O TERRORISMO PRATICADO PELO ESTADO

A ditadura completava o seu décimo quinto aniversário quando se verificava uma forte divisão nos seus quadros das forças militares. Havia um grupo conhecido como “linha dura” que não concordava com os encaminhamentos, embora de forma lenta, com que o governo Figueiredo promovia a redemocratização do país. E conspiravam nos quartéis a resistência ao processo de reabertura política que se efetivava.

Os trabalhadores organizaram no dia 30 de abril de 1981 um evento que marcaria as comemorações do dia do trabalho. Programaram a realização de um show com artistas da música popular brasileira engajados nos movimentos de contestação ao regime. O local definido foi o Pátio de Convenções do Rio Centro, no Rio de Janeiro. Calculava-se em mais de vinte mil pessoas presentes ao ato festivo.

Não havia, portanto, cenário melhor apropriado do que aquele para os militares que se opunham à abertura democrática promoverem uma ação que pudesse criar um clima de agitação política na tentativa de assim fossem justificadas medidas de endurecimento do sistema. A idéia era caracterizar como um ato terrorista da esquerda.

A idéia não deu certo, o “tiro saiu pela culatra”, como se diz na linguagem popular. As bombas planejadas para serem explodidas nos geradores de energia do evento, e que esperavam causar pânico na multidão que assistia ao show, foram detonadas antes do tempo, em locais diferentes do que haviam projetado. A primeira delas num veiculo Puma, que transportava os artefatos, em que estavam o Sargento Rosário e o Capitão Machado, fazendo com que o primeiro viesse a óbito e o segundo ficasse gravemente ferido. A segunda bomba explodiu próximo aos geradores mas não provocaram a sua danificação.

Tanto que o público só veio a tomar conhecimento dos fatos através de Gonzaguinha, quando de sua apresentação. Teria dito ao microfone: “Pessoas contra a democracia jogaram bombas lá fora para nos amedrontar”.

O atentado produziu ampla repercussão. Num primeiro momento o I Exército quis classificar o ato terrorista como algo feito por lideranças que eles rotulavam como subversivas. A farsa foi um fiasco, o governo pressionado por todos os partidos políticos e pela opinião pública, decidiu abrir um Inquérito Policial Militar para apurar as responsabilidades pelo acontecimento.

O presidente Figueiredo, cedendo às pressões da linha dura dos militares, substituiu o oficial que estava conduzindo as investigações por alguém que viria a fazer o jogo da ditadura. Essa atitude fez com que o General Golbery do Couto e Silva pedisse demissão do cargo que ocupava no governo.

Anos mais tarde, estava elucidada a trama. O atentado do Rio Centro foi arquitetado por altas patentes militares com um ano de antecedência. Na verdade, o terrorismo daquela noite fora praticado pelo Estado.

• Integra a série de crônicas do livro“INVENTÁRIO DO TEMPO II”, em construcao.

Rui Leitão
Enviado por Rui Leitão em 21/12/2017
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