Liberais e Conservadores: é preciso falar sobre Pós-modernidade

Há quase 30 anos se encerrou um longo período em nossa história chamado de Guerra Fria (1947-1991), desde então vivemos intensamente os prenúncios do que se chamou de Pós-modernidade: fragmentação ideológica, descrença em sistemas de pensamento totalizantes, desconfiança na razão como parâmetro universalizante das divergências e diferenças humanas, culturais, políticas e sociais.

Em outra palavras, teorias e filosofias que se propunham capazes compreender a humanidade, o pensamento e a cultura como um todo, indiferente às perspectivas culturais e políticas, declinaram ou foram isoladas como dogmas, arbitrariedade ou crenças do século passado.

O novo conservadorismo não é mais que uma reação a estes novos tempos, embora inapropriadamente acusem o comunismo como responsável por esta fragmentação (como quebra de padrões e de uma pretensão de uma universalidade) é outro o movimento que provoca esta situação que ele identifica como declínio da cultura, da arte e da filosofia ocidentais.

Evidentemente tal tendência que se observava tanto no pensamento acadêmico como nas expressões artísticas e culturais, onde qualquer apelo a um padrão universalmente aceito ou mesmo de se construir e alcançar tal padrão se tornou algo obsoleto e pretensioso.

O motivo desta descrença na universalidade da razão pode ser encontrado no próprio declínio, implosão do sistema soviético, e suas contradições internas igualdade e opressão, igualdade e miséria, etc.

A existência de um mundo cada vez mais globalizado tornou inapropriadas qualquer barreiras ideológicas, nacionalistas e culturais a expansão de mercados e do consumo. Como dizia Marx em relação ao capital "tudo que é sólido explode no ar".

Observamos em relação a muitos movimentos sociais o que chamamos de setorização. Não vemos, comparado a décadas atrás, as pautas feministas, do antirracistas, trabalhistas uma visão do todo, um projeto para a sociedade que vá além de pretensões localizadas e interesses específicos.

Não aponto isto como uma incapacidade dos mesmos, mas da própria dificuldade que qualquer movimento ou ideologia possuem de serem aceitos como uma ideologia e visão de mundo compreensíveis e interessadas a qualquer um que "tenha bom senso e seja racional".

O resultado é algo parecido com que chamamos de "bolhas sociais". Na impossibilidade de convencer uma infinidade de pessoas e múltiplos interesses, os grupos se fecham em si mesmo e operam a partir dos já catequizados - sem pretensões de atingirem um grupo mais amplo da sociedade.

As implicações políticas disto tudo são preocupantes:

* O diálogo entre os diversos grupos se torna difícil e descamba para conflitos e guerras de narrativas que produzem mais isolamento e o efeito das bolhas.

* A segmentação atinge internamente estes grupos que se sentem cada vez menos representados quando seus interesses se chocam com os de suas lideranças e colegas - não havendo o diálogo, mas o consenso intuitivo, os grupos se dividem ou se enfraquecem.

* A organização intencional e objetiva para que as mudanças sociais e econômicas sejam realizadas se torna cada vez mais utópica ou quando avança um pouco se dissolve em interesses negociados e coligados. Ficamos a mercê das necessidades e urgências que se manifestam por ondas de violência, fome e desastres naturais - algo que ainda nos une de alguma forma.

* os diversos interesses não se organizam mais como interesses gerais de uma sociedade, pelo menos não pelos políticos e movimentos sociais. A mídia também não consegue tal unificação, pelo contrário, ele alimenta a segmentação e instrumentaliza as bolhas.

* Resultado final: enquanto a política se dissolve em bolhas e interesses difusos, onde o consenso intuitivo é mais provável que a construção dialógica de pontes entre as pessoas e interesses, as grandes empresas e capitais se tornam cada vez mais poderosos: se tornam cada vez mais o interesse predominante tanto economicamente como ideologicamente.

Esse último ponto implica que enquanto as pessoas discutem problemas específicos como identidades, aumento de salário, discriminações e proteções legais a lógica do capital continua intacta, predominante e operacional.

O capitalismo se tornou não só a forma como o mundo produz sua sobrevivência, mas seu próprio espírito.

Acreditamos que nosso mundo particular é também o universo possível e relevante, enquanto nosso mundo particular não passa de uma peça em um maquinário maior. Acreditamos sermos mais livres do que ontem da opressão ideológica, podemos ser o que quisermos ser. Na verdade, escolhemos entre aquilo que não é relevante para o sistema regular ou controlar.

A pós-modernidade esta longe de ser uma análise ou diagnóstico epistemológico do que entendemos por pensamento e arte ocidentais. Se trata de um reflexo ideológico de um sistema econômico que se desprende cada vez mais tradições, costumes, valores, verdades que não sejam úteis em termos de produtividade, distribuição e consumo de bens.

>>> Adendo: Liberais e Conservadores

Embora possa parecer que tal diagnóstico iria ao encontro de premissas do liberalismo político, como o que entende a democracia como a necessidade de uma sociedade em que nenhum pensamento precede o outro em termos de importância ( igualdade entre os homens) e que a razão discursiva seria uma baliza para definirmos o que é válido ou não - a pós-modernidade nega até mesmo esta capacidade da razão de nos levar a termos comuns e consensos.

O novo conservadorismo é evidentemente uma reação a estas tendências pós-modernas que não se iniciaram em 1991, com a queda da ex-URSS, mas já se mostravam no pensamento acadêmico através de pensadores e pesquisadores pós-estruturalistas. Poderíamos ir mais longe e encontrar no niilismo, perspectivismo do final do século XIX os precursores disto que o conservadores gostam de chamar de relativismo.

Então já tínhamos as bases filosóficas para produzir uma crítica, tal como se tornou a pós-modernidade, já no século XIX. Só que nacionalismos, etnocentrismos e racismos eram ideologias necessárias ao tipo globalização imperialista que contribuiu para que o mundo testemunhasse as duas maiores guerras que a humanidade travou contra si mesma.

A globalização atual, ou sua nova fase como alguns preferem dizer, não é o imperialismo das nações, mas do capital.

Wendel Alves Damasceno
Enviado por Wendel Alves Damasceno em 04/08/2020
Reeditado em 23/10/2020
Código do texto: T7026068
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