Salada insossa

Carros luxuosos adentram o Palácio do Jaburu. Seguidos por outros, também novos e pretos, cuja cor parece realçar o luxo, servindo de escolta ou ajudando no transporte de políticos para a cooptação. Num hotel próximo dali, políticos são recebidos no saguão, ou em espaços mais apropriados, com a mesma finalidade.

Monta-se depois o inusitado circo na Câmara dos Deputados. Mas ao invés das brincadeiras dos palhaços ou das versatilidades dos malabaristas, nos damos conta ao longo da sessão do preparo de uma salada de frutas sem caldo, destemperada ou de sabor insosso. Em que podem ser destaque:

o discurso de uma deputada, que não poderia ser a filha de Gandhi, destilando pela boca ódio aos adversários e fazendo uso da mesma retórica de seus pares para chamar seus oponentes de fascistas, reacionários, revanchistas, inimigos do povo trabalhador, golpistas, etc., como se estivéssemos em pleno vigor do odioso regime ditatorial implantado em 64, quando ela obviamente não teria grandes chances de falar isso; e

o esclerosado discurso de um deputado, totalmente desantenado com uma parcela mínima de cidadania, que teve a infeliz ideia de prestar homenagem a um oficial cujo único brilhantismo foi o de se ter tornado num dos mais cruéis torturadores dos que surgiram com a implantação do regime militar. “Eles perderam em 64 e vão perder agora”, esquecendo-se de que quem perdeu em 64 foi o país, com a debandada para o exterior, por exemplo, de cientistas e figuras de destaque do nosso meio intelectual.

Identificamos também nos discursos dos que procuram sustentar o governo a reiterada menção a Brizola, de fato uma liderança cuja estatura política há de ser por muito tempo lembrada e admirada. Só que foi Brizola quem alcunhou Lula de “sapo barbudo”, além de garantir numa de suas entrevistas que o homem sem um dos dedos da mão não gostava de trabalhar. O que pode ser comum a muitos políticos, sobretudo os profissionais, cujo trabalho maior se dá através da versatilidade talentosa da lábia. Como registramos nas palavras dos que se opõem ao governo as repetidas referências a Deus e aos familiares, faltando apenas a menção ao que possuem, pelo seu total descabimento, para a configuração do temível espectro da TFP com suas ações que dispensam comentários.

Em todo o caso, sempre se aprende muito com o tempo que se perde, assim como com o que se ingere. No caso da salada de frutas, a importância de que ela seja feita com frutas frescas e maduras, colhidas preferencialmente na liberdade dos galhos da árvore.

Maricá, 18/04/2016

Aluizio Rezende
Enviado por Aluizio Rezende em 18/04/2016
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