O MISTÉRIO DO NEGACIONISMO

Em julho do ano passado, eu escrevia na Tribuna da Internet:

Mais uma vez recebo, de um grupo bolsonarista, uma mensagem com um artigo de Carlos A.G.Gottschall do Instituto Misses Brasil, onde longa e detalhadamente aponta os erros praticados pelas autoridades médicas e políticas no combate à pandemia, defendendo intensamente a proteção da economia e até ridiculizando o confinamento social e o uso de máscara e defendendo apaixonadamente a técnica genocida da "imunização de rebanho" como solução mais efetiva para o problema. Não duvido que, matemática ou estatisticamente, a fórmula tenha seus méritos, mas além de que num universo de mais de duzentos milhões de habitantes seria necessário que, entre 120 e 160 milhões ficassem infestados, quem gostaria de ser uma das reses do rebanho? E essa é a tese preferida nos círculos “científicos” próximos ao Presidente, uma insensatez total!

Ontem eu fiquei sabendo de um caso bem próximo:

Um casal, nosso conhecido, ele alto funcionário de um ministério e ela funcionária do Senado, ambos, portadores de curso superior, bem estruturados intelectual e socialmente, e com boa experiência internacional, desde o início da pandemia adotaram as orientações do seu líder, “cloroquina, tratamento precoce e nada de vacina, primeiro a economia, a doença a gente vê depois” Resultado, o mês passado, os dois contraíram a Covid e depois de UTI e entubamento conseguiram se salvar, não sabendo ainda sobre sequelas. Um detalhe, os dois filhos tiveram que se vacinar escondido dos pais.

Hoje, relembrando esses e outros fatos semelhantes, lembrei-me de Ken Follet. Por que?

No seu romance histórico, MUNDO SEM FIM, a continuação de Pilares da Terra, onde narra a saga de personagens ligados ao Priorado de Kingsbridge, à construção de sua catedral, atual Salisbury, ao modus vivendi em pleno feudalismo e à Peste Negra (bubónica) que assolou o mundo no século XIV, o autor, num trabalho de pesquisa histórica e ficção, involuntariamente, já que foi publicado 14 anos atrás, aborda, no episódio da peste, o fenômeno do negacionismo.

A luta surda entre o Prior Filemon, iletrado, ambicioso, falso e ladrão, e a Irmã Caris, inteligente, caridosa e responsável, pela orientação e administração do hospital do convento, torna-se dramática quando irrompe a Peste, dizimando a população. O Prior quer o controle do hospital para garantir o tratamento prescrito pelos “monges médicos” a sangria e beberagens com estrume de cabra, o que manteria a tradição, agradando assim o conservadorismo dos nobres e, caso não fizesse efeito, a morte seria a vontade de Deus.

Já a Irmã Caris, por causa de seu espírito observador e inconformista, observa que na casa que surge um caso, poucos dias depois toda a família está morta, o que a leva deduzir que a doença se transmite de pessoa a pessoa. Não tendo na época, ideia alguma sobre vírus e bactérias, assim mesmo, num exercício de empirismo dedutivo, ela manda cortarem tiras de pano e obriga as freiras a usá-las no rosto e lavarem as mãos com vinagre sempre que estiverem em contato com os doentes.

Observando o ínfimo índice de mortes entre o pessoal do hospital, quando se verifica uma segunda crise, ela, Caris, convence o Bispo a decretar um edito dispondo que o cidadão que entrar na cidade não poderá sair e o que sair não poderá voltar, na realidade, o primeiro lockdonw da história, que junto com as máscaras e higiene das mãos faz com que Kingsbridge seja a cidade com menos mortes na Inglaterra que perdeu aproximadamente 40% de sua população só em 1384.

Concluindo, o nosso governo não teve o bom senso e espírito público do Bispo Henri e preferiu o gabinete paralelo de Filemon e seus monges médicos à inteligência e compaixão da irmã Caris.

Um Velho na Janela
Enviado por Um Velho na Janela em 13/11/2021
Código do texto: T7384634
Classificação de conteúdo: seguro