O comunismo deve ser proibido tal como o nazismo?

Esta discussão reaparece justamente no momento, em que a exoneração do secretário especial de cultura Roberto Alvim por copiar claramente em seus discurso trecho de uma fala conhecida do ministro da propaganda nazista Joseph Goebells.

É atribuído ao governo de Adolf Hitler o genocídio de milhões de pessoas, entre eles judeus, ciganos, eslavos, etc. O motivo não era necessariamente político, militar, ideológico ou econômico. Era pelo pressuposto racista da superioridade da raça ariana, alemã, evitar a mistura racial e o direito de conquistar de outros povos, visto como inferiores, o chamado espaço vital para o povo alemão.

Nenhum destes pressupostos fundamentais do nazismo se encontram em qualquer teórico do comunismo, Marx, Gramsci, Lenin, Rosa Luxemburg e outros.

Conceitualmente, uma sociedade comunista seria aquela onde não haveria mais propriedade privada dos meios de produção, classes sociais distintas e nem Estado. Marx entendia que a existência do Estado se devia a necessidade da classe dominante perpetuar e reproduzir a exploração sobre as demais.

O Estado é concebido como um instrumento ideológico e jurídico com o qual a classe dominante se perpetua e se reproduz como tal.

Os anarquistas também almejavam uma sociedade comunista, porém diferente do marxismo clássico, queriam a derrubada imediata do Estado para se alcançar uma sociedade comunista. Enquanto os marxistas entendiam a necessidade de um período transitório.

Marx chamava este período transitório de Ditadura do Proletariado. O poder estatal ainda seria necessário para se estabelecer esta sociedade igualitária. Este ponto sempre foi de fundamental discordância com os pensadores anarquistas que viam nisto um risco de transformação dos burocratas em uma classe dominante.

O marxismo esta longe de representar um conjunto de pensamentos e estratégias de ação homogêneas.

Lennin, por ocasião da Revolução de Outubro, esperava que a revolução tal como preconizada por Marx se internacionalizasse, principalmente em países capitalistas avançados. Como sabemos, a Alemanhã, tal como Lenin esperava, não houve revolução e em nenhum país europeu desenvolvido.

Frustrados com tal situação, os bolcheviques se viram sozinhos na empreitada, pois como experimentaram outras revoluções. A centralização do poder e industrialização e militarização a toque de caixa para fazer frente a diversas potências ocidentais hostis exigiu que o governo tomasse medidas autoritárias.

Stalin foi o ápice desta concepção de um estado comunista , centralizador e autoritário. Disto ocorrendo a imposição da coletivização de terras, eliminação sistemática da oposição e controle social rígido da população. Milhões teriam morrido direta e indiretamente em decorrência da política de militarização e industrialização a toque de caixa exigida pelas circunstâncias.

As lutas socialistas do século XIX se voltavam contra a opressão de classe por meio do Estado e da luta por igualdade e melhores condições de vida. O que Stalin fez da URSS estava claramente distante dos ideais dos socialistas deste século e de muitos do início do século XX.

Estas vertentes totalitárias e autoritárias do comunismo imperaram em diversos países como a China, Coreia do Norte, Camboja, etc. Mas estavam evidentemente longe do que Marx e outros teóricos preconizavam.

Para Marx, a revolução viria da vanguarda do capitalismo e não da periferia, onde ele era atrasado e com resquícios de feudalismo (Rússia, China e outros). A revolução teria que ser um movimento internacional e não restrito a fronteiras e interesses nacionais.

Para teóricos como Gramsci, a revolução no Ocidente não poderia se dar por um assalto imediato ao Estado, já que este tem como base uma sociedade civil organizada politica e institucionalmente. Países agrários e pouco desenvolvidos, como a Rússia na época, o Estado exerceria seu poder sem grandes dificuldades sobre uma sociedade mais homogênea e menos organizada social e institucionalmente.

A revolução se daria primeiro pela conquista dos espaços desta sociedade civil, tal como as escolas, igrejas, sindicatos, associações, etc.

É importante ressaltar que por socialismo também chamamos correntes ideológicas tais como sociais-democratas, reformistas, trabalhistas e outros que não necessariamente almejam a substituição violenta do capitalismo pelo comunismo, mas prezam por certa igualdade nas condições de vida e justiça social.

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É inegável que esta vertente do comunismo utilizou o extermínio como método de impor a revolução? Sim, mas tal meio era justificado por um principio de superioridade racial? Não. Nem racismo ou outro motivo são justificáveis, mas nos permitem separar um regime do outro.

Enquanto na Alemanha, o extermínio se conduzia por princípios racistas: evitar a mistura racial, direito de ocupar as terras das raças consideradas inferiores etc. As mortes na URSS durante o período stalinista se deviam a centralização de poder e necessidade de militarização e industrialização a toque de caixa. Os motivos eram econômicos e políticos. Na Alemanha, era basicamente a operacionalização de suas concepções racistas.

Não estou com isto justificando a ex-URSS, nem dizendo que não haveria outra forma de cumprirem outras metas ( não saberia dizer). O que temos de concreto é que tinham sim uma necessidade de se industrializarem e armarem para fazerem frente a inúmeros países que não os aceitavam na comunidade internacional, fora a própria ameaça que a Alemanha poderia mais cedo ou mais tarde oferecer aos mesmos - o que de fato ocorreu.

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Uma outra linha de raciocínio é pensarmos no caso do cristianismo.

Muitas indivíduos em nome do cristianismo mataram adversários políticos e conquistaram terras de islâmicos e outros povos. Aqueles que travavam guerras contra os africanos e indígenas nas Américas também eram cristãos e até utilizavam a cristianização como desculpa para a colonização destes lugares.

Podemos dizer com isto que o cristianismo é uma crença genocida? Não. Por que não podemos atribuir ao cristianismo as ações equivocadas de quem se dizia agir por ele e nem podemos concluir que o fato de algum cristão cometer genocídios que isto que ele faz é decorrência daquilo que acredita.

Encontramos nos evangelhos e nas cartas apostólicas alguma ordem ou mandamento que considere o extermínio de outros povos como um desejo de Deus e parte da missão cristã no mundo? Podemos até mesmo inferir isto do que Jesus ensinou? Não.

Portanto, tal falácia de se igualar comunismo e nazismo se mostra algo não só pedante e mal intencionado, como algo que se generalizado nos permitiria concluir que o cristianismo deveria ser igualmente proibido.

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Outra besteira que se diz sobre esta falsa associação entre nazismo e comunismo é posiciona-los como ideologias de esquerda.

Partem do principio de que se o Estado tem grande presença na sociedade, logo se trata de esquerda e de que o capitalismo seria tipicamente liberal, de Estado Mínimo.

Primeiro, que dizer que Estados fortes e interventores não beneficiaram o desenvolvimento do capitalismo é dizer besteira. O que seria da expansão dos interesses burgueses sem o poder absolutista e a concessão de monopólios a grandes companhias de exploração ultra marítimas?

Os monopólios e concessões do Estado só se tornaram inconvenientes à burguesia quando estas já se encontravam em um patamar político e econômico de desenvolvimento que tornavam as barreiras nacionais um protecionismo já obsoleto. E ainda assim, quantas medidas protecionistas são adotas por países europeus e EUA contra concorrentes mais produtivos?

Quantas guerras não se travaram para proteger mercados e garantir matérias-primas e mercados para os países envolvidos?

Quem disse que o capitalismo funciona basicamente dentro de livre mercado e concorrência? Quais acionistas de grandes multinacionais toparia não se fundir para não obter maior domínio de mercado e amortecer a concorrência?

Quais grandes bancos abririam mão da ajuda do governo em momentos de crise, em nome da concorrência e do livre mercado? Ou mesmo de guerras estratégicas para fazer imperar os interesses de grandes investidores e empresários que dependem de petróleo e recursos minerais com baixos preços para manter sua capacidade de venda?

O nazismo não visava uma sociedade igualitária e nem a extinção da classe empresarial e bancária. Não visava a abolição da propriedade privada dos meios de produção e nem o seu controle direto pelo Estado.

O nazismo não tinha como princípio a melhoria das condições de vida da classe trabalhadora e das minorias sociais. O social-nacionalismo que preconizavam não era a eleição de uma classe social trabalhadora como prioridade do governo, mas um povo entendido como uma raça antes mesmo do que como uma classe específica.

Se estado forte e intervencionista for critério para classificar governos como de esquerda, teríamos que classificar como esquerdista a Ditadura Militar: investimentos direcionados e estimulados nas estruturas de transporte e indústria de base, censura e controle policial, educacional e midiático da população, poder executivo que se sobrepunha ao judiciário e do legislativo.

Wendel Alves Damasceno
Enviado por Wendel Alves Damasceno em 19/01/2020
Código do texto: T6845807
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