As máquinas e a previdência social

As máquinas e a previdência social

Se as máquinas vêm tomando o emprego dos homens, é justo que elas ajudem a sustentar a previdência social

Alexandre Santos*

Sem conter o impulso de tentar ganhar sempre mais dinheiro (se possível todo o dinheiro do mundo), capitalistas costumam levar seus 'contendores comerciais' à exaustão econômica, terminando por exclui-los do mercado. Nesse sentido, a ganância é suicida, pois, ao extrapolar a capacidade de regeneração de desditados e esmagar concorrentes, [a ganância] mata a galinha dos ovos de ouro da qual os capitalistas retiram o sustento, levando suas fontes de financiamento à debacle. Esta imprevidência é responsável pelas sucessivas crises, que - reforçando a tese segundo a qual o capitalismo liberal é seu próprio algoz - levam críticos a citar o mero passar do tempo como item suficiente para jogá-lo [o capitalismo liberal] no vale da morte.

Ao sobrevir as crises, no entanto, os liberais canalizam sua invulgar capacidade criativa e, quase sempre, terminam por descobrir novas fontes de onde possam sugar recursos para aplacar seu apetite insaciável.

Foi neste contexto que os liberais perceberam o caráter estratégico da seguridade social - seguimento que, a partir de pequenas contribuições, recolhe somas fantásticas, suficientes para dar base financeira para esquemas capazes de financiar e capitalizar as empresas por longos períodos, garantindo sobrevida ao ciclo liberal - e, claro, [o caráter estratégico] dos fundos de previdência privada. Assim, premidos pelo esgarçamento dos mercados e, portanto, do próprio ciclo liberal, os capitalistas liberais elegeram os fundos de previdência privada como taboa de salvação, surgindo, então, a necessidade das reformas previdenciárias que, nestes tempos bicudos, ocorreram por toda a parte.

Neste embalo, em seu primeiro ano de governo, acolhendo desejo manifestado pelos grandes Raubritters ainda no mandado de Fernando Henrique Cardoso, seguindo a agenda ultraliberal a que se propôs, o presidente Bolsonaro aprovou uma 'reforma da previdência'. Sem jamais admitir o propósito de impulsionar o sistema privado de previdência, mas, também, sem esconder o descompromisso com a melhoria do sistema público então vigente, os capitães da reforma [da previdência], com destaque para o ministro Paulo Guedes, diziam-na necessária como única forma de salvar o sistema [previdenciário] da bancarrota e, entre as justificavas, citavam o envelhecimento da sociedade: 'A situação ficará insustentável em poucos anos, pois, ao contrário de antigamente, quando para cada idoso aposentado havia quase dez jovens entrando no mercado de trabalho, no futuro, esta situação vai se inverter e, na prática, não haverá quem sustente os velhos', diziam e repetiam. A reforma da previdência seria, então, uma imposição demográfica.

A tese da imposição demográfica é inconsistente e pode ser esvaziada pelo desenvolvimento científico e tecnológico.

Observe que, nos dias correntes, seguindo a liberdade proporcionada pela 'mão invisível' que afaga o mundo capitalista, para escapar de custos diretos e indiretos das Folhas de Pessoal, [para] obter ganhos operacionais, enfim, [para] conquistar preciosos pontos na corrida pela competitividade, as empresas são estimuladas a adotar inovações tecnológicas que substituem homens por máquinas e, com o lícito propósito de aumentar o lucro, fazem isso sem qualquer sentimento de culpa. Assim, enquanto beneficia uns, as inovações tecnológicas costumam dar origem a problemas de outros. De fato, ao tempo que constrói fortunas e proporciona as vantagens decorrentes do avanço, o desenvolvimento científico e tecnológico aumenta o desemprego setorial e, nesta esteira, contribui para uma série de mazelas, inclusive a redução do número de profissionais ativos que sustentam aposentados e, ainda, desfalca os cofres da assistência e da previdência social das contribuições não recolhidas.

Mas, não precisa ser assim.

O desenvolvimento científico e tecnológico não precisa servir apenas como instrumento para alguns impulsionarem, consolidarem e fortalecerem nichos de conforto e de fortuna, podendo contribuir efetivamente para a realização do Bem Estar Social, possibilitando, inclusive, o surgimento de um “Novo Homem”, menos ocupado, com melhores condições para se dedicar à vida, ao lazer e a contemplação.

Aliás, não é justo que os beneficiários das benesses decorrentes das inovações tecnológicas não paguem os custos a elas [às benesses] correspondentes. Se não há como universalizar o desfrute imediato dos avanços científicos e tecnológicos, que, pelo menos, os marginalizados [do desfrute] não sejam obrigados a pagar as suas contas ou, mais precisamente, que os beneficiários [do desfrute] arquem com os seus custos. De fato, se não há como externalizar todos os benefícios, que, pelo menos, os custos associados ao avanço tecnológico sejam internalizados ao universo da sua aplicação. Se, por exemplo, máquinas substituem homens na atividade econômica, o pagamento das contribuições sociais e previdenciárias que caberiam àqueles por elas desempregados devem ser pagas pelos beneficiários do seu trabalho [das máquinas]. É chegada a hora de as máquinas passarem a pagar as contribuições sociais e previdenciárias dos homens por elas desempregados, recompondo o tesouro dos cofres que sustentam inativos, aposentados e pensionistas e, desta forma, criando uma nova abordagem demográfica para a questão. Por outro lado, do mesmo modo que uma reforma depreciou a previdência pública para fazê-la caber num orçamento depreciado, uma outra [reforma] pode alterar as fontes das contribuições previdenciárias para recompor as finanças do sistema.

Com a incorporação das máquinas à base de arrecadação do sistema, a imposição demográfica que justificou a reforma perde substância e novas perspectivas se abrem para a previdência social pública.

Alexandre Santos é presidente do Clube de Engenharia de Pernambuco, ex presidente da União Brasileira de Escritores e coordenador nacional da Câmara Brasileira de Desenvolvimento Cultural