PARLAMENTARISMO PODE SER SOLUÇÃO PARA CRISE POLÍTICA NO BRASIL? SIM ou Não?

PARLAMENTARISMO PODE SER SOLUÇÃO PARA CRISE POLÍTICA NO BRASIL? SIM. (Folha de São Paulo-19/03/2016)

SISTEMA MAIS FLEXÍVEL E DINÂMICO

A grave crise política que toma conta do Brasil possui diversos fatores: econômicos, financeiros, políticos, eleitorais e até mesmo criminais. É temerário crer que existam soluções simples para problemas complexos. Não há dúvida, porém, de que a rigidez do sistema presidencialista seja um obstáculo à superação da crise.

O Senado Federal aprovou a criação de uma comissão especial para debater o tema e formular uma proposta de sistema de governo de matriz parlamentarista. Essa comissão foi temporariamente suspensa para que o tema, tão importante para o futuro do país, não seja contaminado pela conjuntura política atual.

Prevalece a opinião de que qualquer proposta, depois de promulgada pelo Congresso Nacional, deverá ser submetida a referendo popular. A ideia é que o novo sistema entre em vigor a partir do próximo pleito presidencial.

O semipresidencialismo, como é chamado o sistema misto que combina características parlamentares e presidenciais, parece adequado ao Brasil. O presidente da República, chefe de Estado, continua sendo eleito diretamente pelo povo e mantém poderes efetivos de participação nas questões políticas e governamentais. No entanto, não concentra tantos poderes como no regime presidencialista. A direção geral do governo cabe ao primeiro-ministro, chefe de governo, nomeado pelo presidente com base na composição majoritária do Congresso.

Há uma interdependência entre os Poderes Executivo e Legislativo. De um lado, a sustentação do governo depende do apoio da maioria parlamentar; de outro, a falta de apoio às políticas formuladas pelo Executivo pode levar, em determinadas circunstâncias, à dissolução da Câmara e à convocação de novas eleições parlamentares.

Nesse caso, o povo será chamado a escolher outra Câmara, que terá influência decisiva na formação do novo governo.

Esse desenho político-institucional tem muitas vantagens. É mais flexível, dinâmico e adaptável às circunstâncias econômicas, políticas e sociais. Permite a troca de governos ineficientes e impopulares de forma mais ágil, sem o risco de rupturas institucionais ou a ocorrência de processos traumáticos, como o impeachment. A alternância de poder ocorre naturalmente, sem sobressaltos e sem a rigidez de um prazo fixo para o mandato do governo.

O sistema exige de parlamentares e partidos políticos, inclusive da oposição, consistência, responsabilidade com os assuntos governamentais e trabalho de modo mais construtivo. Isso porque, na iminência de uma demissão do governo ou de uma nova composição parlamentar, todos devem estar prontos para assumir o poder.

O semipresidencialismo pode, perfeitamente, ser desenhado para dar mais estabilidade ao exercício do poder. Há instrumentos jurídicos e políticos para isso, como a "moção de censura construtiva", que existe em outros países, além de limitações temporais e materiais ao exercício dos poderes de demissão do governo e de dissolução da Câmara dos Deputados.

É evidente que crises surgem no presidencialismo e no parlamentarismo. Não se resolvem apenas pela virtude interna de um ou de outro sistema político.

O parlamentarismo é um sistema evolutivo, que vai se consolidando com a prática e o fortalecimento da democracia. Se é verdade que as regras, sozinhas, não moldam instituições, também é certo que elas podem ser reformadas para que assegurem, cada vez mais, os princípios que estruturam o Estado democrático, como os da transparência, estabilidade e legitimidade.

ANTONIO CARLOS VALADARES, 72, é senador (PSB/SE), líder do PSB no Senado Federal. Foi governador de Sergipe (1987-1991)

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PARLAMENTARISMO PODE SER SOLUÇÃO PARA CRISE POLÍTICA NO BRASIL? Não (Folha de São Paulo-19/03/2016)

UM OUTRO GOLPE BRANCO

Vivemos uma brutal crise política e econômica, e a presidente da República tem se revelado completamente inapta para a incumbência que o cargo requer neste momento.

Híbrido de burocrata e militante, sem vocação política propriamente dita, o que exige a capacidade de liderar politicamente e estabelecer soluções de compromisso, Dilma se mostra impotente para dar rumo a seu governo, a seu partido ou à coalizão que lhe dava sustentação.

Em vez disso, oscila entre o voluntarismo militante e o autoritarismo do chefe burocrático que, em vez de liderar, dá ordens aos berros.

Os escândalos de corrupção, por sua vez, que se originam nas transgressões de diversos partidos -mas provocam mais danos no PT-, tiveram o condão de solapar a legitimidade governamental, levando às ruas milhões de pessoas que pedem a saída de Dilma.

Neste contexto, o impeachment aparece para muitos como solução inescapável, não fosse por um terrível detalhe: sem que se configure claramente a culpa da presidente por crime de responsabilidade, o impedimento torna-se um golpe branco.

E nem todas as características negativas da ocupante do cargo, ou mesmo os resultados ruins de sua gestão, são justificativas plausíveis para sua cassação pelo Congresso. Logo, é compreensível que, em tal cenário, ressurja a discussão sobre a adoção do parlamentarismo como sistema de governo.

Nesse regime, o afastamento de um chefe do Executivo inepto ou mergulhado em impopularidade não precisa ter como base o cometimento de um crime, mas apenas a consideração, pela maioria do Parlamento, de que não é mais politicamente desejável mantê-lo no posto. Vota-se pela sua desconfiança e nomeia-se outro para o seu lugar.

Alternativamente, pode-se dissolver o Parlamento, convocando novas eleições legislativas e forçando um cenário mais favorável ao governo, mas que também pode culminar na substituição do gabinete.

Embora possa fazer algum sentido como proposta para reforma futura, a adoção do parlamentarismo como remédio para a presente crise seria, porém, outro golpe branco. Afinal, não é lícito numa democracia mudar as regras do exercício de um mandato obtido nas urnas enquanto ele ainda está em vigor.

Seria um arremedo da resposta ao veto militar a João Goulart, após a renúncia de Jânio Quadros, em 1961. Naquela ocasião, deu-se posse a um vice-presidente esvaziado de poderes; hoje, isto significaria manter a presidente no cargo como mera peça decorativa, apesar de o mandato obtido nas urnas ter outra natureza.

Contudo, mesmo a discussão do parlamentarismo como proposta para o futuro padece de um sério problema de legitimidade. Afinal, trata-se de uma alternativa rejeitada em plebiscito duas vezes (em 1963 e 1993), em

ambas com uma votação contrária avassaladora: 77% dos votos totais na primeira ocasião e 55% na segunda (82% e 69% dos votos válidos, excluídos brancos e nulos, respectivamente).

Tendo em vista esse histórico de rejeição popular ao parlamentarismo, apesar de suas inegáveis qualidades intrínsecas, aprimorar nosso sistema presidencial faz mais sentido. Nessa direção, poderíamos iniciar uma discussão sobre a adoção do recall, uma "deseleição" do chefe do Executivo a ser convocada em situações como a atual.

Adoção recente desse instrumento se deu na Califórnia em 2003, quando o mal avaliado governador Gray Davis foi removido do cargo por votação popular. Seria uma forma, menos sujeita a questionamentos sobre sua legitimidade, de sair de impasses no presidencialismo; afinal, não requer justificativas de ordem judicial e cabe ao próprio povo, democraticamente, decidir.

CLÁUDIO GONÇALVES COUTO, 46, é professor de ciência política da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e secretário-executivo da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS)