O VOTO DE CABRESTO, ONTEM E HOJE

Francisco de Paula Melo Aguiar

Um homem pode ser ele mesmo somente enquanto ele está sozinho, e se ele não gosta de solidão, ele não vai amar a liberdade, pois é somente quando ele está sozinho, que ele é realmente livre.

Arthur Schopenhauer

Para falar a verdade não se sabe a origem epistemológica do chamado voto de cabresto, aqui entendido como sendo o sistema tradicional eleitoral gestado pelo controle do poder econômico e político, onde fica comprovado a olho nu o abuso de autoridade, a conhecida compra de votos com o uso direto e ou indireto da máquina e ou cofre público: federal, estadual e municipal. A máxima desse sistema eleitoral é quem tem dinheiro não perde eleição. O sistema conhecido como voto de cabresto, mecanismo metodológico usado nas diversas regiões do Brasil, principalmente nas regiões em onde o desenvolvimento social, educacional, industrial e econômico ainda não chegou. Onde tem voto de cabresto, sempre teve a figura grotesca do coronelismo feudal e empresarial. A figura do coronel e daí “coronelismo”, vem desde os tempos do Brasil Colonial, atravessando o Brasil Império e tem continuidade com o Brasil República. Durante o período em que o Brasil era colônia de Portugal, tivemos o nosso território divido em quinze Capitanias Hereditárias, daí surgiu à figura do donatário, proprietário, dono, base fundamental imposta pela Coroa Portugal para o estabelecimento da figura do coronel, embora que inconsciente. E isso é um fato histórico oficial da divisão da História do Brasil, em seus três períodos: Colônia, Império e Republicano. De modo que os donatários, lotearam suas capitanias em sesmarias: grandes propriedades e ou fazenda rurais, verdadeiros latifúndios agrários, onde tinham poderes absolutos sobre seus bens e bem assim de vida morte sobre seus escravos, na época considerados como animais, objetos, que eram vendidos nas feiras livres como: cabra, gado, galinha, escravo, escrava, etc. A figura do coronel representava: o quero, o posso e o mando. Fazia justiça com as próprias mãos. Tudo, inclusive a vida, dependia da figura mitológica do coronel, senhor de terras e todos os seus pertences. Aqui as glebas e fazendas rurais, eram transformadas em engenhos, fábricas de açúcar, cachaça, rapadura, mel de furo, etc., verdadeiras empresas agroindustriais e econômicas. Inclusive não tinha qualquer tipo de obrigação em termos de direitos previdenciários em favor de seus poucos empregados e milhares de escravos. O Brasil viveu o período mais negro de sua história, a prática da lei de Talião, olho por olho e dente por dente, no dizer originário da palavra. As ordens religiosas, senhoras proprietárias de grandes porções de terras, onde fundaram e fizeram funcionar seus engenhos, onde fabricavam através da matéria prima da cana de açúcar, o próprio ouro branco, o açúcar e seus derivados com o uso da mão de obra negreira e escrava, sem pena e sem dó. A Bíblia Sagrada, a Igreja e suas ordens religiosas faziam ouvido de marcador, até o advento da Lei Áurea, assinada pela Princesa Isabel, em 13 de maio de 1888.

É importante relembrar de que mesmo diante da Independência do Brasil, em 7 de setembro de 1822, através do “Independência e ou Morte!”, brado de Dom Pedro I, as margens do Ipiranga, a escravidão continuou sendo praticada no território brasileiro, como antes no “Quartel de Abrantes”, fedia mais não “incomodava” o coronel e seus ascendes e descendentes. Aqui a mão de obra escrava é mantida apenas com a ração em termos de alimentação diária distribuída coletivamente, assim como os abrigos de moradia ao redor dos engenhos e casas grandes, as famosas senzalas. Os coronéis eram os donos de fato de suas propriedades rurais quase com limites intermináveis, tão grandes eram, bem como de tudo que sem encontram em cima delas, incluindo como já dito acima, as pessoas não livres, que poderiam ser brancas e ou negras, escravos eram escravos em quaisquer condições, independe da cor da pele. E é isso por analogia ao coronelismo nordestino brasileiro que Santana (1990, p.202, nota de rodapé 115), enfoca a presença do chefe religioso e do chefe político Manoel Gervásio Ferreira da Silva, o popular Padre Ferreira: [...] “a acumulação da função política com a função religiosa se constitui uma prática constante no processo político brasileiro”. E continua afirmando que “as proclamações no púlpito, as procissões, os batismos, a fundação de sociedades religiosas e filantrópicas, eram e são instrumentos bastante úteis na arregimentação do voto, principalmente com a ampliação do voto após 1891, ampliando também os currais eleitorais”. E além do mais, cita que: “a liderança do Padre Cícero do Juazeiro como oligarca no Ceará constitui flagrante exemplo da asserção de que “na arregimentação do voto, o coronel padre não respeita nem mesmo o confessionário”, segundo “afirmação comunista e intelectual santaritense, David Falcão, em suas conversas do dia nos idos da tumultuada eleição de municipal (de Santa Rita) em 1959”. Aqui vale lembrar que na eleição de municipal de Santa Rita do ano de 1959, foi eleito prefeito Antônio Aurélio Teixeira de Carvalho (PSB/PSD), com 3.377 votos, correspondente a 54,56% (cinquenta e quatro, virgula cinquenta e seis por cento) dos votos válidos, contra 44,01% (quarenta e quatro, virgula um por cento) , correspondente a 2.724 votos, obtidos por João Raposo ( o vice foi Abiathar Vasconcelos, que obteve 2.412 votos, equivalente a 41,03% dos votos válidos), candidato da UDN/PTB, ficando em terceiro lugar Arnaldo Bonifácio (no TRE/PB¹ não consta o nome do candidato a vice prefeito em 1959), candidato do PART – Partido da Aliança Republicana Trabalhista, que obteve 88 votos, apenas, correspondente a 1.42% (um virgula quarenta e dois por cento) dos votos válidos. Nas eleições municipais de 1959, Santa Rita, tinha apenas 7.013 (sete mil e treze) eleitores registrados, dos quais foram apurados 6.189 (seis mil, cento e oitenta e nove) votos válidos, verificando-se a abstenção de 824 (oitocentos e vinte e quatro) eleitores, equivalente a 11,75% (onze virgula setenta e cinco) por cento do eleitorado. Na eleição de municipal de Santa Rita de 1959, nos termos da legislação brasileira, o eleitorado votava para prefeito e para vice prefeito, de modo que o vice prefeito eleito Lourival Caetano de Lima, do PSB/PSD, foi eleito com 3.466 (três mil, quatrocentos e sessenta e seis) votos, correspondente a 58,97% (cinquenta e oito virgula noventa e sete) por cento dos votos validos. Portanto, o vice prefeito Lourival Caetano, obteve 89 (oitenta e nove) votos a mais que o prefeito Antônio Teixeira, naquele pleito. Nas eleições municipais de Santa Rita de 1959, o coronelismo representado pela UDN/PTB, coligação dos usineiros, foi derrotada pelas forças populares, representada pelo camarada comandante, o Deputado Estadual Heraldo da Costa Gadelha e seus coadjutores de socialismo moreno Antônio Teixeira e Lourival Caetano, foi a campanha do tostão contra o milhão. Foi a primeira vez em que o voto do cabresto não funcionou em Santa Rita. Otto Von Bismarck tem razão de sobra ao afirmar de que “nunca se mente tanto como antes das eleições, durante uma guerra e depois de uma caçada”.

O voto do cabresto sempre foi usado em nossa terra, como por exemplo, na eleição municipal realizada em 16 de novembro de 1897, onde o povo elegeu os conselheiros, função equivalente a de vereadores na atualidade. Tendo em vista que o cargo de Presidente do Poder Executivo Municipal foi preenchido pelo Coronel Francisco Alves de Souza Carvalho, nomeado pelo “alvarismo”, que faz realizar as eleições para conselheiros e consegue quase por unaminidade eleger seus familiares e ou parentes próximos. Foram eleitos os conselheiros: Manuel Justino de Andrade (não era parente do presidente/prefeito); Antônio Daniel de Carvalho (Vice Presidente); Carlos Hilário de Carvalho; Ernesto Todolfo Carvalho de Albuquerque; João Caetano de Carvalho; Manoel Teixeira de Vasconcelos (não era parente do presidente/prefeito); e Joaquim Peregrino Ferraz de Carvalho (o Coronel Quinca Macelino), segundo Medeiros² (1889/1948). E isso é prova inconteste do valor da cultura dominante do coronelismo santaritense, useiro do voto de cabresto. A anotação de rodapé 119, da historiadora Martha Falcão, cai como uma luva para corroborar com a idéia de voto de cabresto, até então vigorante, senão vejamos: “ O coronel Quinca Marelino, da Guarda Nacional por ato do Presidente Campos Sales, participou como Conselheiro de vários mandados municipais e era homem que garantia ao grupo situacionista liderado pelo Padre Ferreira e pelo Coronel Francisco Carvalho, em virtude do controle exercido junto ao eleitorado rural do município”, e afirma que “com propriedades que iam do Miriri, Lucena, Fagundes e Costinha, seu prestigio era assegurado pelo voto de cabresto, com a distribuição de favores e castigos aos seus moradores” e finaliza dizendo que ele “faleceu na década de 20 e seus restos mortais se encontram na Capela São José, que mandou construir em 1922 em Fagundes, hoje município de Lucena e que doou à Diocese mediante o compromisso assumido por esta de poder continuar enterrando toda a sua numerosa família na referida capela³.

É nesse cenário histórico que a figura mitológica do coronel tem grande importância no cenário do regime Republicano no Brasil, nas décadas seguintes a 15 de novembro de 1889, passando pelos acontecimentos do antes e do depois da Revolução de 1930, vindo a perde o referencial em parte a partir da Revolução de 1964, tendo em vista os movimentos das ligas camponesas em sua primariedade, coroamento legal com o advento do Estatuto da Terra, assinado Presidente Humberto de Alencar Castelo Branco. O que é uma antítese, tendo em vista a proibição da fundação dos sindicatos rurais, objetivo das Ligas Camponesas, através de perseguições, prisões, torturas, mortes e desaparecimentos dos seus principais líderes em todas as regiões do Brasil. Aqui no interior do Brasil, mesmo depois de 1964, a figura do coronel e de seus capatazes, ainda tinha poder de quase semideuses. O fazendeiro ou senhor de engenho detinha o poder econômico e garantia a eleição, via o voto de cabresto para seus candidatos. O candidato que tinha o apoio do coronel no Nordeste do Brasil, já podia comprar o palito para tomar posse. Ai daquele que entendesse votar contra o candidato do coronel, que seria inevitavelmente botado para fora de sua terra: fazenda e ou engenho. Nascia assim a figura da favela nas grandes e pequenas cidades do Brasil. O curral eleitoral era formado pelos votos dos moradores e trabalhadores da terra do coronel. Todos eram obrigados a votar em quem o coronel mandasse votar e ponto final. Até a revolução de 1930, o voto no Brasil era aberto, ai os eleitores eram chamados até a presença do coronel e ou de seus capangas, etc., pressionados e fiscalizados, antes, durante e depois da votação, para votar no candidato do patrão. O coronel comprava o voto com dinheiro, dava presentes, dentre os quais, a distribuição de feiras, animais, roupas, etc. O voto era (ou ainda é) uma troca permanente de favores, surgiam também os votos fantasmas ou fotos de defuntos. O instituto das fraudes eleitorais, com ou sem aliciamento e ou violência, nasceu diante do oferecimento de vantagens, inclusive com o oferecimento de transporte e de comida no dia das eleições pelos candidatos e ou seus amigos coronéis e lideranças políticas. Vejam que “Nós somos aquilo que fazemos repetidamente. Excelência, então, não é um ato, mas um hábito”, segundo o filósofo Aristóteles. Depois do voto o cidadão é rolete chupado, agora só será lembrado nas próximas eleições. Voto dado, defunto enterrado.

O Brasil conseguiu fazer um sistema eleitoral muito avançado dentre os demais países do mundo, a partir da última década do século XX, com o uso das urnas eletrônicas, assim sendo, a idéia de que o coronel moderno tenha como controlar o voto de seus empregados e ou apadrinhados, é coisa do passado. O chamado voto de cabresto mesmo assim, não desapareceu ainda do sistema eleitoral brasileiro, existem outras metodologias e ou mecanismos de pressão, como por exemplo: anotar os números das sessões onde votam determinados eleitores e ou famílias e respectivas localidades, é feito isso para depois da votação, conferir o boletim com o resultado e os nomes dos candidatos votados, onde os eleitores receberam favores e ou venderam o voto, recebendo dinheiro, lotes de terrenos, (invadidos de terceiros pelo chefe político), cesta básica, bujão de gás, bola de futebol, padrão de camisas esportivas, bolsa disso, bolsa daquilo, etc. Embora essa metodologia moderna de comprar votos antecipadamente ao pleito, bem como de não se saber em quem fulano de tal votou, tal comportamento, serve de instrumento de pressão psicológica sobre os mais humildes e pobres e analfabetos funcionais ou não de cada localidade pelo Brasil afora. Ocorre isso no silêncio e ou as caladas da noite, nas zonas urbanas e rurais. E além do mais o chamado poder milícia, muito presente atualmente nas comunidades pobres, onde obrigam que todos os habitantes da localidade terão que votar em quem eles querem, o não cumprimento poderá causar a morte dessas pessoas, desde que aja qualquer tipo de enfrentamento em não cumprir a ordem “chefe da milícia”, uma espécie de “coronel” moderno, que usa as mídias sociais e que não perdoa os seus “súditos” famintos e desprotegidos de tudo e de todos, inclusive do poder oficial do Estado. Esse tipo de milícia só ajuda pobres moradores, se cumprirem suas ordens.

Diante da troca de favores com a população: municipal, estadual e nacional, só mudou sua metodologia, maneira e ou jeito de se fazer isso. Atualmente, uma vaga na escola, na creche, um exame médico, um remédio, um livro, um fardamento escolar, um contrato de emprego em uma empresa e ou no poder público, por exemplo, se conhecer um vereador do partido do prefeito, de um deputado do partido do governador. O mesmo ocorre com a instalação de uma rede de esgotamento sanitário, de expansão da rede elétrica, caixa de água, ambulância, açude, barragem, etc., se for intermediado por um deputado federal e ou por um senador da República. Outra forma moderna de currais eleitorais é feita através das associações comunitárias urbanas e ou rurais, ONGs, etc., pois, os “currais comunitários”, tem os mesmos objetivos dos coronéis rurais e ou urbanos do século XX. Agora podemos chamar de “coronéis modernos”, tendo em vista que estão ancorados e ou trás de vereadores, deputados estaduais, deputados federais, senadores, de prefeitos e até de governadores. O sistema de oligarquia é o mesmo, manter o voto de cabresto, através da bolsa escola, da bolsa família, da minha casa, minha vida, do cartão de crédito da caixa para comprar moveis domésticos, etc. Na verdade o coronelismo nordestino brasileiro encontra-se em plena dinastia imperial, são tantas as fraudes praticadas por essa gente, dentre as quais a distribuição de cargos e ou funções publicas e ou privadas, daí porque a palavra do dia é privatizar tudo que for público, para puder nomear seus afilhados para ser “chefes” de tais órgãos e ou empresas privatizadas. Voto de cabresto é corrupção, pois, “os erros podem ser corrigidos por aqueles que observam os fatos, mas o dogmatismo não serão corrigidos por aqueles que estão apegados a uma visão”, no dizer de Thomas Sowell.

Infelizmente aqui e acolá, ainda se ouve falar que defuntos ainda votam, usando para tanto a falsificação de assinaturas, dentre outras fraudes. Na cabeça do homem comum, tudo isso ainda é capaz, não as vantagens do uso da urna eletrônica, inventada pelo Brasil e que começou a ser usada no Brasil a partir de 1996, onde começou a ser possível o impedimento de fraudes do tipo: a) bloqueio do número do título; b) a conferência das informações da carga de cada urna com a presença de fiscais; c) Os fiscais podem acompanhar o momento em que a urna é lacrada; d) emissão da “zérezima”, isto é da relação de candidatos e votos zerados; e) emitir boletim da urna no final da votação, em 5 vias, sendo que uma é afixada na entrada da seção eleitoral, uma é entregue aos fiscais de partidos que estiverem presentes, e as demais vias serão entregues à Junta Totalizadora de votos; f) o “mapismo”, e/ou seja, alteração de dados manualmente ao preencher o boletim da urna é eliminado plenamente, de modo que as falhas humanas desapareceram com o novo sistema eleitoral brasileiro. Só existe o voto de cabresto porque tem gente que se submete a isso, Kant, tem razão de sobra, “se o homem faz de si mesmo um verme, ele não deve se queixar quando é pisado”. Pensem nisso!

Na realidade nenhuma denuncia formalizada contra o sistema eleitoral pelo uso das urnas eletrônicas foram comprovadas até a presente data, porém, a fiscalização formal e informal ainda é necessária em nosso sistema de votação. Agora, aquela história de que o “voto de cabresto” foi criado pelo “coronel”, por analogia ao cabresto do burro, mesmo diante das novas tecnologias, o ser humano ainda se deixa alienar, a trocar ou vender o voto direta e ou indiretamente, tendo em vista o seu emocional e ou psicológico, os mais pobres que são a maioria dos eleitores, vota pensando em atender as suas necessidades básicas: moradia, trabalho, educação, comer, água para beber, etc, a repetição do circo, pão e vinho do império romano, representado pelo Estado moderno da atualidade. E assim o povo ainda não está livre para votar sem receber os favores do poder público e do poder econômico financeiro. Infelizmente é verdade, pois, Carlos Drummond de Andrade tem razão ao afirmar que “uma eleição é feita para corrigir o erro da eleição anterior, mesmo que o agrave”. É hora de reflexão!

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¹ Cf.: < http://www.tre-pb.jus.br/eleicoes/eleicoes-anteriores/resultados-de-eleicoes > . Acesso: 04/11/2014.

² Cf.: Lapemberg Medeiros. Apontamentos para a História de Santa Rita (mímeo)- Santa Rita – 1889-1948.

³ Cf.: Martha M. F. de Carvalho e Morais Santana. Teixeira, O Político e o Homem Público ou Símbolo de Luta contra os Potentados, p. 32. Santa Rita, 1985.

FRANCISCO DE PAULA MELO AGUIAR
Enviado por FRANCISCO DE PAULA MELO AGUIAR em 04/11/2014
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