A amplitude dos mandatos municipais

extrajudicialidade e extraterritorialidade

A amplitude dos mandatos municipais

Alexandre Santos*

Com razão, as pessoas costumam cobrar a responsabilidade do prefeito por tudo o que acontece na cidade, pouco interessando eventuais restrições financeiras ou, mesmo, as atribuições estabelecidas pela Constituição às esferas estadual e federal. Falta moradia? A culpa é do prefeito. Alagamentos, buracos e lixo? A culpa é do prefeito. Avanço do mar, insegurança das ruas. A culpa é do prefeito. Emprego, renda, qualidade de vida, poluição, industrialização, caos aéreo, mobilidade. Tudo, rigorosamente tudo, é com o prefeito. Vale opinar que, como as pessoas não moram em abstrações políticas, como União ou Unidade Federada, e, sim, nas cidades - em contato direto com as autoridades municipais e, não com o governador ou com o presidente da república -, do ponto de vista objetivo, a supervalorização da figura do prefeito é mais que justificada. Não é sem razão que, ao ver um prefeito esquivar-se de questionamentos sobre certos temas - segurança, calamidades, secas e inundações, recursos hídricos, aeroportos, etc. - dizendo-os da alçada do governador ou do presidente, os munícipes, em variados graus de consciência cidadã, reagem, insistindo em deles cobrar responsabilidades.

No imaginário das pessoas, talvez pela proximidade com o governante, o prefeito é a autoridade responsável por tudo o que ocorre ou influencia a cidade. Na prática, esta realidade cria responsabilidades municipais concretas, inclusive sobre áreas que, nos termos da Constituição Federal, estão sob a alçada de outras esferas administrativas. Na ponta inversa, sendo ele mesmo um munícipe, o prefeito sabe da responsabilidade política que tem sobre todos os assuntos públicos no âmbito municipal. Se quiser ser bom governante, o prefeito tem de contornar as restrições financeiras que dificultam a realização das tarefas próprias do cargo e ir além dos limites estabelecidos pela Constituição na busca de soluções dos problemas que perturbam o bem estar municipal.

A amplitude das responsabilidades efetivamente cometidas e cobradas pelo povo ao prefeito, desdenha definições legais e, sem compostura, remete as atribuições do cargo para campos que transcendem os limites constitucionais e, mesmo, territoriais do município, ampliando a envergadura dos cargos locais. Esta condição fica mais clara quando se espera do prefeito a solução de problemas decorrentes de externalidades, algumas das quais nascidas e fincadas firmemente em áreas físicas ou institucionais muito longe das circunscrições municipais. É o caso, por exemplo, do colapso da mobilidade urbana - um problema continuamente agravado pelos estímulos dados à indústria automobilística, que, beneficiada por reduções do IPI, crédito abundante e outras facilidades, empanturra vias já congestionadas, comprometendo a qualidade de vida nas cidades.

Assim, acuados em muitas frentes, os prefeitos passam a atuar em universo distinto da jurisdição estabelecida em lei para tentar influir no processo decisório estadual e federal sobre assuntos que afetam a cidade e seus munícipes. É nesta perspectiva, por exemplo, que, impelidos pela responsabilidade do cargo e sem poder alegar limitações financeiras ou legais para deixar de fazer as coisas que as cidades precisam e merecem, os prefeitos passam grande parte dos mandatos fora das cidades em busca de convênios e parcerias com os governos estaduais e federal para reforçar a capacidade operacional das prefeituras, ou se empenham em formar consócios municipais para o enfrentamento coletivo de problemas comuns e, isolada ou conjuntamente, fazem romarias aos Palácios de Governo Estaduais ou ao Palácio do Planalto - como nas recentes 'Marchas dos Prefeito à Brasília' para pressionar por maior justiça na repartição dos Royalities do pré-sal ou em busca de compensações pelas perdas decorrentes da redução do IPI à indústria automobilística - com os chamados 'pires nas mãos'.

Tudo isto diz que, ao invés de limitar a administração municipal pelas fronteiras da cidade, os prefeitos precisam ampliar a sua ação para além das áreas físicas e legais da jurisdição estabelecida na constituição e, fora as tarefas administrativas tradicionais, [os prefeitos] precisam estruturar elementos de mobilização, articulação, pressão e convencimento para sensibilizar os governos e as bancadas parlamentares estaduais e federais a aprovar ou rejeitar, conforme o caso, projetos que influenciam as cidades. Os prefeitos incapazes de fazer valer a força política dos municípios que governam para adquirir e ampliar a governabilidade e a governança necessárias para superar os problemas que afetam a prosperidade e o bem estar dos conterrâneos não merecem o cargo que exercem.

(*) Alexandre Santos é presidente do Clube de Engenharia de Pernambuco, ex presidente da União Brasileira de Escritores (UBE) e coordenador nacional da Câmara Brasileira de Desenvolvimento Cultural