Nenhum supermercado satisfaz meu coração

Os burgos europeus eram murados. Muitos dos servos que não suportavam a sobrecarga da relação servil tentavam abandonar os feudos e deixá-los parcialmente órfãos. O levante gradual de pedras pesadas e maciças impediam o encontro com a liberdade – que mais seria outra forma de prisão, haja vista o legado nefasto da burguesia em ascensão e faísca. Os servos perdem esse desígnio nominal em tempos, mudam-se os nomes, a prisão é a mesma.

Não sabe-se ao certo qual o preço a pagar pela felicidade sem interrupção. E nunca saberão porque utopias são autoexplicativas e o que significa é tudo: quimera, sonho, fantasia. Há, no entanto, formas que o capitalismo cria para solucionar a busca pela felicidade. É o pote de ouro no fim do arco-íris. Dos que já possuem ouro de sobra, é claro.

Ainda que haja, que cresça, tome conta do mundo, torne-se uma superpotência e domine a comunicação global, existe ainda uma parcela que rema contra as massas onde as riquezas não preenche as necessidades do coração ainda que o capital dispare com a criação de uma máquina revolucionária que substitua o órgão e bombeie sangue pela aorta. Mas o sangue que corre nas veias de quem não é máquina não pode ser substituído. Ao contrário, sucumbiria.

O canal lacrimal que expira de dentro pra fora as lágrimas presas não é encontrado nos estoques de nenhum supermercado. A multi-existência de campos energéticos que provocam o arrepio sentimental não pode ser comprado nem que a bolsa de valores avance descontroladamente. Pra quem tem consciência de que nenhum supermercado satisfaz seu coração, o único preço a se pagar é o de saber que preço algum compra o que o calor humano é capaz de produzir.

“Entre os bárbaros da feira

Ser um relés conformista

Nenhum supermercado

Satisfaz meu coração”

(BELCHIOR. Dandy, 1987)

Anna Karenina D
Enviado por Anna Karenina D em 21/10/2021
Reeditado em 21/10/2021
Código do texto: T7368684
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