O Brasil precisa se libertar dos ranços que travam o crescimento

O Brasil precisa se libertar dos ranços que travam o crescimento

Alexandre Santos*

Retirados os tempos nos quais atuei apenas na condição de consumidor (quase sempre custeado pelas parcas mesadas fornecidas pelo meu pai) e, depois, como prestador de serviços (passei a dar aulas particulares quando ainda cursava o antigo Científico), o meu ingresso 'formal' na Economia ocorreu pouco depois de cumprir o serviço militar obrigatório, quando me associei a dois grandes amigos e abrimos o negócio que nos colocou na esfera das chamadas classes produtoras. Compramos um caminhão para agregar à frota da construtora Faulhaber, que, na época, executava obras do Planasa. Nossas economias eram insuficientes e precisamos recorrer a um agiota para efetivar a aquisição. O negócio era simples: com as receitas geradas pelo caminhão, cobríamos as despesas, pagávamos os juros devidos ao agiota, guardávamos um pouquinho para eventualidades e restante era o nosso rendimento. Para isto dar certo, bastava a taxa de lucro ser maior do que a taxa de juros. Assim fizemos nós, assim faz o dono da padaria, assim faz o dono do restaurante, assim faz todo e qualquer empresário, praticando uma operação (usar o dinheiro de terceiros para financiar projetos) que os financistas chamam de Alavancagem. Aliás, se os empreendedores fossem esperar pelo total do dinheiro necessário para abrir negócios, poucos [negócios] sairiam do papel e muitas padarias, restaurantes, transportadoras, fábricas, postos de gasolina, supermercados, etc. jamais existiriam. Assim, o chavão 'uma pessoa só pode gastar o que tem' - dito e repetido à exaustão, especialmente pelos conservadores, que, sem qualquer esforço para diferenciar 'custeio' de 'investimento', parecem torcer pelo imobilismo - [o chavão] é papo furado e se todo mundo seguir a recomendação, a humanidade voltará à idade das pedras. O fato é que, se quiserem crescer economicamente, as pessoas físicas e jurídicas precisam 'gastar' mais do que têm e aproveitar as possibilidades decorrentes da alavancagem.

Pois bem. Se este raciocínio vale para a iniciativa privada, por que não se aplica ao setor público? Será que é certo, por exemplo, excluir uma região do esforço produtivo - imobilizando terras, capacidades empresariais, conhecimentos técnicos e científicos, deixando de gerar empregos e arrecadar impostos que poderiam financiar atividades importantes - apenas porque o governo 'só pode gastar o que tem'? Por que o setor público não pode se aproveitar da alavancagem que poderia gerar riquezas e [gerar] condições para o crescimento econômico e desenvolvimento social? Infelizmente, contaminado pelo vírus do imobilismo, o governo do Brasil adota a regra do nada-fazer e, deliberadamente, despreza as possibilidades da alavancagem, abrindo mão da chance de converter potencialidades econômicas em riquezas efetivas e, com isso, negando oportunidades aos empresários e empregos aos operários.

Neste aspecto, os principais mecanismos de imobilização da Economia do País são a Lei de Reponsabilidade Fiscal - como é conhecida a Lei Complementar nº 101, instituída no governo de Fernando Henrique Cardoso em 04 de maio de 2000, que condiciona os gastos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios às respectivas capacidades de arrecadação - e o chamado Teto dos Gastos Públicos - como é conhecida a Emenda Constitucional nº 95, instituída pelo governo Michel Temer em 15 de dezembro de 2016, que limita as despesas e investimentos públicos até o ano de 2036, estabelecendo como teto os valores realizados no ano anterior corrigidos pela inflação. Assim, cerceados por estes dois instrumentos, apesar de saberem que a prosperidade e o crescimento econômico são movidos pela ousadia e pela iniciativa empreendedora, mesmo que queiram, os governos estão impedidos legalmente de realizar investimentos e, aprofundando crises e retardando reações, deixam de financiar empreendimentos, construir estradas, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos, geradores de energia, linhas de transmissão, etc. etc. O efeito deletério destas duas camisas-de-força se tornou mais nítido nestes últimos tempos, quando (veja que absurdo), até para enfrentar a pandemia do Coronavírus, o presidente Bolsonaro precisou de uma autorização especial do Congresso Nacional para decretar estado de calamidade pública e, assim, poder 'desrespeitar' as metas fiscais sem cometer crime de responsabilidade e correr o risco de enfrentar processo de Impeachment.

Na realidade, garroteado pela LRF e pela EC 95 - assim como não poderia realizar as despesas extraordinárias indispensáveis ao combate à pandemia de Coronavírus -, o governo não poderá fazer os investimentos públicos necessários para enfrentar a situação atual, marcada pelo agravamento exponencial da crise econômica original e já responsável por severa iniquidade social. Além de o momento ser muito grave e requerer uma atitude proativa do Estado - o qual não pode ficar de braços cruzados à espera do último suspiro -, o Brasil precisa realizar investimentos públicos para enfrentar a crise e voltar a crescer. Com efeito, os governos federal, estaduais e municipais precisam se livrar dos grilhões impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal e pela Lei do Teto de Gastos para alcançar a capacidade de investimento necessária para converter sua potencialidade econômica em riquezas efetivas, descortinando o mundo de oportunidades que, atualmente, está sonegada aos empreendedores e ao Povo brasileiros. Isto é o mínimo que o Estado deve fazer neste momento tão especial da vida do País.

(*) Alexandre Santos é ex presidente da União Brasileira de Escritores (UBE), presidente do Clube de Engenharia de Pernambuco e coordenador nacional da Câmara Brasileira de Desenvolvimento Cultural