Da ciclovia Tim Maia a Brumadinho - a verdadeira tragédia brasileira é o nosso jeitinho brasileiro de ser

Queda de um trecho elevado da ciclovia Tim Maia, rompimento da barragem de Mariana, Incêndio do Museu Nacional, rompimento da barragem de Brumadinho, incêndio do alojamento do Flamengo (Deus!, eram garotos...) e, queda do helicóptero que transportavam o jornalista Ricardo Boechat - bastam essas tragédias, para comprovar que o resultado é sempre um conjunto de fatores, começando pela busca pelo lucro a qualquer custo, a inconsequência em relação à previsão de eventos e, francamente, o desprezo pelo valor da vida humana, finalizando com a leniência e a corrupção das autoridades que deveriam organizar e fiscalizar todos os processos envolvidos na vida social e no setor produtivo.

Mas, que ninguém se engane, estes são traços da cultura nacional, gestada entre nós, entre idas e vindas, desde o período colonial. Todos nós temos esses germes, quando menos, latentes e já podem ser identificados sem erro nas poesias de Gregório de Matos, peças de Aluízio Azevedo, crônicas de Lima Barreto, aforismos piadistas de Aparício Torelli (o "barão de Itararé") , e composições de Lamartine Babo.

Existe razoável e, entendo, fundada dissenção sobre os motivos que nos levaram a ser, como brasileiros o que somos, individualistas mas aparentemente sociáveis, levianos e, todavia, aparentemente preocupados com o bem estar de todos - mas, em boa parte dos casos, os olhos dos estudiosos se voltam até o período colonial e o imenso caldo de cultura formado nas relações heterodoxas que foram se formando numa sociedade erigida por aventureiros em busca de fortuna (titulados pela coroa portuguesa ou não), degredados, homens livres de status (mas dependentes de relações com os mandatários), escravos e nativos, presidido por privilégios e ordenações reais, catolicismo jesuíta, onde, sob a aparente imobilidade social, indivíduos iam e vinham e tentavam sobreviver e se arranjar, negociando a sobrevivência e até conforto, entre licenciosidades, riscos e castigos então bem conhecidos e frequentes.

Mas, a questão é que, à parte história, antropologia e sociologia, este comportamento é parte intrínseca de nosso jeito de ser e fazer as coisas - o que ocorre atualmente em nosso país, inegavelmente, é o resultado daquilo que pensamos, projetamos e, colocamos em prática, no dia a dia, desde a nossa casa até o lugar onde exercemos nossos ofícios.

Senão, faça um simples teste: pegue seu carro e vá para as ruas e verá que pessoas preferem se atirar entre os carros a buscar e aguardar sua vez na faixa de pedestres, ciclistas impõem suas bicicletas sobre as faixas de pedestres com o sinal aberto para o tráfego de veículos, motociclistas sobem nas calçadas onde transitam pedestres, outros veículos te trancam numa conversão onde seu carro pode ser abalroado por veículos de cargas pesadas e assim, vai, considerando-se que algum de nós também, alegando pressa ou outra razão ("Oi!, é só um minutinho - pra pegar meu filho"...), pode ter contribuído para o que se torna a formação desse circuito caótico e diário.

No Brasil, riscos patrimoniais e da incolumidade física e da própria vida são uma rotina para quem simplesmente sai de casa para trabalhar. E nós, de um jeito ou de outro, fazemos parte disto tudo...