Carta ao Governador
 
Em todo homem, naturalmente, há um demônio escondido
(Dostoievski)

     “Nos tempos difíceis que atravessamos vivem nossos corações sobressaltados pela notícia dos inumeráveis e inauditos males e desordens que nos chega de todos os cantos da terra, e pelo espetáculo daqueles que nós mesmos presenciamos.” A citação que faço é datada de 14 de fevereiro de 1937, provinda de uma carta pastoral de Dom Pio de Freitas, endereçada aos fiéis de sua Diocese, Joinville, no primeiro Domingo da Quaresma daquele ano. Vasculhando os arquivos históricos da paróquia em que atuo, caiu em minhas mãos esta carta sobre o Espírito Cristão, já de início anunciado por Dom Pio como “remédio que poderia sarar todos os nossos males se fosse aplicado a todos.” Elenco alguns rostos deste Espírito, assim identificados por Pio de Freitas: Espírito de caridade, socorro mútuo e união fraterna; Espírito de paz; Espírito de penitência e combate contra si mesmo; Espírito de desapego e desprendimento do mundo; Espírito de família; Espírito de sobrenatural ideal e desejos do céu, entre outros...

     A última tomada de decisão do Governador de Santa Catarina – por muitos avaliada como desesperadora, infrutífera e sinal claro da perda de controle da situação – anunciando um lockdown, que mais parece carta fora do baralho, engloba uma série de eventos considerados não essenciais, por isso, suspensas suas realizações, entre os quais, cultos e missas. Esta decisão, a meu ver, revela um espírito bem distante daquele que é remédio para nossos males. Penso que quando um representante legítimo do povo, alguém que tem o grave dever de governar, diz ao seu povo que Deus não é mais essencial, quem bate palmas é o diabo. Em momento tão crítico para todos, a fé, a espiritualidade, a religião não são, por acaso, um porto seguro para a vida humana? As pessoas tementes certamente não virarão as costas para Deus, feito aqueles que diante da demora divina, criaram para si um bezerro de ouro. E é em nome dessa gente de fé que eu falo. Quanto aos que nos governam, de que adiantam em seus discursos pedirem que rezemos se em suas determinações descartam nosso Deus? Confesso: não sei qual o caminho acertado que deveríamos tomar enquanto sociedade. Acusar culpados não trás solução. “Somos todos culpados de tudo e eu mais que todos” (Dostoievski). Mas tirar Deus da jogada, creio ser uma escolha infeliz. Quem conhece a História sabe que sempre que isso aconteceu, os desastres foram piores. Querendo ou não, quando é Deus quem governa, ainda que haja cruz, a vida sempre vence.