A Relevância da "Raça" para Eleitores Brasileiros

Conforme Souza e Nascimento (2008), o debate acadêmico em torno da construção da identidade nacional brasileira ficou mais intenso a partir do final do século XIX, quando grandes mudanças estruturais ocorreram no Brasil, como a proclamação da República e a abolição da escravidão. Esse período também foi marcado pela escalada de sentimentos nacionalistas entre as elites e as classes médias recém-formadas, que viam a construção de um sentido sólido de nacionalidade brasileira como intrinsecamente associada a uma busca pelo desenvolvimento e reconhecimento mundial.

Havia uma visão negativa do Brasil na Europa e Estados Unidos por causa do “racismo científico”, devido à ideia de que o país recém surgido seria sempre atrasado, por causa da grande parcela de população negra e mulata. Em resposta a essa imagem negativa, as elites culturais elaboraram a “contra-teoria”, que ainda se encaixava no paradigma do racismo científico, de que o Brasil se tornaria “mais branco” e se desenvolveria, talvez até o século seguinte, por meio da mistura racial.

Com o clima otimista e fortemente nacionalista desencadeado pelo processo de modernização iniciado na década de 1930, uma nova geração de intelectuais finalmente aceitou a realidade de uma população miscigenada, de modo que a celebração da harmonia racial foi a espinha dorsal da identidade brasileira. Mais do que isso, essa heterogeneidade deu ao Brasil um certo ar moderno – mais moderno que os EUA, que ainda aplicavam políticas segregacionistas.

Foi nesse contexto que surgiu o que tem sido chamado de “mito da democracia racial”. A fama do Brasil como um paraíso seguro do racismo ganhou legitimidade entre as elites, uma vez que foi endossado por intelectuais do exterior, especialmente por aqueles que viviam em sociedades segregadoras. Mas com o tempo os estudiosos chegaram à conclusão de que, embora houvesse um clima de tolerância racial incomparável – e alguns diriam que nem isso pode ser dito do Brasil –, a imagem da democracia racial era uma descrição simplificada e otimista demais. Uma série de estudos surgiram desde então documentando a discrepância entre brancos e não brancos em relação a renda, emprego, acesso à educação, saúde, expectativa de vida, mobilidade social, habitação, etc. (SOUZA e NASCIMENTO, 2008).

Curiosamente, uma pesquisa de Thad Dunning (2010) para o Departamento de Ciência Política da Universidade de Yale chegou à conclusão de que o eleitor brasileiro não leva em consideração a etnia do candidato na hora de votar. Ele mostrou vídeos de candidatos brasileiros, variando aleatoriamente a etnia, roupas e conteúdo das falas dos atores, e descobriu que a classe social (manifesta nas roupas e no modo de falar) tem um efeito significativamente positivo para a maioria dos eleitores, mas a etnia não é levada em consideração.

Outras pesquisas, como a de Aguilar et al. (2015), parecem contrariar essa hipótese. Nesse trabalho, para indivíduos brancos e pardos auto-identificados, a etnia não tinha importância em votações com poucos candidatos. Mas à medida que o número de opções aumenta, brancos e pardos dão maior preferência a candidatos brancos ou negros, respectivamente. Eleitores negros, por sua vez, dão preferência consistente a candidatos da mesma etnia. A conclusão que se chega é que, embora a etnia dos candidatos tenha uma relevância pequena para o eleitor brasileiro, ela ainda existe, especialmente quando as opções são muito variadas.

AGUILAR, Rosario et al. Ballot structure, candidate race, and vote choice in Brazil. Latin American Research Review, p. 175-202, 2015.

AGUILAR, Rosario. Social and political consequences of stereotypes related to racial phenotypes in Mexico. 2011. Disponível em: <http://repositorio-digital.cide.edu/bitstream/handle/11651/1348/105499.pdf?sequence=1>.

AGUILAR, Rosario. The Political Consequences of Prejudice among Mexicans and Mexican Americans. 2009. Tese de Doutorado. Disponível em: <https://deepblue.lib.umich.edu/bitstream/handle/2027.42/64751/rosarioa_1.pdf?sequence=1>.

DUNNING, Thad. Race, Class, and Voter Preferences in Brazil. Manuscript, Department of Political Science, Yale University, 2010. Disponível em: <http://www.thaddunning.com/wp-content/uploads/2010/10/Dunning_Race-and-Class-in-Brazil_LASA.pdf>.

LEITE, Eldo Lima et al. Nationalism, Patriotism, and Essentialism in the Construction of Brazilian National Identity. Temas em Psicologia, v. 26, n. 4, p. 2063-2075, 2018.

NASCIMENTO, Sílvio Firmo. A historiografia brasileira na visão de Silvio Romero (1851-1914). Saberes Interdisciplinares, v. 11, n. 21, p. 17-29, 2019.

SOUSA, Leone Campos; NASCIMENTO, Paulo. Brazilian national identity at a crossroads: The myth of racial democracy and the development of black identity. International Journal of Politics, Culture, and Society, v. 19, n. 3-4, p. 129-143, 2008.