Sem medo de ser feliz
                Em 1980, no Brasil, surgia um partido político com um programa que sintetizava a experiências dos grupos populares da América Latina. Apontava para um socialismo democrático, absorvia a esperança cristã das comunidades eclesiais de base e das pastorais sociais, relia a história a partir dos empobrecidos, propunha o protagonismo social e político das classes populares e flertava com a revolução sandinista da Nicarágua.
                Anos mais tarde, já no final dos anos 80, quando no Leste europeu o comunismo real fracassou, este partido brasileiro se consolidava como um caminho popular e democrático para as esquerdas que levantavam a bandeira da Ética e a proposta de construção de um país mais justo e igualitário. Nas eleições ocorridas de 1989 a 2002 o lema “sem medo de ser feliz” expressava a qualidade de vida comunitária e social justa e digna para todos. Este partido, o Partido dos Trabalhadores, 35 anos após seu surgimento é ainda detentor de um programa que é maior do que o partido.
                Quando o PT venceu a eleição presidencial de 2002, para governar fez alianças com vários partidos, alguns muito oportunistas que fazem acordo com qualquer um que tiver o poder. Com isso, o PT conquistou o governo, sem alcançar o poder real de guiar os destinos do país. Como afirma Frei Betto, “trocaram um projeto de Brasil por um projeto de poder”, para garantir o que chamam de “governabilidade”. Essa foi a corrupção maior que o PT cometeu: frustrar a esperança de tanta gente e se tornar um partido semelhante aos outros, desprezando o diálogo com a sociedade civil e optando pelos conchavos e pelo sucateamento dos cargos públicos, oferecidos em troca de apoio parlamentar. Isso resultou no abandono dos compromissos programáticos maiores, como Reforma Agrária, respeito à natureza, garantia dos direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais.
                O PT dos políticos não faz mais por merecer a nossa confiança. No entanto, nas bases, nos quadros locais, há muita gente excelente e que prossegue o engajamento nos movimentos sociais transformadores. Felizmente o PT tem bases que continuam vivas e ativas. Essas bases podem estar enfraquecidas e esquecidas pelas cúpulas do partido, mas existem e merecem atenção.
                Nesses dias, 35 anos após a fundação do PT, a imensa maioria dos meios de comunicação e uma parcela considerável da elite brasileira culpam o PT por muitos erros e desvios morais que membros do partido cometeram, mas não o partido enquanto tal. A oposição, de maioria bem à direita, culpa o PT por tudo e qualquer coisa que ocorra de negativo no Brasil. Jogam no PT a culpa por uma cultura de corrupção arraigada na sociedade brasileira e por um sistema econômico iníquo. Algumas das pessoas e grupos que mais acusam são dos que enriqueceram  a partir de sonegação de impostos, corrupção econômica de todos os matizes e ganham fortunas do mesmo governo que tentam destruir. Apesar de não terem moral para tanto, as acusações não podem ficar sem resposta. A sociedade civil mais lúcida, assim como os movimentos sociais organizados, assim o exige.
                Para quem tem fé religiosa, seja em que tradição espiritual for, importa manter a esperança do que os evangelhos chamam de “reino de Deus”, o projeto social e político que Deus tem para a humanidade.. Por isso, mesmo no meio de erros e falhas humanos, é importante saber discernir qual governo e partido tem um programa que melhor se ajuste na direção na direção de um projeto maior de libertação e de justiça. É missão das pessoas de bem e dos grupos sociais exigir dos partidos ditos de esquerda a retomada atualizada de seus compromissos originais e a fidelidade criativa ao programa original.