Nova Guerra Fria?

A Guerra Fria (1946-1991) caracterizou-se por opor duas superpotências (EUA versus URSS) que travavam uma batalha ideológica, política e econômica. O confronto entre capitalismo e socialismo levava as duas superpotências a se envolver em conflitos regionais. Dada a impossibilidade de um conflito bélico direto entre elas (por causa da ameaça de destruição mútua), ambas apoiavam governos em países da América Latina, África e Ásia de maneira política, financeira e militar de forma a ampliar sua área de influência ou frear a expansão de sua inimiga ideológica. Enquanto isso, na Europa estabeleceu-se uma área de influência da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) que se opunha a outra área de influência, por trás da chamada “cortina de ferro”, que era controlada pelo Pacto de Varsóvia. O período designado como Guerra Fria terminou em consequência da assinatura do acordo de 1987, que determinava o prazo de três anos para a eliminação dos mísseis intermediários das superpotências, e do fim da URSS em 1991.

O atual contexto político, econômico e militar mundial indica a possibilidade de estar surgindo uma Nova Guerra Fria. De um lado, países democráticos que buscam recuperar suas economias afetadas pela Grande Recessão. De outro lado, países autoritários que buscam o desenvolvimento de suas economias com crescimento sem democracia e progresso sem liberdade. O conflito entre autoritarismo e democracia pode tornar-se uma Nova Guerra Fria. Os governos autoritários não utilizam mais o comunismo como sistema econômico, mas sim como modelo de dominação do Estado tanto na China como na Rússia. Estes países mantém o controle político e ideológico sobre suas populações com o uso da mídia estatal e a censura e o controle da internet. Ambos buscam uma modernização conservadora ao aproveitar-se da ampliação das relações comerciais advindas da globalização econômica. O modelo econômico é o capitalismo de Estado que aproveita os benefícios da globalização. O modelo econômico centralizado se opõe ao modelo de democracia liberal. A aliança entre China e Rússia engloba um mercado de mais de 1,6 bilhão de pessoas. A China poderá ultrapassar os EUA como a maior economia do mundo até o final desta década.

O mundo unipolar com os Estados Unidos como única superpotência, durante a primeira década do século 21, chegou ao fim com a Grande Recessão que afetou duramente a economia mundial. Se por um lado os Estados Unidos não conseguem mais impor sua agenda política (democracia, liberdade e eleições), por outro lado sua agenda econômica (mercado, consumo e propaganda) foi apropriada pelos países autoritários.

Vários elementos de análise permitem inferir o surgimento de uma Nova Guerra Fria. A Organização das Nações Unidas (ONU) como órgão mundial de resolução diplomática pode ser deixada de lado, pois todos os envolvidos tem poder de veto no Conselho de Segurança e, portanto, podem descumprir as resoluções. O poder da Organização Mundial do Comércio (OMC) pode ser esvaziado pelos acordos bilaterais. As relações comerciais tanto dos Estados Unidos e União Europeia como da Rússia e da China competem pelo mercado de matérias-primas na América Latina, na África e na Ásia.

Após a expansão da influência dos Estados Unidos e da União Europeia no início do século 21 com a Guerra do Iraque, a Guerra do Afeganistão e a Primavera Árabe, há agora uma ampliação de conflitos regionais no Iraque, na Síria e na Ucrânia que resulta na retomada do papel da Rússia no cenário mundial como potência regional, que procura ampliar sua área de influência e que está alinhada com a China.

O antagonismo de modelos (democracia versus autoritarismo) poderia moldar uma Nova Guerra Fria. Os Estados Unidos e a União Europeia estariam em oposição à Rússia e à China como competidores geoestratégicos. A América Latina, a África e a Ásia seriam as áreas de influência política e de mercado. Os conflitos regionais tenderiam a se agravar se houver interferência dos antagonistas geoestratégicos que poderia chegar ao extremo de provocar uma Nova Guerra Fria. Ao se estabelecer o apoio financeiro e a venda de armas para zonas de conflitos regionais acentuar-se-ia o confronto entre antagonistas geoestratégicos por interesses de mercado. O conflito na Ucrânia já mostra sinais disso, pois houve a ocupação militar da Criméia pela Rússia e agora há a venda de armas tanto pela União Europeia para o governo em Kiev como pela Rússia para os separatistas no leste da Ucrânia.

Ignorar resoluções da ONU, fornecer apoio logístico e vender material bélico indicam o fracasso da diplomacia mundial para solucionar conflitos regionais. Mesmo sofrendo sanções econômicas, se a Rússia romper o acordo de 1987 e voltar a fabricar mísseis intermediários ficaria caracterizado o início da Nova Guerra Fria. Se os Estados Unidos e a União Europeia buscavam ampliar sua influência política, econômica, militar e ideológica no início do século 21, agora há uma reação da China e da Rússia em expandir suas influências políticas e econômicas. Ambas não aceitam a democracia como modelo e ambas insistem no modelo centralizado e autoritário de capitalismo de Estado. No curto prazo tal modelo mostra-se mais eficiente, mas no médio prazo poderia enfrentar demandas de classes médias urbanas e ter que recorrer à repressão em caso de recessão econômica prolongada.

A atual crise de representação política na democracia constitucional tem a ver com fenômenos que estão entrelaçados: aumento da desigualdade de renda; aumento da influência do dinheiro na política; evasão fiscal dos milionários e das corporações globalizadas. A atual descrença na democracia constitucional resulta da disfunção do governo em nível nacional. Sistemas fiscal e previdenciário distorcidos por interesses e que perderam a capacidade de redistribuir provocam o aumento da insatisfação da sociedade. Faltam recursos para prover serviços por causa da crise fiscal. Por isso, repensar a estrutura fiscal e a captação pelo Estado da renda nacional, visando moderar a desigualdade e estimular o crescimento da economia, deveria ser primordial para resgatar o papel da democracia constitucional. As instituições políticas, regulatórias e legais estão controladas por interesses econômicos e o sistema político sofre muita influência do dinheiro. Melhorar a distribuição de renda e melhorar as políticas públicas é tarefa importante para retomar a confiança dos cidadãos na democracia constitucional. O aumento das desigualdades de renda ameaça a igualdade política e, portanto, poderia numa situação extrema descreditar a própria democracia. Razão pela qual o aumento da influência do modelo autoritário se faz tão presente pelos seus resultados econômicos de curto prazo. Retomar o papel do Estado e reformar as instituições, que são permeáveis às mudanças, visa restaurar a confiança e o funcionamento da democracia neste embate contra o modelo autoritário. O surgimento de uma Nova Guerra Fria talvez obrigue os governos democráticos a tomar medidas para superar o modelo antagônico como foi no caso da Guerra Fria (1946-1991).

Luiz Roberto da Costa Júnior
Enviado por Luiz Roberto da Costa Júnior em 02/08/2014
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