Aniversário das manifestações populares de junho e julho de 2013: Existe algo para se comemorar?

Há dois anos o povo ocupou as ruas para mostrar sua insatisfação. Insatisfação com o cotidiano da vida, com o descaso com que o poder público trata as carências da população.
Mais do que insatisfação, indignação com a forma de atuação da classe política.
Todos se recordam que a coisa começou com a revolta popular motivada pelo aumento das passagens do transporte público (capitalizada pelo Movimento Passe Livre) para, em seguida, espraiar-se por diversas outras reivindicações (lembra-se do slogan “Não é pelos vinte centavos”?).
E terminou por deixar uma mensagem clara de descrédito na classe política e de reprovação dos governantes em todos os níveis.
Pois bem. No transcurso daqueles dias escrevi no meu blog (http://lucabarbabianca.zip.net)  algumas considerações sobre o momento singular que vivíamos.
Abaixo reproduzo o referido texto (em itálico) como mote para provocar novas reflexões. Após dois anos houve mudanças na conjuntura? Existe algo para se comemorar?

Manifestações Populares.

Bertioga, fim de tarde da quinta-feira, dia 20 de junho de 2013.
Bertioga realiza sua manifestação como tantas que temos visto Brasil afora nestes últimos dias. Minto; aqui foi diferente de todas as outras. Nenhum incidente. Nenhum ato de vandalismo. Nenhum enfrentamento entre manifestantes e polícia.
O povo de Bertioga não está menos indignado com a corrupção na política do que estão os gaúchos, cariocas ou mineiros.
Bertioga está longe – muito longe – de ter serviços públicos de primeiro mundo. Temos graves problemas na saúde, na educação, na segurança, no transporte. Não nos faltam problemas, inclusive de gestão ineficiente das políticas públicas. Como tantos outros brasileiros, de norte a sul do país, também estamos indignados com os desmandos e já não nos sentimos representados pela classe política. Também nós estamos cansados de ver a coisa pública ser tratada como privada.
Esse recado estava no brilho do olhar de todos e de cada um dos que foram para a rua.
Aqui houve algo de diferente.
Bertioga se constituiu em exemplo para o Brasil. Exemplo de urbanidade. Exemplo de civismo.
Bertioga mostrou que é possível reivindicar dentro da lei e da ordem. Civilizadamente. Democraticamente.
Está de parabéns o povo de Bertioga.
Está de parabéns, acima de tudo, a juventude de Bertioga que terá, daqui para frente, a responsabilidade de encontrar novas formas de participação política para continuar a construção de uma Bertioga melhor para todos.

Bertioga, começo da manhã da sexta-feira, dia 21 de junho de 2013.
Ouço na Praia FM, como faço toda sexta-feira às sete da manhã, o programa Praia Sustentável com a presença do pessoal do Movimento Voto Consciente.
O amigo Udo Stellfeld é o entrevistado do dia.
Logo no começo do programa fico sabendo, entre surpreso e triste, que a manifestação da tarde e noite de ontem teve sim seus lamentáveis incidentes.
Como em todos os outros eventos deste Brasil, o de nossa cidade não foi imune à presença indesejável de uma minoria de baderneiros partidários da violência. Infelizmente.
Mas, por outro lado, esses episódios pontuais não tiveram maiores consequências. Felizmente.
Já podemos arriscar algumas considerações sobre tudo que está ocorrendo nas ruas e, inclusive, tirar umas poucas conclusões.
A primeira coisa a considerar é que movimentos de reivindicação que começam de forma democrática e civilizada podem caminhar no sentido da desordem generalizada e ficarem definitivamente sem foco. Pior: se descambam para a violência e para o vandalismo raivoso, corre-se o risco de ruptura institucional.
Já se sabe para onde esse caminho nos pode levar.
Inocentes úteis serviram de massa de manobra para o golpe de 64 que instalou entre nós a tortura como política de estado sob as botas da ditadura militar.
O que a voz vinda das ruas está expressando é o desejo de mais democracia, de mais transparência no trato com a coisa pública, de mais ética na política.
Queremos mais.
Queremos avançar nas conquistas democráticas e não retroceder ao obscurantismo de um poder discricionário qualquer.
A segunda coisa que estamos aprendendo é que daqui para frente precisaremos de correções de percurso.
Nas democracias representativas – como é o caso brasileiro – o povo é representado por aqueles a quem escolhe pelo voto.
O povo não exerce a democracia diretamente, sua vontade é intermediada por esses representantes eleitos.
E não é o bastante eleger um representante pelo voto.
A eleição é apenas um momento do exercício democrático. É preciso acompanhar o trabalho desse candidato eleito. Avaliar se sua atuação é consequente com suas propostas de campanha. Em resumo, ver se ele faz por merecer o nosso voto.
Mas, além disso, os indivíduos possuem o direito de participar da vida em sociedade e exercer influência sobre as decisões que dizem respeito a todos.
Pressionar o poder pelo atendimento das demandas é perfeitamente legítimo. A Lei 9840 – Lei da Ficha Limpa – jamais teria sido aprovada se não tivesse havido mobilização da sociedade.
O terceiro ponto sobre o qual pretendo dizer algo é do âmbito do município.
Hoje o verdadeiro poder é local. No lugar onde moramos, na cidade – seja no ambiente urbano ou no rural – é que se encontram as nossas demandas por serviços públicos. Pelo Posto de Saúde, pelo Hospital, pela Creche, pela Escola e, também, pela segurança, pela iluminação, pelo transporte. São demandas tangíveis, objetivas.
Alguém já disse que a educação só é legítima quando se propõe a edificar a cidadania em relação ao indivíduo e a democracia em relação à sociedade.
Para finalizar, duas palavras.
Escrevi ontem e repito hoje: temos agora a responsabilidade de encontrar novas formas de participação política para continuar a construção de uma Bertioga melhor para todos.
Falei principalmente para nossa valorosa juventude que deu seu recado e não pode ficar só nisso.
Acrescento hoje: movimentos reivindicatórios tendem ao rápido esgotamento tão logo seja atendida a demanda que os motivaram.
As pessoas têm mais o que fazer e logo vão cuidar das suas vidas.
E por mais que os políticos se assustem com o clamor popular, reorganizam-se rapidamente, solidários e corporativistas.
Estamos cansados de ouvir dizer que “a democracia é o pior sistema, exceto todos os demais”, portanto, mãos à obra.
Democracia é participação.
Inúmeras são as formas de participar asseguradas pelo estado democrático de direito. Os cidadãos podem ir às sessões da Câmara para acompanhar os trabalhos, podem compor os Conselhos (Saúde, Educação, Segurança e outros), participar nas discussões do orçamento municipal entrar para associações de bairros. Estudantes podem se organizar em grêmios estudantis e diretórios acadêmicos. Trabalhadores podem se organizar em sindicatos e entidades de classe. Todos podem integrar partidos políticos, ONGs e os mais diversos movimentos como o MVC – Movimento Voto Consciente, Movimento Ficha Limpa e Movimento pela Ética na Política.
E o cerne da participação política no município é a Câmara de Vereadores, a chamada ‘Casa do Povo’. É a sucessora da Ágora, a Praça de Atenas, na velha Grécia, berço da democracia.
Na Casa do Povo as reuniões são públicas e todo e qualquer cidadão pode acompanhar as discussões.
Este é o caminho democrático e há muito por fazer.