Fraudemia: para o povo dinheiro, muito dinheiro.

O fã-clube do coronavírus reconhecia-o um infatigável, incansável, matador de bípedes implumes, dotado do poder, incomparável, de dizimar, em poucas semanas, melhor, dias, melhor ainda, horas, a espécie humana, suprimi-la, num estalar de dedos, da face da Terra. E para derrotar tão ragnagórica criaturazinha, fazia-se, além de outras medidas, necessário trancafiar todo filho-de-Deus cada qual em sua humilde casa pelo período que se fizesse de bom alvitre, dias, semanas, meses, anos, décadas, séculos, milênios, enfim. Aqueles seres, que hoje vivem à margem da sociedade instituída pelo Novo Normal, desde os primórdios da malfadada - todavia cantada em prosa e verso pelos Seguidores da Ciência - política do 'Fique Em Casa; a Economia a Gente Vê Depois', os alcunhados negacionistas, diante da decretação da proibição das atividades ditas não-essenciais, e, com mais firmeza, após as constantes prorrogações dos 'quinze dias para achatar a curva', perguntaram-se de onde sairia o dinheiro para se distribuir para os milhões de cidadãos que, proibidos de exercer as suas atividades profissionais das quais tiravam o ganha-pão, afinal, dinheiro não dá em árvore, não brota do chão, não cai do céu. Tal pergunta chegou aos ouvidos dos Fique Em Casa, que fizeram-se de surdo, e deram uma de joão-sem-braço, e torceram o nariz, e puseram beiço, e cuspiram a língua aos que ousaram apresentar-lhas. Que desaforo! A solução para o problema está na ponta da língua de especialistas, que, em respeito ao que as pesquisas indicam, decretam: imprima-se dinheiro, e muito, muito dinheiro. Sim. Imprima-se dinheiro, e muito, muito dinheiro. Tal política, de excelsa perspicácia econômica, já saia das sapienciais bocas de personalidades públicas dotadas de sabedoria proverbial - e, consta, está a ser implementada, na Argentina, pelo ocupante da Casa Rosada. Ora, hoje em dia não se faz indispensável imprimir dinheiro em papel; evita-se desperdicio de papel, e evita-se derrubada de árvores, imprimindo-o em seu formato digital; para tanto, basta adicionar um zero, ou dois, ou três, à direita do valor do montante do dinheiro ofertado ao mercado. E assunto resolvido. Sem custo, sem desperdício, sem sujeira. Quem há de se opôr à medida tão humanitária, de envergadura intelectual tão grandiosa? Em sã consciência, ninguém; há, no entanto, entretanto, porém, e todavia, muita gente chata, desmancha-prazeres, e elitista, e egoísta, gente que não quer que os pobres deixem de ser pobres, gente que vê em tal política a origem de crise econômica, de desastre econômico e social. Imprima-se, pois, e sem receios, dinheiro, muito dinheiro, e distribua-o ao povo; assim o povo poderá ficar em casa por todo o sempre, e além.

Ilustre Desconhecido
Enviado por Ilustre Desconhecido em 20/01/2022
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