A Utopia e a Realidade

A UTOPIA E A REALIDADE

Considera-se uma Utopia a idéia de uma civilização ideal, fantástica, perfeita. É um sistema ou plano idealizado, um sonho.

A origem da palavra é revelador: do grego “ou+topos” que significa “lugar inexistente.”

Utopia foi um país imaginário, criação de Thomas Morus, escritor inglês (1480-1535), onde um governo, organizado da melhor maneira possível, proporciona ótimas condições de vida para todos.

Evidentemente a Utopia é uma projeção dos ideólogos que a criam, não sendo, portanto, uma idéia absoluta. Varia no espaço e no tempo.

O exemplo mais significativo se apresenta na tentativa de construção de uma sociedade comunista; um belo sonho, muito bem arquitetado, mas que deu no que deu, a simples substituição de uma forma de exploração por outra. Poderia apontar também o fascismo, ou mesmo o nazismo. Ocorre que ambos representam utopias com um caráter extremamente regressivo, perverso, o que não ocorria totalmente com o comunismo. Há uma generosidade intrínseca na idéia do comunismo. Tanto que a Utopia de Tomas Morus era eivada de uma forma ingênua de comunismo. Outra diferença era que enquanto o comunismo apontava para uma sociedade futura, os outros dois, o fascismo e, principalmente, o nazismo, visavam o resgate de um passado. Mas todos compartilharam da natureza idealizada da utopia; todos foram sonhos.

A democracia não deixa de ser uma utopia, mas um pouco diferente, posto que exista no plano institucional; no entanto tem dificuldades imensas para se concretizar no plano social. Mas pelo menos a idéia é ampla, abrangente, não pretende ser uma forma de única de sociedade, uma vez que pode haver vários tipos de sociedade com características democráticas. Os USA são ditos democráticos e a Suécia também, mas um é predominantemente capitalista e a outra tem características mais socialistas, praticando o que se chama de estado de Bem Estar Social. Os direitos individuais consagrados nos princípios democráticos são respeitados em ambos os países e constituem a condição necessária para qualquer sociedade que se baseie nos valores da chamada Civilização Ocidental.

De outro lado não há como se estabelecer uma sociedade mais justa , se não houver uma Utopia. Ocorre-me o verso de Fernando Pessoa, quando se refere ao mito: “O nada que é tudo”. Não podemos prescindir dos sonhos. Eles são condição necessária.

A democracia, o sistema jurídico ditado pelo povo para o povo, só se realizará plenamente quando as sociedades forem capazes de eliminar as chamadas diferenças. E, em todos os países do mundo, em maior ou menor grau, estamos muito longe disto. Há uma contradição entre a existência de classes e o princípio da igualdade. Os homens são diferentes entre si, e a igualdade só é atingível quando se acrescenta o princípio de “perante a lei”. O pobre e o rico podem e devem ser tratados do mesmo modo diante da lei. Mas não deixam de ser pobre e rico. E quando a distância entre o pobre e o rico impede o exercício da Cidadania, não há uma verdadeira democracia. Passa a ser um enunciado jurídico sem grande vínculo com a realidade. Diria que a maior parte dos países do mundo estão nesta situação, inclusive os USA.

Churchill dizia que a democracia era a pior forma de governo, salvo todas as outras. É diante este fato que temos que nos elaborar.

Faço estas singelas considerações porque hoje no Brasil temos nostálgicos da ditadura. Fazem da Ditadura uma Utopia. Querem a imposição da Ordem a qualquer custo. Como hoje vivenciamos o que Jânio Quadros chamava de “desmaios da autoridade”, acham que o único caminho capaz de restabelecê-la é eliminando direitos. Diga-se de passagem , que muitos acreditam que a ascensão do “popular”, através do PT, dando no que deu, matou, em muitos, a fé na democracia. Há nisto no mínimo um equívoco terrível, porque a desonestidade não é do “popular”, mas daqueles que dizem ser seus representantes e que não têm nada de popular. A corrupção , como uma doença, infesta democraticamente a todos. E, numa ditadura, talvez os crimes que nos espantam tivessem sido acobertados; já numa democracia isto é impossível, pelo menos quando se manifestam em tal escala. No país nada se construiu durante a ditadura que não se pudesse fazer no sistema democrático. No entanto ela cobrou um alto preço, que até hoje pagamos, quando suprimiu as liberdades, arruinou a vida de muita gente e anulou lideranças que deixaram um vácuo político que até hoje não foi totalmente preenchido.

Se quisermos, podemos acabar com a bagunça em que se transformou este país, sem recorrer à ditadura. A Democracia não precisa ser conivente com a bandidagem, nem com a desordem, nem com a roubalheira: basta exigirmos que isto não ocorra. Como também não pode se pretexto para perpetuar um modelo econômico e social de concentração de renda e de injustiça. Com a globalização o mundo está mudando numa velocidade inimaginável, e por baixo desta mudança, muito além das tecnologias, está um ideal , ainda que difuso, de igualdade e fraternidade, tentando concretizar a idéia utópica da Revolução Francesa de 1789: Liberdade, Igualdade, Fraternidade.

Querem a ditadura os que anseiam, no fundo, por um pai forte, que ponha as coisas nos seus devidos lugares, de acordo com a sua “posição” privilegiada em relação ao todo. Não entenderam ainda que esta situação é , por muitas razões, insustentável. E este confronto, neste momento, não ocorre só aqui, mas no mundo todo. O que chamamos de Sistema, de um modo geral, não resolveu o problema das desigualdades. A concentração crescente de renda levará, mais cedo ou mais tarde, a uma revisão profunda , sob pena de colapso. E o reflexo desta concentração é muito maior do que se diz em relação também à Mãe Natureza, que vem emitindo os seus sinais de exaustão. O grande perigo está no fato de que os detentores do Poder queiram, através de uma guerra, impor a “mudança” sem “mudar” no fundo, coisa alguma.

Cabe a nós todos exigir a construção, via democracia, o primado da Ordem e do Progresso, que estão em nossa bandeira, expressando os ideais dos fundadores da República. Cabe a todos nós a busca pelo fortalecimento dos direitos básicos do indivíduo ao lado de políticas que possibilitem, entre outros bens imateriais, uma válida distribuição da renda, e dos encargos requeridos pela vida numa sociedade organizada. Não nos deixemos embromar, nem que sejamos vencidos pelo medo. Nosso papel é agir a partir de um determinado patamar – que é a inegociabilidade dos direitos individuais – e a partir daí exigirmos dos governantes um Projeto de País que seja submetido à aprovação popular, com estratégia bem definida, de modo possamos nos dar as mãos para construir o país que , a partir da Utopia, ou seja, do Sonho, realize a grande e justa Nação que realmente podemos e queremos ser.