O sistema intrínseco à vida.

A massificação da música está cada vez mais presente em nossas vidas. Gostando ou não, nos pegamos cantarolando músicas que estão no auge nos meios de comunicação. Com a ajuda da internet, essa propagação está cada vez mais rápida, proporcionando escutarmos por meio de plataformas digitais músicas recém lançadas, aumentando o nicho alcançado.

As músicas, neste sentido, assumem um caráter comercial: é necessário compor e tocar o que vende. Me lembro de uma entrevista com Caetano Veloso no documentário sobre a vida e obra de Raul Seixas, “o início, o fim e o meio”, onde, quando perguntado a respeito, ele afirma que Raul nunca fez uma música para tocar na rádio, e lembra tocando a música “ouro de tolo”, onde era totalmente inaudível à época, pois ela foi feita com uma melodia menor que a letra, dificultando a execução e memorização da letra. Também me recordo da música “Revolution” dos Beatles, que a guitarra estridente confessava a falta de equipamentos sonoros capazes de fazer o que George Harrison queria fazer na guitarra. Estavam além do seu tempo. Devido a nossa vida prática e corrida, necessitamos de músicas rasas e de fácil entendimento. A arte imitando a vida.

Nesta lógica de padronização de vida e música, percebemos uma espécie de padronização no modo de vida. Aliado à globalização iniciada no século XVI, as culturas passaram a ser hierarquizadas, e um modo de vida dominante começou a ser colocado como normalizador de outras vidas. Com esta desculpa esfarrapada de civilidade, a África e outros países foram invadidos no chamado Neocolonialismo do século XIX; suas riquezas foram tiradas, seus povos subjugados, sua cultura sofreram modificações, embora a resistência tenha sido maior, tendo em vista que não apenas o invasor influência, mas também é influenciado pela cultura nativa. O mapa cor de rosa (nome do mapa da África que fora aberto sob uma mesa para a partilha da áfrica entre os europeus) tornou-se o símbolo de invasão. Por que não falar também do genocídio desenfreado sofrido pelos nativos brasileiros? O quanto da vida deles habita em nós?

Lockdown, Drive Thru, Fast Food, Netflix, Spotify, Facebook, Instagram, YouTube, Google Docs, a ferramenta a qual vos escrevo. A globalização está aí, na nossa frente, no nosso cotidiano. Tanto na linguagem, apropriando para nós conceitos e nomes que não são nossos, e no nosso modo de vida, como nos portamos, como nos expressamos. Acordamos às seis, levamos as crianças às sete e meia para escola, trabalhamos das oito às doze, voltamos de duas, trabalhamos até às seis. Faculdade à noite, às dez chegamos. Trabalho e atividades da faculdade, noticiário, uma série, filme, quando dá tempo. Na madrugada insônia. Contas e contas para pagar. Amanhã, como será no trabalho? Ansiedade, medos, angústias. Nossa vida fadada pelo sistema, no ciclo vicioso a vida passa tão rápido, e já estamos no mês cinco.

Nem vimos as “as águas de março fechando o verão” e a promessa de vida para nosso coração passou longe. Não apreciamos a arte, não prestamos atenção na introdução de uma música. Lemos o necessário. A vida se tornou fútil e rasa. Assim como no filme “o poço” a ordem é sobreviver ao sistema. Amarramos o nosso amigo, mesmo tendo uma afeição por ele, afinal a comida não chegará, e eu preciso me alimentar.

O quanto da vida dos outros têm na nossa? O quão marcados somos pelo sistema? Na linguagem zé ramalhense, estamos vivendo uma vida de gado, fazendo parte dessa massa, marcados pelo sistema, mas estamos mesmo felizes? Na linguagem Raul Seixista, parecemos com o seu amigo Pedro, que só usa sempre o mesmo terno, que vai pro seu trabalho todo dia, e nem sabe se é bom ou é ruim. Calçamos o sapato dos outros, e aperta, afinal o número não é o mesmo. É lógico e notório que o sistema é maior do que nós, e precisamos nos render a ele para sobreviver, mas podemos, na medida do possível, humanizar o sistema, e sermos nós mesmos…

Davi Alves,

Caruaru, 10 de março de 2020.