Não devemos agradecer pelo serviço que nos foi prestado?

Não é de hoje que temos visto uma ostensividade discursiva nas redes que é muito forte, mas além delas vêm os escritos que julgam e criminalizam as boas práticas do comportamento humano, o que me parece quase incompreensível, visto que o discurso no campo político deveria tender a um fim utilitário. Tem um “artiguete” intitulado “Se você tem gratidão a algum político, você é um idiota.”, artigo que me fez refletir um bocado.

No citado escrito, uma apologia à mesquinhice e à indiferença parece reforçar o discurso que na luta de classes direcionada ao instinto de subversão transforma-se em ódio. Não podemos, segundo o escrEtor, agradecer por um serviço que é obrigação da prestadora de serviço, não podemos da mesma forma ser gratos a um político que fez o que foi designado para fazer. Me pergunto qual o tipo apelativo de pessoa apela para uma apologia à separação alegando que quem contrata o serviço não deve ter sentimento de gratidão por um movimento resultado de um esforço.

A ideia da obviedade de uma ação remunerada é errônea. No sentido idôneo da sentença nós não precisamos romancear dizendo que os grandes pensadores e poetas só escreveram o óbvio, mas, sim, aprofundando-nos nesta preposição tendemos a concordar que o que parece óbvio só o é após a foto, após o registro, e eu me refiro agora ao registro feito dentro de qualquer campo da ciência ou da arte, pois até a exposição deste registro muitas coisas não pareciam nada óbvias, como a possibilidade da TV a cores (para ser óbvio). Neste exemplo eu me refiro a uma obviedade temporal, onde também existe a obviedade que trago na referência de Bertold Brecht, quando remonto em novos tempos a mesma necessidade de defender o óbvio que o assustou em seu tempo. Existe também, é claro, a obviedade necessitária para cognitivos demasiado rudes e insensíveis que ignoram a própria necessidade de prosseguir a humanidade se – humanizando - .

Nas palavras de quem escreveu a falácia, a ocorrência proposital de um erro que subjuga a racionalidade do leitor quando afirma que ao comprar numa lanchonete nós estaríamos ironicamente sendo obrigados a agradecer o dono ou ao “mascote”, símbolo da rede de fast food, quando na verdade, num estudo organizacional, fica claro que existe atualmente uma grande atenção (prática ou teórica, não importa) ao cliente interno nas empresas, exatamente pelo fato de serem eles o corpo de pessoal responsável pelo contato direto com os clientes. Me refiro ao fato dos próprios especialistas e estudiosos da área de talentos humanos (antigo RH) reconhecerem a importância de quem efetua o contato direto com o consumidor. Se dentro das organizações existe a assertividade desta lógica, como poderíamos nós como trabalhadores ou como compradores ou contratantes, discordarmos em prol de um discurso que passa ele sim a equiparar-se a um regime, um regime de separação? Estamos além do discurso humanista ou sentimental, não que os mesmos sejam irrelevantes, mas assim, da forma como me foi exigido, com os devidos diplomas.

Existe também a impressão do escritor que deixar de agradecer alguém que esteja dispondo de um atendimento não muda a condição de desfrute do agente. Ou seja, aquelas aulas básicas de psicologia sobre reforço positivo e reforço negativo ficam portanto descartadas. O que eu quero dizer com isso? Uma pessoa escolhe um ramo de atividade que gosta, que aprecia, por um motivo de retorno além do financeiro. Caímos novamente no estudo das relações de trabalho, na pirâmide de Maslow, no que os estudos a partir dele tendenciaram a defender, que a autorealização é, não o único, mas o grande valor buscado por um trabalhador ou aspirante em relação ao seu projeto funcional numa organização. Essa organização acaba por ser também uma organização política, o que me faz lembrar da ideia de vida política trazida por Aristóteles em seu livro “Ética a Nicômaco”, que tem tudo a ver com o que estamos falando, pois fala da busca pessoal pelo reconhecimento, pela honra através da sua virtude. Então, qual reconhecimento como fim e qual virtude que ausente de reconhecimento sustentará o gostar como elemento eterno? Parece claro aqui que o gostar pede manutenção. Uma manutenção que não será feita com o ignorar e a ignorância de um coletivo de contratantes.

Fui acusado de não ser suficientemente científico em minhas ponderações, antes disso eu havia relatado minha indisposição de dedicar novamente atenção às falaciosidades facebookianas, mas eu, assim como um trabalhador em sua função, sou detentor de um ego. Mas voltando ao texto compartilhado na página “Socialista de Iphone”, digo que irei ignorar o desvio do ponto focal do autor com fita para o mensalão, pois ficou extremamente cansativo relembrar continuamente qual foi o único governo que permitiu investigações sobre este e outros mais esquemas de corrupção que remontam a governos anteriores.

Cito também a apelação do autor quando ironiza a importância dos projetos sociais, insistindo que não devem os beneficiários destes programas estarem gratos, ainda que muitos acreditem que poderiam estar piores. Eles de fato poderiam, como de fato vinham piorando durante o segundo mandato do FHC. Quem sabe o próprio autor da matéria não fosse carente do Bolsa Família se não houvessem sido reforçadas as condições de emprego e empregabilidade, de especialização e acesso à universidades, de aceleração e crescimento da econômica. Os “textões” se intensificaram e devem se “reentensificar” ao passo que o que era considerado um risco, hoje transformou-se em perigo. Estes dois termos tem uma diferença – óbvia? - , por exemplo, o risco de se calcular as condições climáticas para um salto de paraquedas e o perigo de saltar em meio à tempestade.

Então, há sim a necessidade de responder aos golpes e separarmos dois conceitos que o escritor desta matéria não soube diferenciar: a bajulação e a gratidão. Estar grato não quer dizer que estiveram cessadas as lutas de representatividade, tanto que os sindicatos representativos nunca deixaram de fazer suas exigências, muito pelo contrário, havia cobrança porque havia também uma identificação da possibilidade de se reaver um lugar de direito dentro da sociedade. Foi colocado o termo bajulação no final do discurso, mas ele não foi colocado antes com o que seria, segundo o autor, a definição ou a congruência da palavra com os atos que a justificariam no emprego, o que me deixa decepcionado dada a baixeza da improvisação de quem tenta formar opinião neste artigo.

Se eu precisava fechar três páginas para mostrar que eu não estou acomodado, Se eu precisava avançar às duas horas da madrugada para dar alguma prova de que não dormi ainda, que portanto eu acorde mais alguém. É claro que existem e são de fato necessárias mais muitas palavras para serem pronunciadas com relação a nossa situação política e a questão da representatividade política, partidária ou não, mas também com relação a situação “apolítica” que só tende a atacar um lado, uma vertente, esta condição curiosa que eu já apelidei recentemente alhures, no entanto, sabemos todos nós que textos longos não são prediletos, textos muito longos, muito menos o são.

Enfim, desejo paz, e desejo paz como produção dos outros também, pois esta, acredito eu, é o fator a ser compartilhado e aplaudido.

Deixo o link do “artiguete” burlesco que pediu minha apreciação:

http://neolibs.com.br/se-voce-tem-gratidao-a-algum-politico-voce-e-um-idiota/