SUICÍDIO LENTO E GRADUAL

Após o discurso do ex-juiz, ontem, pude constatar um recrudescimento vigoroso, nas mídias de todas as tendências, da relativização e descaracterização da corrupção como crime de economia popular e cancro destruidor de qualquer nação.

As causas das assimetrias reinantes na política, administração pública, justiça e sociedade nacionais são por demais conhecidas e debatidas, nos artigos e comentários diários da mídia e na internet, e o resultado unânime para a causa mater, por parte dos cidadãos atentos, não é outro senão a corrupção.

Um Congresso legislando em causa própria, empresas financeiras transvestidas de partidos políticos, sentenças judiciais contra o interesse público, uma Corte Suprema transformada em tribunal de recursos para corruptos, juízes do STF nomeados pelo possível réu, promessas de campanha cinicamente descumpridas, impunidade geral, ampla e irrestrita para corruptos, penalização de servidores por aplicarem a Lei, instituições de estado defendendo pessoas físicas próximas do poder, recursos públicos esbanjados na manutenção oficial e oficiosa de campanhas de propaganda de ideologias com fins eleitorais…enfim, bofetadas diárias no rosto dos cidadãos contribuintes. Esses são alguns dos efeitos. E a causa? Uma só, a corrupção.

SEMPRE EXISTIU – Mas como apareceu a praga? Por ter como componente a cobiça humana, acho que o problema sempre existiu e veio nos porões do galeão de Pedro Alvares Cabral e por aqui ficaria vegetando, mas o Pero Vaz de Caminha veio com aquela estória de “em se plantando tudo dá”, e não deu outra – a maldita vingou e aí está, indestrutível.

Num enfoque mais sério e técnico e de acordo com estudo de Jain (ano 2000) pinçado numa tese de doutorado na FGV, a ocorrência do fenômeno da corrupção, abstraindo qualquer aspecto íntimo motivacional, depende de três fatores: existência de poderes discricionários; existência de renda econômica associada a esses poderes e um poder jurídico-legal que represente pequena probabilidade de detecção e punição.

NA CONSTITUINTE – O processo de descentralização introduzido pela Constituição de 88, atribui aos municípios recursos independentes de gestão central e consequente poder discricionário para gerenciá-los, sem instituir mecanismos de controle apropriados. Os três fatores tinham sido reunidos em solo fértil e frutificaram exponencialmente.

A mensuração dos devastadores efeitos da praga é difícil até para organismos oficiais e acadêmicos, já que os montantes financeiros só são conhecidos na medida em que se desvendam os crimes. Num extenso trabalho da FGV que pesquisei, foram só projetados vários índices de percepção que podem servir de base para pesquisadores e acadêmicos, mas nada revelam para o povo leigo, principal vítima do fenômeno.

Tenho observado que nos últimos dez anos, as atividades de pesquisa e monitoramento das práticas corruptas na Administração Pública têm amainado, mesmo com o fenômeno Lava Jato, e que esse tipo de análise ficou mais forte na área das empresas privadas.

TAMANHO DO PROBLEMA – Para informação e conscientização dos leitores, vou passar algumas informações esparsas, na medida que foram coletadas, mas que darão uma ideia do tamanho do problema.

Em 2008, um estudo da Fiesp calculava o prejuízo financeiro da corrupção em 2,3% do PIB, alcançando um montante de R$ 69,1 bilhões. Assim, a projeção para o PIB de R$ 7,3 trilhões de 2019 é de R$ 167,1 bilhões.

Em finais de 2017, a Lava Jato contabilizava recuperação de R$ 4,3 bilhões e a PF apurava um prejuízo na Petrobras de 42 bilhões proveniente dos efeitos da corrupção, enquanto a empresa só assumia um pagamento de R$ 6 bilhões de propinas.

Em 2017/2018, o Forum Econômico Mundial nos classificou como o 5º pais mais corrupto do mundo.

Em 2019, a Transparência Internacional classificou o Brasil no pior lugar da série histórica, com apenas 35 pontos.

Bem, quando um simples gerente da Petrobras se compromete a devolver 100 milhões de dólares…os “inocentes” de todas as ideologias e religiões teimam em retirar a palavra corrupção do idioma pátrio e relativizar seu potencial destrutivo para não correr o risco de inflar certa candidatura.

Um Velho na Janela
Enviado por Um Velho na Janela em 11/11/2021
Reeditado em 11/11/2021
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