A Reforma Trabalhista e o alargamento do precariado e do endividado no Brasil.

Diante das imposições vindas "de cima para baixo", ordenadas pelo imperialismo neoliberal das grandes corporações ás economias (principalmente as emergentes), o governo Temer, cujo, despreocupado com a impopularidade e com as futuras eleições, tem-se aproveitado deste cenário no Brasil, para levar a cabo estes interesses elitistas e patronais, ameaçando as grandes conquistas trabalhistas e promovendo um tipo de trabalhador "precarizado" no seio da classe trabalhadora.

A pauta atual que vem sendo globalizada pela ideologia neoliberal, é a da flexibilização. Com o argumento de modernizar as relações trabalhistas do século XXI, esta pauta busca na verdade prevalecer o poder do patronato sobre o sindicato, ou seja, prevalecer a voz do patrão sobre a do empregado, além de dizimar a condição de assalariado dos trabalhadores e condicionar-lhes á um novo tipo de exploração.

A REFORMA

Conforme foi dito, esta pauta vem sendo implantada no Brasil por um governo impopular que, através de reformas, busca eliminar as garantias trabalhistas. Trataremos neste texto especificamente a reforma trabalhista, evidenciando como resultado, o alargamento de dois agentes econômicos que já são presentes na classe trabalhadora: o precariado e o endividado.

Em busca de alterar mais de 100 artigos da atual CLT, vigente desde 1943, a reforma trabalhista é uma ameaça para a segurança do trabalhador, seja no âmbito profissional, seja no cotidiano de suas vidas.

Conforme nos mostra o parágrafo 3, do artigo 8, onde que:

" § 3º No exame de convenção coletiva ou acordo

coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho analisará

exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais

do negócio jurídico, respeitado o disposto no art. 104

da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código

Civil), e balizará sua atuação pelo princípio da

intervenção mínima na autonomia da vontade

coletiva.”( BRASIL, 2016, p.2).

Ela busca retirar o contraponto judicial da Justiça do Trabalho, como mediador das relações trabalhistas, trazendo aos contratos de trabalho insegurança ao trabalhador e maior poder nas mãos dos patrões. Esta chamada "convenção coletiva", tomará o papel da atual CLT e prevalecerá mediante á ela.

Conforme expõe o artigo 611-A:

“Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo

coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre:

I – pacto quanto à jornada de trabalho,

observados os limites constitucionais;

II – banco de horas anual;

III – intervalo intrajornada, respeitado o

limite mínimo de trinta minutos para jornadas

superiores a seis horas; (...)

V – plano de cargos, salários e funções

compatíveis com a condição pessoal do empregado, bem

como identificação dos cargos que se enquadram como

funções de confiança; (...)

VII – representante dos trabalhadores no

local de trabalho; (...)

IX – remuneração por produtividade,

incluídas as gorjetas percebidas pelo empregado, e

remuneração por desempenho individual; (...)

XII – enquadramento do grau de insalubridade;

XIII - prorrogação de jornada em ambientes

insalubres, sem licença prévia das autoridades

competentes do Ministério do Trabalho;

XIV – prêmios de incentivo em bens ou

serviços, eventualmente concedidos em programas de

incentivo;

XV – participação nos lucros ou resultados

da empresa." (BRASIL, 2016, p.29-31).

Portanto, nestas questões prevalecerá não o que consta na CLT, mas o que deseja o patrão como condição de trabalho. O poder que o patrão tem faz parte da velha lei de "oferta e demanda", onde que com a atual taxa de desemprego, ou a formação do exercito industrial reserva (aos termos de Marx), em que "uma sobrepopulação operária é produto necessário da acumulação ou do desenvolvimento da riqueza numa base capitalista (...)" (MARX, 2008) traz ao patrão a capacidade de escolher dentre tantos desempregados, podendo assim implantar condições precárias de trabalho que visem seu lucro.

Além de medidas que eliminam diretamente a regulamentação da CLT, no processo de acordo do trabalho, o projeto de lei, que deve ser implantado, também elimina cirurgicamente pequenas garantias da CLT, revogando dela alguns artigos como nos demonstra o artigo 5, do projeto:

" Art. 5º Revogam-se:

I – os seguintes dispositivos da Consolidação das Leis

do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de

maio de 1943:

a) § 3º do art. 58;

b) § 4º do art. 59;

c) art. 84;

d) art. 86;

e) art. 130-A;

f) § 2º do art. 134;

g) § 3º do art. 143;

h) parágrafo único do art. 372;

i) art. 384;

j) §§ 1º, 3º e 7º do art. 477;

k) art. 601;

55

l) art. 604;

m) art. 792;

n) parágrafo único do art. 878;

o) §§ 3º, 4º, 5º e 6º do art. 896;

p) § 5º do art. 899;" (BRASIL, 2016, p.54-55).

Dentre as revogações, podemos verificar o quão perversa é a reforma aos trabalhadores, por exemplo, na singela revogação do artigo 384 da CLT, onde que:

"Art. 384 - Em caso de prorrogação do horário normal, será obrigatório um descanso de 15 (quinze) minutos no mínimo, antes do início do período extraordinário do trabalho." (BRASIL, 1943).

Ou seja, se o trabalhador prorrogar mediante hora extra a sua jornada, não será mais obrigatório á um período de descanso ao que ele trabalhará.

EFEITOS DA REFORMA

Estudiosos dos atuais efeitos causados, pela pauta neoliberal, na classe trabalhadora europeia, o economista britânico Guy Standing e o marxista italiano Antônio Negri, demonstram em seus respectivos livros: " O precariado: a nova classe perigosa" e "Isto não é um manifesto", a formação de novos agentes econômicos, que emergem da classe trabalhadora assalariada; o precariado e o endividado. Formação já iniciada no Brasil e que pretende se alargar.

O PRECARIADO

O precariado, segundo Guy Standing, emerge da flexibilização globalizada do trabalho, "que passou a significar uma agenda para a transferência de riscos e insegurança [antes das empresas] para os trabalhadores e suas famílias.". Tendo como " resultado(...) a criação de um precariado global, que consiste em muitos milhões de pessoas ao redor do mundo sem uma âncora de estabilidade". (STANDING, 2013, p.15).

O surgimento deste trabalho precário, chamado de flexibilização, possui diversas dimensões (presentes também na reforma), como Guy Standing nos demonstra:

" A flexibilidade tinha muitas dimensões: flexibilidade salarial (...); flexibilidade do vinculo empregatício (como a reforma) significava habilidade fácil e sem custos das empresas para alterarem os níveis de emprego, especialmente para baixo, implicando uma redução na segurança e na proteção do emprego; flexibilidade do emprego significava ser capaz de mover continuamente funcionários dentro da empresa e modificar as estruturas de trabalho com oposição ou custo mínimos; flexibilidade de habilidade significava ser capaz de ajustar facilmente as competências dos trabalhadores."(STANDING, 2013, p.22).

Tais dimensões evidenciam que a flexibilidade empodera as empresas. A mais visível na reforma trabalhista é a flexibilidade do vinculo empregatício, que passa ao patronato todo o controle do acordo empregatício.

Presente no mesmo kit de reformas impopulares, está a terceirização, que busca alienar cada vez mais o trabalho e distanciar de seu conhecimento, o trabalhador.

Onde que: “Art. 10. Qualquer que seja o ramo da empresa tomadora de serviços, não existe vínculo de emprego entre ela e os trabalhadores contratados pelas empresas de trabalho temporário." (BRASIL, 2017) - Esta falta de vinculo e conhecimento do trabalhador em relação ao seu patrão, resulta também em uma atividade precária, assim como coloca Standing: " Muitos que passaram para parte do precariado não conheceriam seu empregador ou sabiam quantos companheiros empregado tinham ou provavelmente teriam no futuro." (STANDING, 2013, p.22).

Perdendo assim, a sua dimensão no trabalho, o precariado é o trabalhador que acaba por possuir uma mente precarizada, sendo definido " pelo curto prazismo, que pode evoluir para uma incapacidade da massa pensar a longo prazo, induzida pela baixa probabilidade de um progresso pessoal ou de construção de uma carreira." (STANDING, 2013, p.28).

Além de uma mente precarizada, estas relações de trabalho e sua insegurança posta, viabiliza sofrimentos ao trabalhador: " O precariado se sente frustrado não só por causa de toda uma vida de acenos de empregos temporários, mas também porque esses empregos envolvem nenhuma construção de relações de confiança(...)" (STANDING, 2013, p.43).

O ENDIVIDADO

Além da utilização do desemprego, para fortalecer o poder ao patronato, o chamado exército industrial reserva, conceituado por Karl Marx, como uma espécie de mecanismo da indústria moderna que "cria, independentemente das barreiras ao aumento real da população, o material humano explorável, sempre pronto, para as variáveis necessidades de valorização do capital. "(MARX, 2008). A indústria pós-moderna, possui mais um mecanismo de exploração dos trabalhadores, cujo, deve se alargar com os empregos instáveis que tais reformas devem gerar ao país, trata-se, do que chama Antônio Negri, de o endividado. É o conceito de que a indústria pós-moderna garante sua força de trabalho e sua exploração por meio da divida:

"Hoje, a exploração se baseia principalmente não na troca (igual ou desigual) mas na divida, ou seja, no fato de que 99 por cento da população está sujeita – deve trabalho, deve dinheiro, deve obediência - ao 1 por cento restante."(NEGRI, 2014, p.25).

Deste modo, como exemplifica Negri: "Você sobrevive se endividando, e vive sob o peso de sua responsabilidade em relação á divida. Você é controlado pela divida."(NEGRI, 2014, p.22). Assim, com os tipos de trabalhos precarizados e a falta de estabilidade, os trabalhadores deverão se aprofundar em créditos e com estes, nas dividas, tendo: " O efeito da divida [que será] como o da ética do trabalho,[que] é forçá-lo a trabalhar arduamente." (IDEM, p.22).

A divida possui também uma forma de coação moral, trazendo ao trabalhador o sentimento de culpabilidade, portanto: "O endividado é uma consciência desventurada, que transforma a culpa numa forma de vida."(IDEM, p.23). Uma nova frustração além da do precariado, exemplificada no tópico anterior.

O endividado portanto, através da divida, que é um mecanismo para sua exploração, perde sua subjetividade de trabalhador, passando á se reconhecer como consumidor e assim desvinculando-se do que produz: "Dessa maneira, aqueles sujeitos à divida, aparentam ser, até a si mesmos, consumidores e não produtores (...) [pois] trabalham para pagar as dividas, pelas quais são responsáveis porque consomem."(NEGRI, 2014, p.25). Remonta-se assim á um novo tipo de servidão, a de devedor-credor, mais profunda até que a de senhor-escravo, pois a primeira possui a ilusão de liberdade. O fato de o trabalhador poder comprar bens obscurece a real pratica de exploração que estes bens lhe causam.

CONCLUSÃO

Nota-se portanto, que a classe trabalhadora, por conta das pautas neoliberais, vem sendo constantemente precarizada e endividada. Condições que além de reter custos ao empresariado, ainda força a massa á trabalhar sem cessar.

As reformas que o governo Temer busca aprovar ou que já foram aprovadas, objetiva-se á criar instabilidade e insegurança para a vida dos trabalhadores, que com o trabalho não mais fixo e sim fragmentado, se verá como refém dos grandes bancos e com isso das dividas.

Esta nova posição que os jovens já vivem e deverão viver: "Trata-se de estar numa posição que não oferece nenhum senso de carreira, nenhum senso de identidade profissional segura(...)." (STANDING, 2013, p.47). Aumentando com isso á frustração e a obrigação de explorar-se por dividas.

O argumento de modernizar as relações trabalhistas, que a reforma trabalhista propõe, trata-se porém, de retirar os alicerces do trabalhador, retirar-lhes a segurança que um trabalho assalariado podia-lhes proporcionar e transferir esta segurança, da renda fixa, para os créditos bancários, fazendo-os serem acorrentados à dividas e, deste modo, por todo seu tempo de vida serem explorados.

A modernização não é das relações de trabalho, mas da condição do trabalhador, pois se: " Outrora, havia uma massa de trabalhadores assalariados; hoje, há uma multidão de trabalhadores precarizados."(NEGRI, 2014, p.23), condição que deve se alargar muito mais com o fim da ultima segurança legal que possuía o trabalhador, a CLT.

Referencias

BRASIL. Lei. nº 5.452, de 1º de maio de 1943 - Consolidação das Leis do Trabalho, e a Lei nº 6.019, de 3 de janeiro de 1974.

______. Lei. nº 13.429, de 31 de março de 2017 – Terceirização. Altera dispositivos da Lei no 6.019, de 3 de janeiro de 1974, que dispõe sobre o trabalho temporário nas empresas urbanas e dá outras providências; e dispõe sobre as relações de trabalho na empresa de prestação de serviços a terceiros.

______. PL. 6787/2016, de 23 de dezembro de 2016 – Reforma Trabalhista. Altera o Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943 - Consolidação das Leis do Trabalho, e a Lei nº 6.019, de 3 de janeiro de 1974, para dispor sobre eleições de representantes dos trabalhadores no local de trabalho e sobre trabalho temporário, e dá outras providências.

HARDT, Michael; NEGRI, Antonio. Declaração: isto não é um manifesto. Tradução: Carlos Szlak. São Paulo: n-1 Edições, 2014.

MARX. Karl. O Capital. Traduzido por José André Lôpez Gonçâlez. HTML: Fernando A. S. Araújo, Julho 2008. Disponível em <https://www.marxists.org/portugues/marx/1868/03/28-ga.htm> acesso: 16/05/2017.

STANDING, Guy. O precariado: a nova classe perigosa. Traduzido por Cristina Antunes. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.