MAQUIAVEL E AS REFORMAS

Quando o país entra numa fase de reformas, alimenta-se o povo com a esperança de que, no futuro, tudo vai melhorar. As reformas são apresentadas como necessárias para o bem de toda a nação. Em geral, não se esclarece que, muitas vezes, estas reformas se fazem para encobrir desmandos administrativos dos governantes.

Durante um ano e meio, no início de seu Governo, Fernando Henrique Cardoso apregoava que o Brasil, sem reformas constitucionais, seria ingovernável. Depois de algum tempo a conversa já era outra: as reformas seriam necessárias, mas não indispensáveis.

Quando o Governo anuncia reformas, com a colaboração dos canais de televisão, e da mídia em geral, estimula-se, então, uma verdadeira angústia popular por reformas. E o povo fala, sonha, se sacrifica e morre esperando pelas reformas, confiando que, depois delas, tudo será diferente.

Com as reformas o Brasil, finalmente, entrará nos eixos... Isto os políticos (Dilma, Levy e mancumunados...) repetem ad nauseam, iludindo os cidadãos ignorantes e ingênuos. O que se garante? Os atuais aposentados até podem todos estar mortos, mas seus filhos e netos terão uma aposentadoria viável; os atuais trabalhadores até poderão ter dificuldades para matar a fome, mas, no futuro, o salário mínimo aumentará e todos terão abundância; os funcionários públicos, de demônios, passarão a ser anjos, trabalhando melhor com salários justos; acabará a corrupção política; o povo, de ignorante e analfabeto, será iluminado; enfim, do inferno da miséria, doença, ignorância, fome e violência colher-se-ão resultados paradisíacos destas reformas.

No período da elaboração da Constituição de 1988, alimentou-se a mesma expectativa ilusória de que tudo seria renovado na face do Brasil. Prometia-se, e o povo acreditava que o Brasil, em breve, gozaria das maravilhas do Primeiro Mundo. O Brasil se transformaria na “terra sem males”, já sonhada por nossos ancestrais guaranis... Mas, o que aconteceu?

Depois de 1988, a mentalidade brasileira continuou a mesma, e a face do Brasil não foi renovada do dia para a noite. Por quê? Porque propalar que o progresso de um povo depende simplesmente de reformas é um jogo político já ensinado por Maquiavel, há 500 anos. Apregoar que tudo depende de reformas é nada mais do que um maquiavelismo político.

Para provar o supra dito, eis algumas das palavras cruas, que podemos ler nos “Discursos sobre a primeira década de Tito Livio”, escritas por Maquiavel entre 1513 e 1519. Diz Maquiavel: “Quem quer que se torne príncipe... ainda mais quando seu apoio for fraco... o melhor remédio para manter aquele principado é fazer cada coisa nesse Estado de novo... fazer novos governos com novos nomes, com novas autoridades, com novos homens; transformar os ricos em pobres, e os pobres em ricos... edificar novas cidades, desfazer as edificadas, mudar os habitantes de um lugar para outro; em suma, não deixar coisa alguma intacta...”

Eis o espírito maquiavélico das reformas indispensáveis. Mudar tudo para que o ponto de referência da vida do povo seja unicamente o Príncipe reformador. Na liguagem de Lula: “Nunca antes neste país...”; na linguagem de Dilma: “Nós”... retiramos milhões da miséria... “Nós”... aumentamos o salário mínimo... “Nós, Nós, Nós...!”

Ao que parece, o espírito de Maquiavel se encarnou, mais uma vez, na política brasileira: reformas, reformas, reformas...

Não estou aqui me posicionando contra qualquer reforma. É próprio do ser humano se reformar. Até as instituições mais conservadoras, como a Igreja, necessitam de constantes reformas. Penso, no entanto, que nossa Presidente, juntamente com o Congresso Nacional estariam em melhores lençóis se, em vez de buscarem tantas reformas, se preocupassem primeiramente em observar a Constituição, regulamentando-a mais plenamente. Enfim, a Presidente, no dia de sua posse, jurou observar a Constituição do País. Ela não jurou reformá-la! O problema do País não é a necessidade de reformas, mas a consciência e a cultura de cidadania.

Inácio Strieder é professor de filosofia. Recife- PE.