O fim do Estado e a teoria da moeda moderna

Tenho pensando muito sobre os desdobramentos políticos, as entrelinhas da política econômica, a questão ideológica esquerda/direita, as ciladas pós modernas com "cara" de solução e respostas... Enfim, tenho refletido demais sobre tudo .

Uma das minhas reflexões mais árduas é sobre a destruição da Seguridade Social como continuação ou complemento da emenda constitucional 95, a famigerada PEC da morte, o congelamento dos gastos públicos por 20 anos. Em minha concepção, a Reforma da Previdência e o teto dos gastos públicos apontam uma mudança nociva de financiamento da sociedade. Como sabemos, a sociedade se financia através de pacto constitucional. Pagamos impostos, temos nossa responsabilidade junto ao Estado para "teoricamente" financiar as áreas sociais. O neoliberalismo . que primeiro apequena o Estado, estaria, no atual estágio, engendrando a superação do Estado e destruindo a própria ideia de sociedade, afinal, somos sócios porque financiamos uns aos outros no que deveria ser a nossa garantia promovida pelo Estado, em Educação, saúde, previdência e etc. Hoje, o Estado é um instrumento de repasse dos recursos públicos para uma castas rentista, mas ainda conserva o caráter de organizar economicamente as demandas sociais, financiadas pela sociedade. O endividamento público, imprescindível para viabilizar as garantias da sociedade, foi transformado numa máquina alimentadora do sistema financeiro com sua elite, tirando do social e colocando na hegemonia do setor privado. Mas para o neoliberalismo em sua hiper concentração e maximização de ganhos a poucos, o Estado não é minimizado na prática, ele é "tomado", minimizados são os direitos do povo. Agora vemos a necessidade da agenda neoliberal simplesmente desconstruir de vez com o que o próprio neoliberalismo usurpou; o Estado ; e minimizou: as garantias sociais organizadas pelo Estado.

A realidade corroborante da minha reflexão, só para citar um exemplo, é a iniciativa privada privilegiada, a dos Bilionários, interessadíssima em gestão pública. Em novembro de 2018, o fundação do segundo homem mais rico do país, Jorge Paulo Lemann, inclusive com sua presença, se reuniu com autoridades brasileiras , intelectuais e políticos, na Universidade de Oxford, pra discutir gestão pública e educação. A privatização da gestão da educação pública faz parte da agenda neoliberal da Estratégia 2020 para educação do Banco Mundial. O interesse da casta privilegiada da inciativa privada foi facilitado no Brasil através da gestão de FHC, quando foi instituído as PPs- Parcerias Público Privadas, que nasceu numa instituição do Grupo Banco Mundial - Corporação Financeira Internacional, braço da inciativa privada internacional legítimo dentro do BM. As PPs aproximam cada vez mais a gestão pública dos países da iniciativa privada. Não seria nefasto se, concomitantemente, o neoliberalismo endividasse o Estado, retirando dele, cada vez mais, a organização econômica das demandas sociais, através de políticas de austeridade, cortes, tetos... No Brasil, como já citei, com a Emenda Constitucional 95 e agora a Reforma da Previdência. Com a falência do Estado, através da debitocracia, a quem ficaria a incumbência de organizar a economia e inclusive as demandas sociais da sociedade? A elite. Essa mesma elite que discute gestão pública e treina e financia políticos para representá-la. E você acha que, não sendo nós os financiadores das nossas necessidades sociais, essa iniciativa privada, classe dominante escravocrata, o faria atendendo todas as indispensáveis demandas?

O economista Ladislau Dawbor diz que o capitalismo de 50 , 100 anos atrás , precisava de um Estado para por ordem nas coisas, hoje, com os grandes grupos, não há mais a necessidade do Estado como organizador. O que me faz pensar que hoje os capitalistas não precisam mais do Estado como instrumento e, portanto, Ele precisa ser superado.

A Reforma da Previdência traz a destruição da Seguridade Social, do pacto social. Mas se alguém pensa que nós vamos ficar livres de manter as receitas destinadas a financiar a Seguridade Social, está muito enganado. A carga tributária continuará a mesma, só mudará seu destino. Deixaremos de financiar as demandas sociais da sociedade, tento o Estado como organizador, para legitimamente financiar o rentismo. Sabemos que o grande deficit da economia não é a Previdência. É o pagamento dos juros do endividamento público que leva mais da metade do orçamento. São 3 bilhões por dia destinados ao pagamento só dos juros. E por trás desse mecanismo está uma elite, que Brizola chamava de "infecunda", se locupletando através do capital improdutivo, do rentismo, capital movimentado em aplicações financeiras e especulação com títulos da dívida pública, sem industrializar o país e gerar emprego. Enquanto os empresários da classe média, os industriais, os empreendedores e todos aqueles necessitados do mercado interno, do poder de compra do povo e de financiamento nos moldes nacionais, se quebram cada vez mais. Não será a Reforma da Previdência, nem nenhuma perda de garantia/direito dos trabalhadores a promover a prosperidade da sub-iniciativa privada nacional e tampouco trará os empregos de volta. Emprego, poder de compra, demandas sociais ( o bem estar social do povo) são, em primeiro lugar, regulados e promovidos pelo Estado. Assim é a prática de todos os países desenvolvidos.

Morden Money Theory

Na esteira das explicações mirabolantes e novas teorias pra viabilizar a necessidade do neoliberalismo, temos, agora, uma ( mais uma) vinda dos Estados Unidos, que a ex querda brasileira está namorando: Morden Money Theory - A teoria da moeda moderna. A embaixadora política dessa teoria é a Democrata estadunidense Alexandria Ocasio-Cortez, o "mito" Democrata atual. O canto da sereia dessa teoria é lindo. Pega carona com Keynes e cria um discurso de que a moeda não é uma criação do mercado, mas sim uma imposição do Estado, e significa Dívida da sociedade para com o Estado, quando se reflete na carga tributária. Pinta o Estado como autoritário e a moeda carregadora da desgraça da dívida em si. Como os Democratas aparentam ser contra o sistema de impressão de dinheiro sem lastro ( o que é uma mentira), assenta o argumento de que a crise no capitalismo é promovida pela "lógica" monetária e questiona o cerne da teoria macroeconômica de que o excesso de moeda provoca a inflação, portanto, há uma necessidade sempre dos governos terem seu balanço equilibrado , ou seja, efetuar gastos. Muito palatável e aparentemente cheio de respostas. Mas não é. Por trás desse argumento tem um ardil. A economista Simone Deos, da Unicamp, porta-voz da teoria no Brasil, diz que a impressão de dinheiro para salvamento dos bancos da crise de 2008, não gerou inflação. Mas ela se esqueceu de que não causou inflação nos EUA porque este é o único país a imprimir dinheiro sem lastro sequer na sua produtividade. Mas o salvamento de bancos na Europa foi com dinheiro público, principalmente através da crise na Grécia, cuja ajuda foi em papéis podres dos bancos. O dinheiro, mesmo que fiduciário, para o resto do mundo, representa SIM a economia, a produtividade, as patentes, enfim a riqueza de seu respectivo país. Esse não é o problema. O problema é o roubo dessas riquezas dos países periféricos por países industrializados e a intervenção na econômica, bem como uma dependência industrial e tecnológica por ingerências, guerras, soft Power, endividamento... O Problema é o imperialismo com a perda da soberania Estatal dos países subdesenvolvidos! O problema é um Estado desnutrido, usurpado, desconectado da sociedade, atendendo a classe dominante nacional associada ao imperialismo.

Os EUA imprimem o dólar sem lastro, sem obrigação de volume de moeda em circulação porque tem a prerrogativa do dólar como a única moeda de troca mundial. Na Europa, existe volume de moeda em circulação, que equivale 40% do PIB. No Brasil, o problema é o volume de moeda em circulação ser apenas 4% do PIB. Nosso problema é ter uma moeda fraca porque nossa produtividade é baixa, nossa economia fragilizada, nosso Estado colonizado.

Nosso problema não pode ser respondido com teoria vinda dos States. Nossa realidade não é a deles. O que Ocasio-Cortez representa é uma possível saída para os EUA, que logo logo vão deixar de ter a moeda do mundo e experimentarão a lógica da doença da moeda: Inflação. Culpar o dinheiro como vilão e o Estado como o criador desse vilão, é ratificar, mesmo que indiretamente, a ideia de desconexão entre Estado e sociedade, tal como está acontecendo no Brasil. As discussões dos Democratas estadunidenses sobre capital improdutivo, bancos, impressão da moeda, não tem nada a ver com a gente. A esquerda erra ao acolher ideias importadas pra solucionar nosso problema. Nós precisamos nos basear na nossa realidade e fortalecer a questão do Estado como organizador econômico das demandas sociais da sociedade. A luta dos EUA contra o neoliberalismo não é a mesma luta nossa.

Quando é que a esquerda vai acordar pra isso? Quando se tornar nacionalista!

Cibele Laura Oliv
Enviado por Cibele Laura Oliv em 09/05/2019
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