Carta a Bolsonaro

Prezado Deputado Jair Bolsonaro

Gostaria de colocar aqui algumas considerações e questões para que seus apoiadores e, quem sabe o senhor mesmo, poderem refletir e/ou dissertar sobre, todas baseadas em suas opiniões e propostas.

A respeito do senhor ser contra a inclusão de debate de gênero e educação sexual nas escolas, para mim isto significa voltar cinquenta ou sessenta anos no tempo. Imaginem como seria hoje um jovem não ter acesso às devidas informações sobre questões importantes como preservativos, DSTs e gravidez. Fui ter as primeiras informações sobre estes assuntos na escola na sétima série e para mim foi um alívio poder conversar abertamente com a professora ao lado de meus colegas, aprender coisas que levo até hoje. Educação sexual nas escolas é necessária sim.

A falta de debate de gênero favorece o preconceito a quem não é heterossexual. Se o senhor chegar ao poder, o que será dos gays, lésbicas, trans, etc? Serão revertidas todas as conquistas deles? E os casais homoafetivos, que conquistaram na justiça o direito de se casarem? Terão revogados seus direitos? Voltarão a ter que se esconder em casa para não serem xingados na rua por quem vê com maus olhos alguém com orientação sexual diferente?

E a revogação do estatuto do desarmamento que o senhor defende? Os EUA costumam ser citados como país exemplo com relação a este assunto. Vou citar apenas algumas das tragédias que aconteceram naquele país. Relembrando: tiroteios dentro de escolas, iniciados em Columbine em 99. Criança de quatro anos alvejando a professora durante aula de tiro, em um país que é numerosa a quantidade de pais que matriculam os filhos pequenos em cursos para aprender a atirar. São daquele país algumas cidades consideradas bastante perigosas, com altas taxas de criminalidade, tais como Detroit. Falando em Detroit, pesquise sobre "Devil's night". O senhor sabe do que se trata? Na noite do dia das bruxas, 31 de outubro, diversas pessoas põem fogo em tudo o que puderem: carros, casas, cercas de madeira... todo 31 de outubro, desde muito tempo, já há décadas, é, como o nome sugere, um "inferno" para o corpo de bombeiros, que se desdobra para extinguir centenas de focos de incêndio. Isso num país que muitos admiram, acredito eu por não o conhecerem tão bem assim como pensam. Em um país cujos habitantes podem ter uma arma e com pena de morte vários estados, crimes bárbaros ainda acontecem, e aos montes. Acredito nisto: o que diminui crime não é dar arma pra civil nem assassinar o criminoso culpado. É melhorar a qualidade de vida das pessoas. Veja países como a Suécia, Noruega e Dinamarca. Quase não há crimes, porque quase não existem problemas sociais nem diferenças significativas entre a renda dos mais ricos e mais pobres. E, poxa, capitão, o senhor demonstra seus amores pelos EUA... qual sua opinião com relação à recente legalização da maconha em alguns estados norte-americanos?

Agora, com relação ao Brasil, fala-se em entregar arma na mão de "cidadão de bem". Quem é este "cidadão de bem" que o senhor tanto fala? É aquele que comprou carro e moto para ajudar a entupir o trânsito das cidades? É o que aumentou a quantidade de acidentes de trânsito e o número de pessoas sem perna deste país? É o sujeito que se preocupa mais em ter um carro ou turbiná-lo do que com a própria formação e conscientização de motorista? É o que se endivida para financiar um carro ou moto e sem ter CNH sai dirigindo? É o que dirige falando ao celular ou enviando mensagem? É aquele que não tem o mínimo de educação, que joga lixo pra fora do carro, que joga lixo em terreno, papel na praça, garrafa na sarjeta, entope bueiros? São os indivíduos de várias idades e cabeças que levam seus celulares em riste caçando bichinhos no jogo da moda, hipnotizados, sem consciência alguma, sem discernimento, tornando-se alvo fácil para ladrões e sendo atropelados ao atravessar a rua olhando pra telinha? É para este "cidadão", com esta cabecinha (maioria da população), sem juízo, sem consciência, que o senhor quer permitir o uso de uma arma? Já imaginou como vai ser, capitão?

Escola sem partido? Pelo contrário: escola de todos os partidos. Que se ensine sobre os partidos e ideologias existentes, incluindo discussão sobre tudo de negativo e positivo ligado a estes e à política brasileira. Mesma coisa com ensino religioso: ensine-se, como numa aula de História, sobre o cristianismo em todas as suas formas, as religiões afro-brasileiras, o judaísmo, o islamismo, budismo, crenças indígenas, hinduísmo, espiritismo e outras classificadas como religião ou filosofia. Que todas as crianças e jovens possam saber sobre o maior número possível de religiões, para também combater o preconceito contra elas. Ensinar até mesmo sobre agnosticismo e ateísmo - a ausência da religião na vida de determinadas pessoas e suas causas.

Faço um novo parágrafo para deixar uma pergunta: por que o senhor ainda não fez propostas para outros temas da educação, como financiamento estudantil, ensino técnico, Prouni, e outros temas?

E sobre Ustra, que o senhor disse querer "transformar em um herói da pátria caso seja eleito presidente", com todo o respeito: que tremenda besteira! Não é um presidente que transforma figuras em heróis, mas sim o povo. Muito menos um monstro como foi este indivíduo. Ter Ustra como herói é algo que não me entra na cabeça, me desculpe.

Aquele papo estranho sobre o Nióbio e o Grafeno é sério mesmo? Vou deixar a recomendação aos apoiadores do senhor: pesquisem sobre o assunto. Especialistas foram consultados e não veem sentido nesta proposta, já que o senhor não deu muitas explicações de como aumentar a oferta sem contradizer a vontade de ver o Estado reduzido. Todas as medidas envolveriam mudanças profundas e um conjunto amplo e radical de reformas. Se até a reforma da previdência e trabalhista já são tremendos gargalos da política brasileira, imagine então estas bem mais complexas relacionadas a supostas transações comerciais mais vantajosas destes minérios.

Uma das declarações do senhor que mais me deixou apreensivo é com relação ao corte de verbas para ONGs. Uma coisa é o político, ou mesmo o cidadão, ser contra as irregularidades na distribuição destas verbas, apoiar a rigidez da fiscalização para cortar malandragens (algo que considero extremamente importante que seja feito). Outra é IMPOSSIBILITAR o trabalho de ONGs. Deputado, milhares de pessoas atendidas podem ter nesta oportunidade a única de combater problemas graves, como a miséria, a pobreza extrema, o preconceito e a falta de oportunidades. O mesmo vale para os benefícios sociais, como o Bolsa-Família. Se houver mesmo estes cortes, o que vai acontecer é aumentar o número de pessoas na criminalidade, que posteriormente o tal "cidadão de bem" que o senhor menciona em suas falas vai ganhar o direito de atirar contra. Este país se tornará um caos. O mesmo vale para reservas indígenas e quilombos, cujos moradores o senhor insultou, talvez por não ter tido ainda oportunidade de compreender quem eles foram, quem são e como vivem. Lembro de um vídeo em que o senhor afirma que "japonês tem vergonha na cara". O senhor, deputado, que esteve nos Estados Unidos para aprendizado próprio, que tal visitar também o Japão? Sabe o que o senhor vai encontrar lá? Uma das taxas mais altas de sucídio do mundo e um problema crônico dos jovens que se trancam no quarto e ficam enclausurados por anos. Sabe por quê? Por causa da pressão da cultura japonesa, que exige que os indivíduos sejam os melhores em tudo. Se o senhor passear nas praças, verá japoneses sem-teto, pessoas que perderam o emprego e, por isso, também a casa, já que a moradia é, geralmente, fornecida pelas empresas. Não acho que o povo japonês, com tudo isso de terrível que acontece contra eles, possa servir de exemplo. Não é "vergonha na cara". É pressão. E uma pressão descomunal em um país repleto de pessoas infelizes.

Outra coisa que eu gostaria muito que o senhor fizesse era apresentar por escrito as propostas de governo em seu site oficial. Que tal a sugestão?

José

06/02/2018

José Antônio Dias
Enviado por José Antônio Dias em 06/02/2018
Código do texto: T6247173
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