A COLHEITA(Sucinta reflexão sobre o pós-eleição)

(...) Colhem-se, porventura, uvas dos espinheiros, ou figos dos abrolhos?

Jesus Cristo.

Diz o velho e bom provérbio chinês: “podemos escolher o que plantar; mas somos obrigados a colher o que semeamos”.

A julgar pelas entrevistas de alguns candidatos a deputado não eleitos de Laranjal do Jari, estes não entenderam ou a dissimulação é tamanha que se recusam a aceitar tal equação.

“O povo é imediatista. Vota por interesses pessoais ou particulares”, reclama um. “O povo de Laranjal do Jari ainda não aprendeu votar... gosta mesmo é de sofrer”, outro retruca. “Eu vi eleitor vendendo o seu voto”, acusa outro.

Estes, porém, são os mesmos candidatos que, no palanque e nas várias reuniões ao longo da campanha, desmancham-se em elogios dizendo que amam Laranjal do Jari, terra de povo ordeiro, honesto e trabalhador...povo guerreiro, que resiste a enchentes e incêndios...blá-blá-blá... blá-blá-blá... blá-blá-blá...

O curioso é que alguns desses candidatos já tiveram e/ou têm mandato. E quando foram eleitos, o povo foi considerado por eles, sábio, inteligente, honesto e consciente. De uma hora pra outra, o povo torna-se de caráter duvidoso, interesseiro, ignorante e alienado. Não é estranho?

Nossa população (de Laranjal do Jari), mesmo entre os ditos mais esclarecidos, jamais demonstrou grande interesse pelo debate político sério e suprapartidário, sobrepondo o institucional ao pessoal ou o coletivo ao individual. Por outro lado, a maior parte dos mandatários eleitos e muitos dos pretensos jamais se preocupou com essa lastimável falha, haja visto está na falta de politização do povo sua principal estratégia para alcançar e/ou manter o poder.

Ante a resposta das urnas e às lamúrias dos inconformados, vale algumas considerações:

Aos candidatos compete apresentar propostas e tentar convencer os eleitores. Insinuar que podem dizer em que estes devem ou não votar – como alguns insistiam que não se deve votar em candidato de outros municípios – é um insulto que os eleitores deixaram claro que não admitem.

Aqueles que já tiveram e/ou têm mandato fariam bem se tivessem a decência de admitir que pouco ou nada fizeram para a politização do povo – até porque sempre se beneficiaram exatamente da ignorância política e da dissimulação deste.

Como podemos esperar boa formação política de uma população que não dispõe, sequer, de uma biblioteca pública para a pesquisa?

Quais foram os eventos relacionados à formação política promovidos ao longo dos anos da existência de Laranjal do Jari por estes candidatos e/ou seus partidos?

Que esforços fizeram os candidatos e/ou suas coordenações de campanha para ouvirem a população através de debates ou plenárias?

Quantos por cento da programação das rádios locais é dedicada à formação política da população? O que os detentores de mandato eletivo têm feito para melhorar tal situação?

Que tipo de políticas educacionais nossas escolas públicas têm implementado para a formação política de seus alunos? Acaso, há alguma em que ao menos o Grêmio Estudantil funciona?

Laranjal do Jari é muito jovem e, a despeito de já ter surgido com os vícios da tão controvertida Política brasileira, pode [e deve] perfeitamente começar a escrever uma história diferente.

Muitas outras eleições gerais virão. Quem sabe já na próxima, os candidatos ao invés de tentarem teleguiar o eleitor – dizendo em quem este não deve votar, não se preocupam mais em serem convincentes e estratégicos para conquistá-lo? Quem sabe, não haja mais interesse em instigar à população ao debate e à reflexão do que em apresentar cada um a si como anjo e os de outros municípios como demônios? Quem sabe, até lá, já não tenhamos maturidade política suficiente e suficiente coerência para mantermos o mesmo discurso, independentemente da conveniência?

Enquanto isso, fica a dica: não existe Democracia sólida com povo ignorante. Se quisermos colher sabedoria, devemos semear conhecimento, não assistencialismo e bajulação.