento público de campanha, voto em lista partidária e outros só sejam alcançados por alguma forma de consulta popular, plebiscito ou referendo.

No âmbito dos estados da federação há inúmeras questões prementes de gestão de políticas públicas, principalmente na área da segurança, mas também na estrutura fundiária tanto rural como urbana.

Com os municípios, saúde, educação, habitação, mobilidade urbana, trânsito... Lembra-me Darcy Ribeiro que costumava sempre repetir “todo um país por fazer e refazer”.

(sujeito a continuar, se houver quorum e ninguém pedir vistas no processo)