Um indivíduo que ora é tido como cidadão, ora como idiota

Quando li O Sari Vermelho de Javier Moro, onde ele descreve uma Índia que fora “administrada” por um governo corrupto e incompetente, eu, involuntariamente, relacionava com os governantes brasileiros, mas sentia um pouco de culpa e me perguntava: será que não estou fazendo uma injustiça; afinal, a Índia tem mais de um bilhão de habitantes e é constituído de várias castas.

Mais tarde li Tentações do Ocidente de Pankaj Mishra, que também é escritor e nasceu no norte da Índia em 1969 e, em seu livro ele também descreve várias situações políticas e sociais com o jeitão do Brasil. E, mais uma vez, aflora a tentação da teoria do relativismo. “Mas que diabo”, que mania é essa? No Brasil não é tanto assim... Penso que somos um pouco mais civilizados.

Pois, hoje, assistindo ao programa da GloboNews Especial, ás 11 horas e 05 min, com a repórter Renata Lo Prete, sobre a delação de executivos da Odebrecht, dentro do processo da operação Lava-Jato, as sensações de culpa que tive ao pensar em fazer comparações entre a Índia corrupta do livro de Javier Moro e o Brasil se confirmaram com a reportagem em questão. Ufa, exorcizei o demônio da culpa. Mas, no contraponto, surgiu uma outra culpa, a de me sentir um idiota. Mas pelo menos esta eu posso administrar, talvez com terapia de grupo ou algum medicamento tarja preta.

Mas o mais importante é que passamos a entender porque faltam grampos para regular o fluxo do soro que é injetado nos pacientes do SUS, porque se mata mais aqui que no Iraque, porque temos 12% de analfabetos e 45% de analfabetos funcionais, 12 milhões de desempregados, uma Petrobras que só não quebrou porque é estatal, porque 60% das residências não tem esgoto... A Índia narrada por Javier Moro e por Pankaj Misha tem tudo a ver com a foto que transformo em palavras.

Como num efeito de grande esforço nacional, os governantes e “políticos” provocam a metamorfose de um país que tem tudo para ser uma grande potência, num país de terceiro mundo, que alguns, de modo eufemista, chama de emergente. Mas emergente em quê? Na safadeza, no desrespeito ao trabalhador que vive o estigma do pavor do desemprego, nas diferenças e regalias entre os amigos do rei e que não tem o privilégio de viver no condado?

Mas no papel de homo erectus e indignado vou continuar a gritar, e gritar muito. Talvez poucos ou ninguém me ouça, mas pelo menos alivio a minha psique e, na contrapartida, espero que mais pessoas pensem se são tratados como cidadãos ou idiotas.