O “fenômeno” Bolsonaro

Não tem como não ser prolixo nem crítico em relação ao que ocorre hoje no governo Bolsonaro. Sua postura autoritária e irresponsável diante da pandemia que acomete não só o país, mas também o mundo é algo que podemos considerar natural diante de um presidente que não participou de debates públicos nem apresentou sua proposta de governabilidade. Digamos, em suma, que a política individualista e protecionista (em relação à sua própria família) é algo esperado.

O fenômeno Bolsonaro começa, a meu ver, com a falha dos governos democráticos em relação à administração pública. O pensamento neoliberal tomou conta das administrações estatais e minou políticas de melhoria na saúde, educação e segurança públicas. Portanto, houve uma crescente exploração do discurso neoliberal – onde o trabalhador comum vira um potencial empreendedor – a fim de iludir o povo brasileiro.

Comecemos com a inflada eleição eleição de 2014 que, motivada pelos movimentos populares nas ruas do país no ano anterior, ocorreu uma polarização da chamada “nova direita”. Liderada por Aécio Neves, candidato psdbista, também viu-se uma crescente onda de discurso misógino relacionados à então presidente Dilma Rousseff e à preocupação econômica, visto que no supracitado ano, houve uma forte crise econômica em níveis globais e um drástico aumento do desemprego no país.

Mesmo sob inquéritos de um helicóptero com quinhentos quilos de cocaína em uma fazenda de um familiar, Aécio Neves conseguiu – junto a grupos que naquele momento nasciam, como o Movimento Brasil Livre (MBL) e e Vem Pra Rua – inflar o discurso de um pensamento de direita que, mais tarde, tornar-se-ia mais agressivo e flertaria com posturas fascistas, a cargo de Jair Bolsonaro.

Pude perceber, como eleitor, que os eleitores remanescentes daquela eleição de 2014 ficaram, a partir da vitória de Dilma Rousseff, sem um representante “à altura”, pois logo após as eleições a tentativa de Aécio e do PSDB de cancelarem as eleições foi falha. Um tiro no pé, visto que Aécio já chafurdava em denúncias de corrupção e via sua imagem muito empoeirada para uma futura candidatura.

Eis que nasce Bolsonaro. (Devemos recordar-nos de que Jair Messias Bolsonaro havia começado sua carreira política havia quase trinta anos da eleição de 2014.) Com um forte apoio dos mencionados movimentos populares e uma substancial exposição em emissoras de televisão, ele foi visto como um mártir por eleitores enraivecidos pela reeleição de Dilma Rousseff. E a grande oportunidade de Bolsonaro chegaria.

Com as fortes crises política e econômica que assolavam o país, o drástico aumento do desemprego e a diminuição do poder de compra dos consumidores (que foi uma das estratégias petistas para ganhar o eleitorado em detrimento de uma política de conscientização popular e melhorias no bem-estar social), à presidente Dilma Rousseff foi-lhe imputada uma contestável investigação sobre pedaladas fiscais. Com a iminente derrota, a então presidente, por ter sido democraticamente eleita e por não ter cometido crime de responsabilidade algum, não fez a vontade da elite econômica do país em renunciar.

Nesse ínterim, os partidos que se diziam de centro e os que flertavam com a direita puderam assumir as suas bandeiras com tranquilidade. Certos da vitória contra a democracia, viam sua popularidade crescer e personagens de intelectualidade contestável como Joice Hasselmann, Alexandre Frota, Olavo de Carvalho, entre outros começaram a endossar a figura de Bolsonaro que, por ter Messias cravado no nome, foi o nome alçado por lideranças evangélicas e católicas como um futuro presidente.

A laicidade da Constituição do país não foi suficiente para que Bolsonaro pusesse em como seu slogan “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. As viúvas de Aécio Neves viram na figura angélica bolsonarista o seu instrumento de vitória contra o projeto político petista de uma intervenção comunista que não configurou-se em quase 15 anos de governabilidade.

Em 2018, Bolsonaro perdia para Lula nas prévias das eleições em outubro. O ex-presidente venceria com folga no primeiro turno, só ameaçado por Bolsonaro – que não chegava à metade em intenções de voto. Contudo, houveram três ocorrências cruciais para a vitória de Bolsonaro naquele mesmo ano: 1) a prisão de Lula; 2) o concílio com o herói da direita brasileira, o então juiz Sérgio Moro; e 3) a facada. Pronto: Bolsonaro virou um mártir.

E a governabilidade do presidente estamos apreciando até agora, maio de 2020.

Bolsonaro é um fenômeno porque mesmo após o envolvimento de sua família na morte de Marielle Franco e sua foto com um dos assassinos, mesmo após as inúmeras fake news disparadas durante as prévias das eleições de 2018, mesmo após a saída de Sérgio Moro do governo a alegar que o presidente queria estar por dentro das investigações da PF e colocaria na liderança da instituição um amigo de sua família, mesmo após saudar e prestigiar um ato bárbaro para a democracia brasileira que foi a ditadura militar que matou milhares de pessoas, há pessoas que continuam firme com ele. Há pessoas que ainda acreditam nessa figura messiânica e que trará a salvação para o povo brasileiro.

Bolsonaro é um fenômeno tão viral quanto o COVID-19: a diferença é que ele é daninho à saúde mental e os sintomas são os mesmos da doença do fascismo.

Extraído do blog do autor: https://guizelig.wordpress.com/2020/05/01/o-fenomeno-bolsonaro/?fbclid=IwAR0G4-fY_OOy-yLBUmYyLwYewJ_WAgENHbfEXrI-Spq59u1Rflq20wEDh7E

Guilherme Zelig
Enviado por Guilherme Zelig em 02/05/2020
Código do texto: T6934808
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2020. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.