UM POUCO DO MESMO. APENAS BEM DIFERENTE

Tenho tentado ficar distante, alheio mesmo, do “processo eleitoral” e tratar de escrever meu livro, mas não consegui. Não que eu seja um alienado ou analfabeto político. Voto a mais de meio século, e já protestei, já concordei, já fui presidente mesário com urna de lona e a primeira eleição que cobri foi no tempo que os votos eram contados no armazém nº 1 do cais do porto em Porto Alegre. “O que vai pelo pleito! Ou a marcha do pleito!”, não lembro. Lembro bem, porém, que era o Amir Dominguez que anunciava pela Rádio Guaíba, comandando a “jornada eleitoral”. E também não me esqueço de que andávamos de Kombi e quem dirigia era o Doutor Paulo Millano. Assim percorríamos as sessões eleitorais de uma ou mais zonas eleitorais. Eu pedia ao presidente da mesa o número de votantes e se tinha alguém que interessasse destacar; alguém famoso, por exemplo. Depois perguntava onde havia um telefone; em geral ele estava na secretaria da escola, eternos locais de votação. Ligava para a Guaíba e o Krebs dizia: fica na linha! E pelo retorno eu ouvia quem estava no ar até chegar a minha vez. E o Amir dizia: e agora de uma de nossas unidades móveis vamos chamar o repórter Cesar Cabral em algum ponto da cidade. Eu dizia: estamos (era sempre no plural) na zona tal e etc e tal quantos eleitores, quantos já haviam votado – numa delas tinha sido a nossa Miss, Ieda Maria Vargas. Falei pelos cotovelos até o Amir me cortar (eu não parava de falar abobrinhas sobre a miss). “Muito bem, Cesar já temos outros repórter na linha...”. Mas eu tinha que encerrar a “intervenção” como se dizia, com o “bordão” padrão. “Essa foi mais uma informação sobre a marcha do pleito; patrocínio Panambra, revendedor autorizado Volkswagen.” Há quem não acredite. Impossível continuar indiferente em 2014.

Depois o Jânio Quadros renunciou o Leonel Brizola criou a Rede da Legalidade, o avô do Aécio Neves inventou um plebiscito – parlamentarismo ou presidencialismo? – o Jango assumiu a presidência da República, foi derrubado pelos generais do Exercito e eu ainda aguentei alguns meses na Caldas Junior – Correio do Povo e Rádio Guaíba – e fui demitido; diziam que eu era “vermelho”. Mas isso já é outra história.

Pois como não dá pra ficar de fora do “processo eleitoral” dei uma olha nas campanhas; principalmente nas das TVs. Diverti-me muito, com as tais de propostas e as promessas embora a campanha pra prefeito e vereador seja mais divertida. Todos seguiram a PPC, a regra número um dos marqueteiros: propor, prometer, criticar. Lamento ter que esperar 2 anos para ter tanta diversão a começar quando vejo e ouço: programa eleitoral “obrigatório gratuito”.

Um candidato a governador “prometeu” acabar com o “problema da segurança” iluminando as ruas das áreas mais perigosas da periferia da cidade. Acho que o infeliz não sabe (ou se faz de besta?) que segurança não é problema; é como dinheiro; problema é quando falta. Além disso, iluminação pública e tarefa de prefeito.

O adversário desse promete acabar com todas as casas de taipa; vai construir de tijolos com reboco e tudo o mais. O sertanejo quer é “água de beber” – se cavar um poço sai água salobra, no sertão é assim – e quer continuar com sua casa de taipa porque dentro dela não é quente, é fresquinha, e a noite “É até friinha”. É verdade.

A Marina, que me lembra um pé de pau seco, continua se “achando” e com um milhão de votos a mais na bolsa somado aos 20 milhões que já tinha, tornou-se doceira. E fazendo doce, só por alguns dias, tornou-se chantagista. Não aceita diminuir a menor idade penal alegando que não temos locais adequados para “apenamento”. Que bobagem é essa? E também não quer reeleição. A Marina é lulanática, ainda sofre as sequelas dos tempos do lulismo petista que ela ajudou a fundar e manter.

De tanto ouvir falar fui dar uma espiada nos tais debates. Que coisa esquisita! É um minuto pra um, outro minuto pra outro; uma coisa parecida com sei lá o que. Menos com debate. Mesmo com tempo de pergunta e resposta “combinado anteriormente com os assessores dos candidatos” (O que é que eles “combinaram”?) a coisa mais parece bate boca de maloqueiro; xingamento na hora do recreio de grupo escolar. Uma coisa que me lembrou dos botecos da Rua Cabo Rocha ou aquele trecho da “Volunta”. Quem se lembra delas?

Alguém me disse que os debates parecem um cabaré. Negativo! respondi impávido como um colosso daqueles tempos. Respeite o cabaré! Continuei meu discurso - pra não sair do tom reinante -. Num cabaré exige-se respeito e compostura. Neles as propostas são claras: como se faz, com quem e o que se faz, quanto custa e quem e como se paga; a vista. Neles ninguém passa a mão no traseiro da dama do outro; ninguém fica devendo nada a ninguém e a liberdade de escolha existe de fato e de direito, sobretudo. Ninguém patrulha ninguém e não há a preocupação de ter que ser politicamente correto, pois lá, todos são. E quem quiser baila. E enquanto a orquestra toca a típica descansa (pra quem não sabe: é um conjunto com piano, contra baixo, um violino e o majestoso bandoneon a tocar tangos, milongas, chamamés e polcas).

E veio o segundo turno e a Dilma foi reeleita, conforme se podia prever por razões simples e caminhos e acordos complexos que só a política pode engendrar além da nossa vã filosofia e capacidade de aceitação. E foi o que se viu na campanha; dizem que foi a mais agressiva a mais isso e aquilo como “nunca antes nesse país” (tomo o termo como uma referência cultural, o que há de se fazer?).

Além disso, os tais jornalões e televisões resolveram que “histórico” (a) é sinônimo de grande, maravilhoso, horroroso, incrível, espetacular e outros adjetivos. Dizem que esta eleição foi histórica; um fato ou evento que só existe no futuro, coisa do passado que se conhece e a qual nos referimos somente no presente. Desconfio que isso seja um modismo passageiro e que deve desembarcar já na próxima estação, bem antes do fim da linha, levando junto o “fazer selfi”.

Gosto do Brasil, de suas particularidades e de algumas peculiaridades; especialmente do nosso português brasilino. Gosto de tantas coisas porque nasci aqui; poderia ter nascido na ilha de Tonga ou no Zaire e hoje estaria com Ebola falando francês. Tudo ao acaso.

Não gosto dessa nossa inferioridade canina, dessa nossa ingenuidade subdesenvolvida, desse gingado enganador, desse nosso pobrismo intelectual. E, principalmente, tenho o mais profundo desprezo reverente e ilimitada desconsideração por quem conduz nossa nação e também por políticos em geral, todos eles, e por burocratas com pose de dona de cabaré. Sinto misericordiosa compaixão, como se eu fosse cristão, pela maioria de um povo iludido pela minoria amoral eleita democraticamente por eles. Um mistério doloroso. Ou um paradoxo democrático?

Não aceito – mas o que eu posso fazer? – esse nosso sistema eleitoral onde 50% mais 1 ganha sob a insatisfação da outra metade que passa a ser tratada como minoria. Quem sabe um mínimo de como funciona os quocientes eleitorais, hão de concordar comigo. Quem será o Tiririca da próxima eleição? Ele mesmo, de novo. Creio que 99% dos eleitores não sabem o que representa seu voto e nem o que resultará dele numa urna que não se pode recontar votos e nem passa recibo ao eleitor.

Não gosto da urna eletrônica que pode ser manipulada, com o já foi nos Estados Unidos depois de um estudo feito em 2006 pela Universidade de Princeton comprovando que ela não é segura. O fabricante, banido do país, a Diebold é o mesmo fornecedor das nossas urnas; marca Diebold. E denúncias e provas contra as urnas eletrônicas existem e chegam ao TSE. Porém quem ousar desconfiar do TSE ou da urna eletrônica será condenado por litigância de ma fé, quem disse isso foi, o ministro Ricardo Lewandowski dia 08/04/2010 no plenário do TSE no julgamento do pedido de pericia para esclarecer a suspeita de fraude nas eleições de 2006 em Alagoas. Nesta eleição, de 2014, o advogado do PT e de José Dirceu, o José Tofóli, agora presidente daquela suprema corte eleitoral garante a lisura do pleito e que a urna eletrônica e confiável e inalterável. Uma coisa é ser difícil de alterar, outra é ser inalterável. Além do mais o jovem ministro presidente não permite que um concorrente proteste, duvide, peça revisão ou recontagem de votos porque essas urnas são inquestionáveis; e quem o fizer será multado. Ora, esse rapaz está dizendo antecipadamente que não haverá um crime e quem fizer a denúncia esta cometendo um delito.

Não sou advogado, por óbvio, tanto quanto não sou idiota; ele é. E está violando o Direito e a lógica elementar; isto é: da natureza do Direito, de seu fundamento, de seu princípio. Como ele pode garantir que não haverá crime? Como ele pode condenar, então, o criminoso? Por que antecipar o Horário de Verão em uma semana, coincidindo com o período eleitoral? Por que divulgar a apuração dos votos apenas quando chegar a 90% do resultado? Fuso horário? E daí? Por que não iniciar a apuração dos votos e divulgar os resultados após o encerramento da votação as 17h00min do local onde está a urna? Qual é o problema se o resultado final for proclamado as 22h00min, a meia-noite ou às duas horas da madrugada? Qual é o problema?

O jornalista Carlos Newton escreve na Tribuna da Imprensa (que já foi impressa e de propriedade do Carlos Lacerda) “Em reveladora e estarrecedora entrevista à Beatriz Bulla, do Estadão, o corregedor-geral da Justiça Eleitoral, ministro João Otávio de Noronha, confirmou que somente um pequeno grupo de técnicos do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) assistiu o minuto a minuto da totalização dos votos.

De acordo com o corregedor-geral, foi por ordem direta de Toffoli que o TSE montou um esquema para manter isolados os técnicos responsáveis pela apuração, sem contato inclusive com outros membros da Corte.

E o mais inacreditável é que, ainda segundo o corregedor-geral João Otávio de Noronha, a orientação dada pelo presidente do TSE, ministro Dias Toffoli, era para que os técnicos não informassem nem a ele o resultado parcial da eleição antes da abertura dos dados para todo o País.

Como todos sabem, essa abertura dos dados somente ocorreu já depois das 20 horas, quando estava assegurada a “eleição” da candidata oficial Dilma Rousseff. Esses são os fatos – verdadeiros, indiscutíveis e irrefutáveis – que marcaram as estranhíssimas inovações desta eleição presidencial, em que não houve transparência nem fiscalização. As declarações do corregedor-geral João Otávio de Noronha são inaceitáveis e assustadoras, porque jamais ocorrera no país uma eleição em que até mesmo as maiores autoridades da Justiça Eleitoral foram proibidas de acompanhar a apuração.”

POR QUE DEVO ACEITAR?

Como pode um presidente da república, renunciar o cargo para preservar seus direitos (!) políticos e depois ser eleito vereador? Por que devo aceitar um vice do candidato eleito por mim se eu não votei nele? Por que devo aceitar que um sujeito desconhecido, 4º suplente de deputado federal, por exemplo, assuma um mandato na Câmara no lugar do sujeito que eu elegi porque ele foi dirigir uma companhia estatal?

Por que devo aceitar que o vice de prefeito, governador e presidente da república assuma o poder quando o titular viaja para tratar de assuntos econômicos e políticos da minha cidade, ou do meu Estado ou do país? São dois sujeitos com poderes idênticos no mesmo cargo simultaneamente.

Por que devo acreditar em Tribunais de Contas responsáveis por examinar os gastos dos agentes públicos, apontar irregularidades e superfaturamentos em obras e serviços, e tentar evitar que recursos governamentais sejam desperdiçados, se “a maior parte deles” é escolhida por critérios políticos; muitos têm parentes importantes, e há pelo menos dez casos em que a Justiça os afastou da função após descobrir irregularidades, proibindo-os em alguns casos até mesmo de passar a menos de 100 metros da instituição que deveria zelar pela boa aplicação do dinheiro público? É como entregar meu dinheiro para o ladrão cuidar para que ninguém o roube. Conselheiros de Tribunais de Contas, além do salário, têm direito a carro com motorista, diárias, verba para aluguel residencial e até 14º e 15º salários. Y algunas cocitas mas, por supuesto – como se diz em bom portunhol.

Por que um (ou que seja uma) presidente da República deve se preocupar em construir creches? Isso é tarefa de prefeito. Não sou médico nem economista também, mas deles, de treinador de futebol e de louco, dizem, temos todos um pouco. Quem não sabe que se gastar mais dinheiro do que recebe vai ficar devendo alguma coisa? É burro ou perdulário. Quem disse que tirando o IPI do preço dos carros aumenta o consumo e assim baixa a inflação? Aumenta a inadimplência; já que o infeliz proprietário de um carro novo, lá pelo quarto ou quinto mês, não consegue mais pagar a “prestação”. E tem mais. Muitas outras coisas com as quais não concordo e sei que lutar contra elas com o que tenho é o mesmo que dar murro em ponta de faca.

Se o Paraguai invadir o Brasil dando o troco pelo massacre e destruição que o império brasilino perpetrou contra eles, - na época o país mais prospero da América do Sul não dependendo do “apoio” financeiro de nenhum país europeu - por ordem da Inglaterra, que financiava o Brasil desde D. João VI, aliado com a Argentina - corro para o Uruguai – que saiu da guerra quando percebeu que não tinha nada a ver com aquela estupidez – e vou morar em Piriápolis, com essa minha vergonha alheia.

VERGONHA ALHEIA

Delírios a parte, fico com minha vergonha alheia já que não posso me desfazer dela. Existem diversas maneiras de sentir vergonha essa sensação esquisita que quando a gente sente não sabe onde se enfiar. Exceto é claro aqueles que não têm vergonha nenhuma; nem meio pingo de vergonha. Quem sente vergonha sente-se arrasado, infeliz e desorientado com esse sentimento que pode roer-lhe as entranhas. Há diversos tipos de vergonha, e uma delas é a vergonha alheia, tão comum hoje em dia que o efeito é passageiro, na maioria. Todo mundo comenta na hora e depois ela vai passando até que o infeliz sinta a próxima.

Essa vergonha, a alheia, como diz o nome, vem de fora da pessoa envergonhada; foi cometida por outro que não o envergonhado. Geralmente as causas são profundas e vem de longo tempo; mas a gente só sente quando ela estoura de vez. Pega de surpresa e, por isso, pode causar maior impacto como o comportamento de algumas pessoas que me faz pegar nojo. De outras, pego admiração. Peguei nojo, e faz tempo, de gente espaçosa; aquelas que ocupam as três dimensões simultaneamente, (que palavrão!) que roubam o oxigênio num raio de mil quilômetros.

Os exemplos são tantos que perdi a conta e as anotações embora muitos deles não me saem da lembrança. Certa vez numa loja de artesanato numa cidade do nordeste dois turistas gaúchos compravam as pampas e gritavam como quem toca as vacas no campo num petiço sogueiro. Um deles percebeu que eu estava olhando com olhar de nojo e aí sem imaginar que eu era seu conterrâneo, sem dúvida, soltou num berro: “vou levar mais um destes pros tchês lá de baixo”! Ninguém entendeu nada; nem os gaúchos. Mas o que era mais um destes pros “tchês lá de baixo?” Era rapadura, que se comprava em Santo Antônio da Patrulha a caminho da praia, além de sonho e cachaça azulzinha (não sei se ainda é assim). Mais conhecida no nordeste, a rapadura também é conhecida, produzida e consumida na maior parte da América Latina – da Venezuela ao México.Menos no Uruguai e evidentemente que também não em Piriápolis.

Outro nojento de um grupo na praia - aqui ninguém tem que levar as traquitanas pra beira do mar. Tem barracas com tudo. Alias barraca é um nome que ficou pelo hábito, pois algumas são tão, digamos, sofisticadas, que tem piscina – grande, de nadar e mergulhar – garçons, bar, restaurante... Pois um nojento espaçoso e sua turma bebiam cerveja – outro detalhe: são sempre muito geladas – quando um deles levantou-se arregaçou a bombacha até os joelhos e vestido com uma camiseta onde se lia “Sou do Sul”, passou a mão na cuia de mate já cevado, meteu uma garrafa termina no sovaco e foi “chimarrear” na beira do mar. E quando a onda chegava mais alta, dava uns pulinhos! Sei lá pra quê. Mas, pensei, será o efeito da água morna do chimarrão com a cerveja gelada no estômago do nojento?

Dei uma gargalhada. O garçom que passava por perto me olhou e eu perguntei: o que é aquilo? “São os gaúchos”, ele respondeu perguntando. “O senhor é paulista, nénão?” - “Não, respondi, sou do Acre”! Juro pela santa mãe de Sepé Tiaraju!

Num intervalo das minhas escrevinhanças liguei a TV pra saber se o diretor da Petrobras ia ou não ia abrir a boca. Abriu pra dizer que não ia abrir a boca. Babaquice minha! Até as paredes sabiam. Mas, foi no exato momento em que o deputado Onix estava falando, chamando o cara de bandido, agarrado numa cuia de chimarrão e segurando uma garrafa térmica. Isso às 3 horas da tarde numa CPMI do Congresso Nacional.

Não estou negando “minhas raízes”, se é que isso existe; mas sou porto alegrense, onde esse estereótipo de gaúcho (não no sentido de preconceito, mas sim de modelo ou conceito estabelecido como padrão) só se vê na “Semana Farroupilha”. É que não suporto mais gente espaçosa; e aqui onde moro também tem muitas delas. E como tem!

NÃO É PRECONCEITO! É IGNORÂNCIA!

Terminada a disputa “dos eles contra nós”, “dazelites contra os menos afortunados (?)”, do “você é ladrão!” – ladrão é você!”sobrou o debate do resultado, acentuadamente, pelas redes sociais acusando os nortistas e principalmente os nordestinos de reeleger a Russef ou Rousseff (às vezes faço essa pequena confusão, pois os nomes – apenas os nomes, por favor – são tão parecidos!!).Foi uma eleição da esquerda contra esquerda, do sofisma ideológico vigarista, poucos dias antes do fim da Guerra Fria entre socialistas e capitalistas. Nesse domingo, dia 9, o mundo comemora a queda do Muro de Berlim.

O jornal O Globo publicou em editorial que “O desenho esboçado no primeiro turno, com a divisão do país em 2 grandes blocos, recebeu traços mais fortes: grosso modo, o Norte-Nordeste perfilado ao PT, o Sudeste/Sul/Centro-Oeste com a oposição. Fica evidente que o país que produz e paga impostos — pesados, ressalte-se — deseja o PT longe do Planalto, enquanto aquele Brasil cuja população se beneficia dos lautos programas sociais — não só o Bolsa Família —, financiados pelos impostos, não quer mudanças em Brasília, por óbvias razões.”

Bom: primeiro que não é “o Bolsa Família” já que o termo exige o artigo feminino.Como escreveram deve constar “o programa”. Segundo: o que pretendem dizer com “não quer mudanças em Brasília, por óbvias razões”? Que obviedade é essa? Terceiro: penso que é impossível manter um diálogo honesto e inteligente com a estupidez inculta do sectário seja ideológico ou teológico. Leio o que dizem – ou falam – para conhecê-los, mas jamais respondo, discuto, polemizo, essas coisas, com a insanidade.

Entretanto, e dessa vez, “mexeram com as minhas bichas” (quem é gaúcho e dos velhos sabe o que isso quer dizer). Ora, vivo no nordeste há mais de duas décadas, casado com uma nordestina e com ela tenho dois filhos nordestinos. Não saio em defesa deles, pois a eles, essas inutilidades, nem lhes “bate a passarinha”.

O editorial do O Globo sugere que os nordestinos são vagabundos; e vagabundo implica em subdivisões agregadas e indissociáveis de outras maledicências. Não gosto e não aceito esse Brasil político; gosto do outro, que é parte do mesmo sem nenhuma divisão ideológica, mas com suas características regionais. Assim como há em outros países: na Argentina um cordobês jamais desejaria viver em Buenos Aires; pedantes, italianos, falando espanhol e pensando que são ingleses. O pessoal de Trás-Os-Montes e Alto Douro, torcedores do Porto, detestam os lisboetas, em Portugal que não entendem o falar galego d´ls. Na Espanha a região basca tem sua própria língua, o catalão, e o Camp Nou (Campo Novo em espanhol) estádio do Fútbol Club Barcelona. O ETA (Euskati Ta Askatasuna – Pátria Basca e Liberdade) tentou ser outro país durante 51 anos. Foram exterminados em 2011. O tenor Josep Carreras exprime bem tal ideia: "Ser torcedor do Barça vai além do puramente esportivo. É o sentimento de raízes, de valores e de uma identidade de país: a Catalunha". E assim é mundo a fora; ninguém é igual nem há unidade.

A “represidenta” - aprendi com Tio Rei - não foi reeleita apenas com os votos dos nordestinos; ela teve votos em todas as regiões do país e em todos os municípios. Com um pouco mais, ou um pouco menos num e noutro, ganhou na soma total; teve mais votos que Aécio Neto. Só com a diferença de 4 pontos percentuais, quase dentro da margem de erro estatístico não posso nem devemos confiar na “lisura do pleito” mesmo que o Tofóli me puna com multa. Apenas com os votos do nordeste ninguém é eleito Presidente do Brasil. São 38 milhões de eleitores, este ano. Pode fazer a diferença entre perder e ganhar. Por isso é preciso ter votos no sul, sudeste e centro oeste também.

Assunto encerrado; leite derramado chama o gato. A questão agora é saber um pouco mais do nordeste tão apreciado para férias entre os sulistas e os sudestinos e imaginam que nessa parte do Brasil tudo é igual; comidas, sotaques, etc. Não é. Que mora no litoral tem outra estrutura cultural, diversa da de quem mora no sertão – que os sudestinos e os sulistas, na maioria, apenas têm conhecimento, eventualmente, pelo cinema ou pela literatura. Em 1824 A Confederação do Equador, um movimento revolucionário de caráter separatista e republicano Nordeste, reagiu contra a tendência absolutista e a política centralizadora de D.Pedro I, contida na Carta Outorgada de l824, nossa primeira Constituição. Porém, como penso que todos sabem o movimento revolucionário republicano nordestino foi esmagado um ano depois. Como também foi dez anos depois do início em 1835, a Revolução Farroupilha no Rio Grande do Sul e parte de Santa Catarina, por D. Pedro pai. Motivos e causas à parte, muita gente ainda hoje quer separar o Brasil na conversa, nas escritas, nos editoriais de jornais e redes sociais.

Quem não conhece ou pelo menos já ouviu falar em Caetano Veloso, Luiz Gonzaga, Dominguinhos, Sivuca, Jackson do Pandeiro, Alceu Valença, Elba Ramalho, Geraldo Azevedo, Zé Ramalho, Caetano, Gil, Fafá de Belém, Tom Zé, Torquato Neto, Daniela Mercury, Ivete Sangalo, Fargner, Belchior, Ednardo, Reginaldo Rossi, Waldick Soriano, João do Vale, Zeca Baleiro, Alcione, Raul Seixas, Dorival Caymmi e família; a lista é grande. Não é preciso gostar – ou conhecer – todos, mas eles existem, ou existiram.

E no humor de Tom Cavalcante, Renato Aragão e Chico Anysio além de mais da metade dos alunos da antiga Escolinha do Professor Raimundo, todos nordestinos.

Na música erudita, dos compositores Alberto Nepomuceno, Paurillo Barroso, do cearense Eleazar de Carvalho. Ritmos e melodias nordestinas inspiraram Heitor Villa-Lobos. Na Bachiana Brasileira nº 5, na segunda parte - Dança do Martelo – faz referência ao sertão do Cariri, uma região do sertão do Ceará com oito cidade, um milhão de habitantes, 3 Universidades, sendo uma delas Federal,12% da população adulta com curso superior completo,Museu Paleontológico com fósseis de animais que viveram na região há milhões de anos, metrô e aeroporto de porte com voos diretos ao Rio e por toda a região. Além do mais, terra do Padim Ciço Romão Batista.

Na literatura brasileira são nordestinos João Cabral de Neto, José de Alencar, Nelson Rodrigues, Rachel de Queiroz, Gregório de Matos, Graciliano Ramos, Ferreira Gullar, Manuel Bandeira, Jorge Amado, José Lins do Rego, Gilberto Freyre, Ariano Suassuna que a pouco se foi, e Clarice Lispector, nascida na Ucrânia declarava ser pernambucana.

E os jornalistas Ricardo Noblat, Geneton Moraes Neto, Xico Sá, Assis Chateaubriand, Rachel Sheherazade, Audálio Dantas, Lêdo Ivo, Carlos Castelo Branco, o Castelinho – os mais velhos sabem quem foi -, Joel Silveira, Ancelmo Góis, Sebastião Nery, Gervásio Baptista – fotografo das revistas O Cruzeiro e Manchete, o pai do fotojornalismo brasileiro.

E tem mais; muito mais além de políticos, filósofos, militares e de uma centena de profissões e atividades que saíram do nordeste e foram fazer um Brasil mais culto, mais civilizado, mais importante ao lado de brasileiros de outras regiões. Mas, brasileiros, não somos todos iguais e nossas diferenças são muito maiores do que em geral acredita a maioria. Tanto quanto um gaúcho de Horizontina, noroeste do Rio Grande do sul, terra de Gisele Bündchen, onde a maioria de seus habitantes fala dialeto alemão “Riograndenser Hunsrückisch”, não pode ser igualado a outro de Santana do Livramento, na fronteira com o Uruguai, mais perto de Montevidéu do que de Porto Alegre. Também não iguala um mineiro de Belo Horizonte com outro de Uberlândia; esse culturalmente tem mais a ver com um goiano assim com um de Juiz de Fora é quase carioca. Mineiros do Vale do Jequitinhonha mais parecem com nordestinos do Raso da Catarina.

Em Salvador, que os sudestinos chamam de Bahia, tem baiana, tem caruru, tem mungunzá, acarajé, berimbau, candomblé, Olodum, Carlinhos Braum (!) e Ivete Sangalo. Tem saveiro, pescador, peixe e camarão. No sertão não tem. Tem é gente que nem sabe que isso existe. Come outra comida, não dança Axé nem frequenta candomblé. É cristão sertanejo como são todos os sertanejos dos oito Estados nordestinos. Um cristianismo que o sul e o sudeste jamais viu e quando ver não entenderá; sua liturgia,seus cânticos,suas práticas,sua linguagem.

Quando um sulista ou sudestino entrar na caatinga de areia vai sentir o calor seco e sufocante, os arranhões da Jurema e o que é sede. Talvez compreenda por que votam em quem lhes dá um “dinherim” pra compra farinha, café, açúcar, ”água de beber”e se sobrar um “pucadim”, uma alpercata pra um dos “mininim”. Vai entender que esse voto não é igual ao dos pobres sudestinos. Vai entender que esse voto vale mais; é o que lhes garante a vida, ainda que breve, pois é sua única proteção contra a morte. Para eles, o que importa se é esmola? Se é politicagem populista, eleitoreira, “indústria perpétua da seca”? Importa é que o “coroné mandou votá” e o Padim Ciço tá ajudando. É dessa obediência ao cabresto e dessa fé que vem o “dinherim”. Não é da Bolsa Família, mas é a Dilma que manda. O povo, eleitores de todas as classes socioeconômicas, não vota em propostas, em projetos, em direita ou esquerda. Vota em nomes, em quem lhes assegura realizar seus desejos, suas necessidades, suas crenças, suas aspirações. Seja a Neca Setubal ou o Zezim do Bode. E ganha quem pode com meios que justifiquem os fins.

Nota: agradeço a colaboração, nas pesquisas necessárias, de Vulpino Argento, o Demente, suplente de senador, condenado a 45 anos de prisão há poucos meses, mas já gozando as delícias de cumprir a pena em regime aberto.

CESAR CABRAL
Enviado por CESAR CABRAL em 04/11/2014
Reeditado em 12/11/2014
Código do texto: T5023443
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