Projeto Favela na Suíça: Bidonville suisse

Era um homem cordial, por isto brasileiro, mas com cara e sobrenome alemão. Servidor público, estava impressionado pelo toque mágico do empreendedorismo na vida das pessoas - transformando meros assalariados em milionários bem sucedidos.

Procurou ansioso por algo inovador. Algo que ninguém tenha pensado e tentado antes por falta de ousadia ou mesmo de esperteza. O que seria? O que ainda não faltava ao pelo brasileiro que ele tenha não feito defecar lucros e proventos como uma galinha de ouro? Ainda que ouro de tolo?

Quase desistindo de um novo ofício e de dar sua contribuição para o desenvolvimento do capitalismo no Brasil como nos Estados Unidos da América, espreitou desviando o olhar do horizonte da avenida em que dirigia um Fiat Uno, ainda bem conservado, a imensa favela como se a visse a primeira vez: bingo!

Uma inovação, um novo mercado, uma revolução imobiliária sem precedentes ou golpe de mestre digno de um gênio que nem mesmo as corretoras imobiliárias mais lucrativas do país seriam capazes de parir. Exportaria o modelo habitacional da favela para a Europa.

Estudou por alguns meses o modelo e a demanda. Já estava pronto! O lugar da Europa mais propício seria a Suiça. Morros, localização próxima de vários países e seus migrantes.

Chegou na Suíça e buscou atrair migrantes para uma ocupação de uma colina próxima a Genebra. Teve que contar com migrantes da França e da Itália, famílias desesperadas e aventureiros arrependidos- de fácil manejo e vulneráveis a picaretas de boa lábia.

Logo que começaram os trabalhos, haviam tábuas, peças de latão e outras sucatas para se edificar as moradias. Centenas de homens, mulheres e crianças como formigas carregando telhas, partes de automóveis, canos e madeiras... o alemão tinha planos para aquilo tudo.

Não demorou para que a polícia surgisse. Eram poucos insuficientes para conter a massa. O alemão sabia que a polícia iria dar o toque de marginalização e medo que daria coesão aquela proto comunidade.

Foram muito educados. O alemão tentou arranhar em francês um "sabe com quem esta falando?". O policial prontamente se identificou e comunicou a operação de rotina, a unidade e superior imediato com ele poderia se informar ou prestar queixa.

O alemão esperava no mínimo um esculacho uns tapas para aprender a se dirigir a autoridade. A comunidade se viria injuriada e revoltada. Ele viu que seria mais complicado que imaginava.

A polícia temendo criar tumultos se retirou sem maiores problemas.

Com os barracos levantados, era preciso luz e água. Com a ajuda de três brasileiros fizeram ligações clandestinas no sistema de uma universidade próxima e uma empresa de alimentos. Agora a polícia viria colocar cada um no seu lugar.

Duas semanas depois vieram um grupo de universitários, arquitetos e assistentes sociais. Queriam ajudar as pessoas a construirem casas baratas e seguras em regiões já destinadas. Conseguiram ajudar algumas antes que o alemão os expulssasse de lá aos gritos.

O governo local extremamente preocupado com o avanço da favela elaborava um projeto de subsídios aos aluguéis para aquelas pessoas em locais mais urbanizados. O alemão sentiu um doloroso arrepio em sua espinha.

A comunidade não se sentia ainda discriminada e ameaçada o suficiente para resistirem a morar e conviver em outros lugares. Faltava a coesão que o preconceito e a marginalização provocam tão rápido entre os populares.

O desespero do alemão o fez lembrar de seus tempos no Brasil. Se lembrou de algo não distante e marcante pra ele, mas que poderia ser a salvação do seu projeto: o rolezinho.

Uma cinquenta ou mais pessoas desceriam o morro em direção ao centro de Genebra. Roupas simples, músicas ordinárias em francês e inglês e falatório em lingua estranha aos locais. A intolerância faria seu papel.

A comunidade do Alemão, também chamada de comuna do "Seu Beker", se apresentava aos olhos genebrinos com seus festejos e originalidades. Iriam se assentar e se alimentar por lá mesmo.

Em toda Suíça se reuniu se discutiu a gravidade da situação e muitas campanhas de donativos se organizaram para ajudar aquela gente. Muitos suíços gostavam de ve-los em suas cantorias e danças. A polícia foi orientada a proteger aquela gente de hostilidades e ameaças de alguns radicais.

O governo acabara de aprovar o projeto subsídio e assistência a comunidade. Era o fim. A polícia fora até o alemão para conduzi lo ao juiz. Suspeitavam que ele estava constrangendo e ameacando aqueles que aderissem ao projeto. Sacou um maço de Euros e ofereceu aos policiais: foi preso por tentativa de suborno.

A primeira favela da Suiça não durou mais que um mês. As favelas no Brasil existem há decadas, crescem sobre as matas e se amontoando sobre barrancos e encostas - mesmo com toda violência, repressão, preconceito e precariedade contra seus moradores.

O alemão tinha uma carta na manga. Começaria um novo projeto a partir das cadeias e prisões da Suiça. Se privou de defesa adequada e exagerou aquilo do que o acusavam.

Já sonhava com o Primeiro Comando de Genebra, Comando dos Cantões, Amigos dos Alpes ou coisa sim. Ao chegar na prisão não viu lotações, sua cela parecia um apartamento e muitos presos estavam cursando alguma coisa técnica ou universitária. Os guardas pareciam colegas dos presos - não haviam nem um esculacho de leve, porem rigorosos quanto as normas e regras de funcionamento.

Aprendeu o alemão que nem sempre onde há escassez existe demanda. E que o excesso nem sempre diminui a procura. O alemão voltou para o Brasil depois de cumprir seu tempo.

Voltou para o seu antigo trabalho. Detestava o Brasil, o brasileiro e cultura. Achava que o povo merecia aquilo tudo que vivia e atribuía a Deus a graça de não ser como deles.

P.S. trata-se de uma ficção para falar da realidade brasileira e não da Suiça. É publicado como artigo político por dialogar mais com estes textos e seu público. De fato é uma crônica.

Wendel Alves Damasceno
Enviado por Wendel Alves Damasceno em 17/03/2020
Reeditado em 17/03/2020
Código do texto: T6889941
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