O CORONAVÍRUS NO BRASIL DAS ARENAS PARA A COPA DO MUNDO – PODERÍAMOS, AO MENOS, TER DIREITO A UMA MORTE MAIS DIGNA.

Aflitos temos visto algumas pessoas internadas em hospitais tentando passar para o mundo de fora mensagens que denunciam absoluto abandono em enfermarias e UTIs. Enquanto ainda dispõem de um pouco de lucidez e força, alguns internados mandam vídeos para seus parentes reclamando de fome, de sede, de dores e de absoluta falta de assistência médico hospitalar, o que poderá estar acontecendo tanto por medo dos profissionais de saúde de se contaminarem como por ruindade mesmo, porque a classe não é flor que se cheire.

No navio de guerra, em que servíamos, havia um desses seres desalmados. À bordo, a atividade por si só, mesmo em época de paz, é muito bruta e sujeita a diversos tipos de acidentes. Manobra-se equipamentos muito pesados e perigosos e os acidentes se tornam rotineiros.

Um enfermeiro se divertia quando alguém chegava à enfermaria gemendo, depois de ter-se envolvido num desses acidentes. E ele, impiedosamente dizia: chorando por que? Deixe de ser frouxo! A dor não existe! - E isso acontecia durante todo o atendimento.

Ocorre que quando toca exercício de guerra no navio, as simulações são como se estivéssemos mesmo em plena batalha. Cada um já tem o seu lugar bem decorado no juízo. No canhão, na Praça de Máquinas, no timão. A operação não dispensa ninguém. Médico, enfermeiro, cozinheiro, cada um assume o seu papel na guerra, muito diferente das atividade naturais e rotineiras.

Num desses treinamentos, o tal enfermeiro subia a escada de quebra-peito para assumir sua posição num metralhadora ponto cinquenta, quando escorregou e com o braço entres os degraus, que são barras de ferro horizontais e paralelas, teve uma fratura exposta, do mais alto grau de gravidade. Desesperado e já sendo atendido pelos colegas, ele chorava alucinadamente. Aí, para ir à forra, a marujada debochavam da sua dor, o repetindo: “Deixa de ser frouxo, a dor não existe!”

E isso não é particularidade de uma enfermaria num navio de guerra. As UBSs, as UPAs, os Hospitais são lugares onde se concentram muitas pessoas como o marujo, insensível à dor dos outros, que blasfemava o tempo todo que “a dor não existe”. Em qualquer unidade de saúde, uma pessoa nunca será atendida às nove, se o atendente, para mostrar que manda, puder deixá-la esperar até as dez. Um médico nunca prescreverá um comprimido se puder em lugar desse indicar uma injeção, que provoca muito mais dor, a não ser que a reação dessa seja mais rápida e eficaz.

Presenciei recentemente nos noticiários de TV, estupefato, declarações de que o doente de Coronavírus que chegasse ao hospital com sintomas leves, no início do processo inflamatório, teria que esperar por sete dias para que a doença se agravasse, e órgãos como pulmões e coração estivessem já muito comprometidos, para se dar início ao tratamento. Imaginem que isso se dava como uma doença que só falta matar o paciente de dor, de falta de ar, de febre, de tosse e de outras enfermidades. Que lógica pode haver no fato de se ter que se esperar o agravamento do mal para se correr em busca da cura? Por que a gripe deve ser combatida no seu início para que não se transforme numa pneumonia? Porque essa é a lógica. O mal tem que ser combatido no início porque o remédio é mais eficaz e o resultado muito mais rápido. No início da pandemia a orientação era para que, apenas as pessoas que estivessem contaminadas usassem máscaras. Essas são lógicas incompreensíveis e que viajam na contramão da vida, da matemática, da física. Em menos de sessenta dias as coisas se inverteram todas e hoje, todo mundo tem que usas máscara porque, com esse procedimento, evita-se que a pessoa boa não seja contaminada. Cento e oitenta graus defasados do que se dizia há pouco mais de um mês.

E, pelo sofrimento que temos observado ter passado nosso povo, e, considerando o fato de que as unidades de saúde não têm capacidade de atender ao número efetivo de doentes, considerando que essa doença provoca dores insuportáveis, nós deveríamos ter ao menos o direito de recusar o tratamento hospitalar, de poder morrer em qualquer lugar, na nossa casa, no mato ou na rua, ou melhor, o governo poderia encaminhar um projeto de lei que autorizasse o brasileiro, que desejasse, a tomar uma dose letal de veneno porque ao menos poderia morrer com mais dignidade.

Em verdade, vivemos um momento de revelação de que os nosso políticos nas últimas décadas não só mataram nosso povo de fome como também nos condenaram a morrer nas filas dos poucos hospitais, que tiveram a sua prioridade de construção substituída pela dos estádios, mais caros e com mais possibilidade de desvio de dinheiro público.

Justino Francisco dos Santos.

Escritos. Em 16. 05.2020.

Justino Francisco
Enviado por Justino Francisco em 16/05/2020
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